• Nenhum resultado encontrado

Os Físicos Posteriores

5. A Filosofia Pré-Socrática

5.2. O Período Cosmológico (ou naturalista)

5.2.5. Os Físicos Posteriores

Os denominados físicos posteriores procuraram responder o paradoxo representado pelas distintas posições de Parmênides e Heráclito sobre a realidade, ou não, do movimento.

Como sabemos, Parmênides sustentava, pelos motivos já explicitados, a irrealidade do movimento, enquanto Heráclito afirmava a inexorabilidade do movimento, ou seja, do devir, ao assumir que tudo flui, tudo muda, nada permanece.

Os físicos posteriores, os Atomistas – Leucipo e Demócrito –, Empédocles e Anaxágoras pretenderam dar conta do paradoxo, buscando mostrar que existem realidades que são, não estando sujeitas à geração e corrupção, ao mesmo tempo em que explicam que o movimento não é algo de aparente ou ilusório, mas que realmente existe.

5.2.5.1 Empédocles de Agrigento (490 – 435 a.C.)

Segundo Aristóteles (DK A XXVIII), Empédocles cria na existência de quatro elementos, o fogo, a água, o ar e a terra, que tem por característica essencial o fato de não estarem submetidos à mudança, ou seja, elas existem sempre. Na verdade, são as únicas realidades existentes.

Além da existência dessas quatro realidades, Empédocles agrega duas forças externas, que poderíamos chamar de Amor e Discórdia, que atuam sobre estes quatro elementos, como afirma Simplício:

[Empédocles] estabelece a existência de quatro elementos corporais: o fogo, a água, o ar e a terra, que são eternos, mas mudam em quantidade, isto é, para mais ou menos, conforme à associação e dissociação; a eles se acrescentam os princípios propriamente ditos, pelos quais os quatro elementos são movidos, o Amor e a Discórdia (DK A XXVIII).

Os dois princípios, ou forças, atuam sobre os quatro elementos, que estão sempre em movimento, em função do Amor e da Discórdia, que os associam ou agregam, no caso do Amor, ou que os dissociam ou desagregam, o que explica a geração e a corrupção, e, por conseguinte, o movimento. A agregação e a desagregação explicam o movimento, mas os quatro elementos permanecem eternamente, representando o que é, o Ser. Por essa razão, pode-se afirmar que o princípio do Todo são o Amor e a Discórdia, que causam a mistura dos quatro elementos, o que faz com que as coisas sejam geradas, no caso do Amor, assim como sua corrupção pela desagregação dos elementos provocada pela Discórdia (DK A XXXI, XXXIII, XXXVII). Tudo o que existe é a mistura e a dissociação dos elementos, reunidos pelo Amor, e separados pela Discórdia inimiga (DK B XVII).

Com tal construção, Empédocles entende explicar o que não está sujeito ao devir, os quatro elementos, bem como dar conta da mudança que ocorre no mundo.

5.2.5.2 Anáxagoras de Clazômenes (500 – 428 a.C.)

Encontramos o mesmo objetivo no pensamento de Anáxagoras, embora mais sofisticado filosoficamente pela introdução de um princípio, a inteligência “pura e simples” (nous), como mostra Plutarco (DK A XV), que atua sobre uma massa primordial onde todas as coisas estavam conjuntamente, até o momento em que a inteligência as ordenou (DK A I), instituindo um movimento sobre esta massa originária, possibilitando a criação de todas as coisas:

Todas as coisas estavam juntas, ilimitadas em número e em pequenez. Pois o pequeno era ilimitado e, todas as coisas estando juntas, nenhuma era perceptível devido a sua pequenez (DK B I).

Os princípios, ou sementes (DK A XLIII), de todas as coisas são as

homeomerias, ilimitadas, já que o Todo é formado dessas sementes, as quais são separadas pela inteligência, causa primeira: as homeomerias estão em todos os corpos do universo. Tudo que existe no universo é gerado pela associação das homeomerias, do mesmo modo que a corrupção se dá pela dissociação das homeomerias, que são as únicas realidades que permanecem:

Pois todas as homeomerias como a água, o fogo ou o ouro, escapam à geração e à corrupção, o fenômeno aparente de seu nascimento e de sua destruição resulta somente da composição e da discriminação: todas as coisas estão, com efeito, em todas as coisas, e cada uma recebe ser caráter da coisa que prevalece na sua natureza (DK A XLI).

