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2. Diferenças comunicativas e o género

2.2. Diferenças socioculturais entre homens e mulheres: a questão do género

2.2.4. Viver o género

Já referimos que o género é um constructo social e que o género de cada indivíduo é formado de acordo com a ordem social (Eckert e McConnell-Ginet 2003: 32). De facto, o género consiste num padrão de relações que se desenvolve no tempo para definir o masculino e o feminino, estruturando e regulando simultaneamente a relação dos indivíduos em sociedade. Por esta razão, o género está presente em cada aspeto da vida e da sociedade – nas instituições e organizações, nos espaços públicos e privados, nas artes, no vestuário, nos jogos e brincadeiras, na linguagem, etc. Portanto, a dicotomia do género está no centro da nossa ordem social porque somos nós que o mantemos (Eckert e McConnell-Ginet 2003: 33). A diferenciação de masculino e feminino serve não só para garantir a reprodução biológica, mas também para garantir a reprodução social, uma vez que a sociedade está organizada nestas duas categorias: masculino e feminino, que perpetuam continuamente os papéis sociais de género (Colwill e Lips 1978b: 144).

Assim, o género é apoiado por um conjunto de ideologias e convenções que fazem com que faça parte de todos os aspetos da nossa vida. Por exemplo, nomear primeiro o homem e depois a mulher (Senhores e Senhoras…; Sr. Oliveira e Sra. Oliveira…) faz parte da convenção, embora, cada vez mais isso esteja a mudar. A ideologia diz respeito a um conjunto de crenças através das quais as pessoas explicam e justificam o seu comportamento e interpretam o dos outros. Por conseguinte, a ideologia está presente na questão do género, pois este é construído através daquilo que as pessoas acreditam ser caraterístico de determinado género, em detrimento do outro. Dessa forma, a ideologia de género estabelece uma ordem, explicando e justificando o género dos indivíduos. Logo, a ideologia dominante não prescreve simplesmente que masculino e feminino devem ser diferentes, como insiste e acredita que eles simplesmente são diferentes (Eckert e McConnell-Ginet 2003: 35). À partida, esta visão parece dar uma ideia dicotómica de que os géneros são opostos. Contudo, não podemos esquecer que os opostos se atraem, surgindo a ideia de complementaridade entre os géneros para conduzir à referida reprodução social do género. Efetivamente, Ecket e McConnell-Ginet (2003) veem que “[…] male and female become collaborative factions in the heterossocial enterprise, opposition is supplemented by a notion of complementarity” (Eckert e McConnell- Ginet 2003: 36).

Por outro lado, esta diferenciação de géneros está presente também nas instituições e no trabalho. Primeiramente, por razões fisiológicas, a mulher sempre foi encarada como o sexo mais fraco. Na generalidade, a mulher é mais baixa, mais leve, tem menos massa muscular do que o homem, logo, é justificável que a mulher seja encarada como incapaz de fazer determinadas tarefas ou exercer detrminadas atividades:

Women have long been regarded as members of the weaker sex. As a group, they are shorter, lighter, and less muscular than men and are regarded in our society as generally unable to perform heavy manual work or to compete in certain stressful or potencially violent ahletic events. These differences have been used as justification for keeping women out of certain jobs, such as construction, and such sports as weight lifting, football, and hockey (Lips et al. 1978: 147).

Não obstante, apesar destas diferenças, a mulher tem sido capaz de ocupar lugares e cargos cujo acesso lhe tem vindo a ser dificultado por estas ideias pré-concebidas.

Nas sociedades ocidentais, a divisão do trabalho por género está ainda ligada a poder e

status diferentes. As atividades dos homens estão associadas a maior poder societal. Na

maioria das culturas, é o homem que tem maior acesso a posições públicas de poder e influência. Esta diferença é o resultado da “[...] social structure that awards men higher status and stereotypes them as more competent than women” (Lips e Colwill 1978c: 241). As

mulheres, por sua vez, têm influência em situações domésticas e em contextos privados. Neste sentido, se fala em discriminação:

There is plentiful evidence that discrimination exists at all levels, and is a powerful force affecting women’s opportunities for job training, for being hired, and for being promoted (Maccoby 2003: 227).

Para Eleanor Maccoby (2003), as diferentes histórias de infância dos dois sexos têm uma série de implicações na maneira como homens e mulheres se correlacionam com o mesmo sexo ou com o sexo oposto, sendo que se pode esperar uma segregação de género, tal como acontece na infância:

We have seen that when children have a choice of social partners, they tend to gravitate toward same-sex others and avoid children of the other sex. On this basis alone we maight expect to see tendencies toward gender segregation in the workplace as well (Maccoby 2003: 227).

Não obstante, as crianças também convivem e partilham atividades com o sexo oposto, seja em atividades escolares ou de entretenimento. Estas também são favoráveis às boas relações entre os sexos no trabalho. Neste sentido, será preferível falar em integração de géneros, em detrimento de segregação. Então esta será a questão colocada por Maccoby: “In the daily life of the workplace, to what extent does gender segregation, versus gender integration, prevail?” (Maccoby 2003: 227).

Portanto, o paralelo que existe entre as caraterísticas das relações entre homens e mulheres no trabalho e as relações que prevalecerem entre rapazes e raparigas na infância parecem, para Macoby, bastante claras, embora considere que possam existir diferenças (Maccoby 2003: 251). Essas semelhanças englobam vários aspetos:

1) A forma de falar

Os grupos de rapazes normalmente falam de assuntos relacionados com sexo, em que a mulher é vista como objeto sexual. Também no mundo do trabalho, esta visão pode estar presente. Assim, quando um homem se aproxima e interage mais com uma mulher pode ser alvo de rumores sobre eventuais interesses românticos e sexuais, fazendo com que ambos evitem interações.

Tal como na infância, em que as crianças se agrupam de acordo com o mesmo género, as mesmas brincadeiras e interesses, também num grupo de trabalho, onde existam pessoas de ambos os sexos, as pessoas tendem a agrupar-se com pessoas do mesmo sexo para almoços e outras situações informais.

3) Hierarquias e competições

As brincadeiras de infância dos rapazes têm sempre presente a hierarquia e a competição. Por sua vez, as brincadeias das raparigas têm como principais caraterísticas as relações igualitárias, um discurso colaborativo e uma liderança democrática. Na sua vida social informal, as raparigas nunca tiveram necessidade de encontrar um lugar na hierarquia estabelecida pelos rapazes. Talvez, por isso, se diga que a inexperiência feminina com hieraquias as coloque em desvantagem na hieraquia do trabalho. No entanto, não existem provas que o confirmem (Maccoby 2003: 252).

Contudo, esta perspetiva do mundo do trabalho parece já fora de moda, pois já existem muitas profissionais mulheres que fazem parte de grandes organizações – de médicos, de advogados, de departamentos universitários – onde homens e mulheres trabalham juntos e onde têm um status igual. Por outro lado, também em outros tipos de trabalho, menos de elite, que primeiro eram considerados unissexo, já são desempenhados por ambos os sexos, por exemplo: caixa de supermercado, taxista, juiz, camionista, piloto, polícia, etc.

Por conseguinte, o aumento crescente de mulheres no mercado de trabalho fez com que algumas ideologias mudassem, nomeadamente a segregação de género no trabalho, para se transformar em integração de género. Porém, Eleanor Maccoby (2003) alerta:

The fact that there is a generational shift in attitudes, with younger people taking gender equality in the workplace more for granted, also holds promise of greater cross-sex acceptance in the future.

Nevertheless, there are still some sobering impediments to change (Maccoby 2003: 253).

Noutra perspetiva, nas sociedades ocidentais, esta divisão do trabalho pelo género assenta basicamente no papel que a mulher ainda ocupa no domínio doméstico, sendo o homem que domina no domínio público. Ideologicamente, esta divisão do trabalho está ligada aos diferentes papéis reprodutores, em que a mulher é a cuidadora dos filhos, ficando a seu cargo a educação dos filhos e a manutenção da casa. Para além das diferentes exigências de serem progenitores, também existe divisão sexual no trabalho porque se atribuem caraterísticas / capacidades sociais e intelectuais diferentes aos dois géneros. Por exemplo, a mulher é tida como mais atenciosa para os outros, sendo melhor a estabelecer relações interpessoais. Por isso, ocupam cargos ao serviço dos outros, como seja educadoras de infância, professoras, enfermeiras, secretárias, hospedeiras de bordo, etc. Por outro lado, como os homens são considerados melhores a julgar, a dar conselhos e a peritar, eles ocupam cargos onde tenham poder e onde resolvam e forneçam soluções. Por isso, são maioritariamente homens que ocupam grandes cargos de chefia.

Embora a divisão do trabalho pelo género esteja a mudar, acompanhada pela mudança de mentalidades, ainda se mantêm muitas ideologias arreigadas, que dificultarão a completa mudança, continuando a acentuar as diferenças de género. Portanto, será impossível viver em

sociedade sem género, pois as suas categorias são constantemente reforçadas pelo comportamento da maioria dos indivíduos, mantendo a ordem social do género.

2.3. O género e as diferenças comunicativas