Isso significa afirmar que, no caso do ouro, prevalece a homeomeria ouro, no caso da madeira, a homeomoria madeira, e assim por diante: “Cada coisa única é e estava formada das que, sendo as mais numerosas, são por isto as mais visíveis” (Idem). Para Anaxágoras, tudo nasce de tudo – nada nasce do nada – pela agregação das homeomerias, de modo ordenado pela inteligência, reconhecida como o princípio ordenador do mundo (DK XLVII), princípio ordenador, e dominante, de todas as coisas que eram, no princípio, ilimitadas e misturadas.

Simplício lembra que é pela a discriminação levada a cabo pela inteligência – que não é misturada a nada –, que é a causa, como vimos, do movimento e da geração, que as homeomerias criam os mundos, “assim como as substâncias das outras coisas” (Idem), na medida em que são princípios materiais ilimitados. A discriminação substitui a criação (DK B X).

Logo, temos a explicação do movimento pela associação e desagregação das homeomerias, permanecendo estas inalteráveis e não sujeitas à mudança. A agregação e a dissociação fundamentam o vir a ser, o devir, enquanto as homeomerias são o que é, o Ser.

5.2.5.3 Demócrito de Abdera (460 – 370 a.C.) e o atomismo

A criação do atomismo é atribuída a Leucipo, figura da qual temos poucas informações. Por isso, nos deteremos na filosofia de Demócrito, que é o representante principal da escola atomista.

Os princípios fundamentais da filosofia atomista de Demócrito são assim descritos por Diógenes Laércio (DL IX 44):

Os princípios de todas as coisas são os átomos e o vazio, e todo o resto só existe por convenção. Os mundos são ilimitados e sujeitos à geração e à corrupção. Nada poderia ser engendrado a partir do não ser, e nada poderia, corrompendo- se, retornar ao não ser. Os átomos são ilimitados em grandeza e número, e animado por um movimento em turbilhão no universo, o que tem por efeito engendrar todos os compostos.

Temos, então, os átomos e o vazio (que é a condição do movimento), e o movimento regido pela necessidade, em forma de turbilhão, ou vórtice, que faz com que os átomos se choquem uns com os outros formando as coisas e os mundos (DK A XLIII): todas as coisas são formadas pelos átomos. Os átomos são imperceptíveis pela sua pequenez, sólidos, compactos, ilimitados, indivisíveis.

Essas duas realidades, bem como o movimento, não podem ser percebidas pelos sentidos, apenas pelo intelecto. De fato, Demócrito distingue duas formas de conhecimento, o conhecimento inteligível, e o conhecimento sensível. O conhecimento inteligível é o único, aos

seus olhos, que possui legitimidade, pois somente ele pode alcançar a verdade, ou seja, de que tudo é constituído de átomos e vazio. O conhecimento sensível carece de credibilidade e validade no que tange ao conhecimento da verdade. Demócrito afirma que o conhecimento sensível é bastardo, incapaz de perceber a verdadeira realidade, refém que é dos órgãos dos sentidos, não conseguindo ver o que é demasiado pequeno para ele, ou de entender, nem sentir, nem provar, nem perceber pelo toque, e, muito menos, servir como instrumento para investigações que pressuponham alguma sutileza (DK B XI). Essa é umas diferenças que encontraremos em Epicuro no que concerne a Demócrito, ou seja, o fato de que, em Epicuro, o conhecimento sensível não é bastardo, ao contrário. A outra diferença está no

clinamen, que abre espaço para a ideia de liberdade no mundo físico e moral, contra a necessidade que encontramos em Demócrito.

O princípio que opera aqui, com nuanças, é o mesmo que encontramos em Empédocles e Anaxágoras, pois se busca, da mesma forma, uma argumentação que reconheça a realidade do movimento, e, ao mesmo tempo, reconheça algo que seja permanente, jamais podendo ser submetido a qualquer alteração.

No caso de Demócrito, a permanência, aquilo que é, o Ser, é representado pelo átomo, responsável pela gênese de todas as coisas e de todos os mundos, a partir do entrechoque dos átomos, impulsionados pelo movimento em turbilhão, que acabam criando as coisas pela agregação dos átomos, ou seja, o processo de geração pressupõe, necessariamente, a associação destes corpos sólidos, enquanto o processo de corrupção segue o caminho inverso, o da separação ou dissociação dos átomos.

Então, esta é a solução ofertada pelos físicos posteriores, para o dilema surgido da oposição entre as teses de Parmênides e aquela de Heráclito.