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Os fundamentos constitucionais do poder de polícia

Para vislumbrar os fundamentos constitucionais que legitimam o poder de polícia, pode- se tomar como ponto de partida de análise o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado presente em nossa Constituição da República e consagrado em nosso direito ambiental:

Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. (BRASIL, 2017a).

Apenas o caput do presente artigo já traz o direito e a obrigação do poder público em assegurá-lo, e adiante, seus incisos trazem diversas obrigações de atuação, como por exemplo, preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais, prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas, proteger a fauna e a flora, controlar a produção e a comercialização de substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente, dentre vários outros. Ou seja, o ordenamento jurídico ao seguir o que está posto neste artigo, deixa clara a existência de um direito fundamental que deverá será assegurado pela Administração

através de sua intervenção, seja positiva ou negativa. Além disso, juntamente com as regras de competências já explanadas na seção própria, considerados os casos de interesse local, tal atribuição também fica entre o rol de atividades do poder público municipal.

Mais do que isso, conforme explicado no título correspondente, este direito está relacionado com o princípio do direito à sadia qualidade de vida. Entretanto, o direito ambiental possui vários outros, que mesmo apenas em sede de princípio, colocam sob responsabilidade da máquina pública o dever de intervenção, com detalhes característicos idênticos ou muito semelhantes a este.

A mesma lógica é seguida no direito de trânsito, temos o direito fundamental, expresso na lei, “trânsito em condições seguras, direito de todos”, e o mesmo normativo legal que apresenta o direito coloca como dever do poder público assegurá-lo.

Este direito ao trânsito seguro, formatado e entendido dentro dos preceitos constitucionais pode mesclar e buscar amparo em outros direitos presentes na Lei Maior, como é de praxe em nosso sistema. Podemos citar apenas a título de exemplo o direito a segurança presente no artigo 144:

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

I - polícia federal;

II - polícia rodoviária federal; III - polícia ferroviária federal; IV - polícias civis;

V - polícias militares e corpos de bombeiros militares. [...] (BRASIL, 2017a).

O qual se encaixa na realidade fática dos cidadãos que usufruem do trânsito. No entanto, para manter o foco na proteção de direitos através poder de polícia municipal, vamos citar a relação daquele direito com o direito à vida também presente na Lei Maior, no caput do artigo 5º:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] (BRASIL, 2017a).

O direito à vida e o direito à liberdade estão intimamente ligados ao direito a um trânsito seguro, sendo fundamento primordial para o desempenhar da atividade do poder de polícia na área. Pode-se tomar como exemplo o caso do município de São Paulo (SP) e as Avenidas Marginal Tietê e Marginal Pinheiros as quais historicamente são palco de muitos acidentes, inclusive fatais. Em decorrência disso, a Administração municipal, por décadas tem usado das prerrogativas do poder de polícia para tentar minimizar os acidentes de trânsito, no intuito, de preservar a vida dos cidadãos que por ali trafegam.

Historicamente falando, conforme o trânsito na metrópole de São Paulo se intensificava, proporcionalmente aumentavam as tragédias nas já citadas Marginais exigindo que a Administração municipal tomasse providências. Então na década de 1990, após um esforço para fiscalização de velocidade, se conseguiu uma diminuição dos acidentes e, consequentemente, mortes. Em resposta a este bom resultado, em 1998 aumentaram se os limites de velocidades, nas vias de trânsito mais rápido, chamadas de expressas, subindo de 80 km/h para 90 km/h e nas locais, de trânsito mais lento, de 60 km/h para 70 km/h. E assim permaneceu até o ano de 2015 (O SOBE, 2017).

Em julho de 2015, a administração executiva em exercício, motivada mais uma vez pelos altos índices de acidentes e mortes decide por diminuir o limite de velocidade destas vias, passando agora para 70 km/h, 60 km/h e 50 km/h nas vias expressas, centrais e locais, respectivamente. Nota-se aqui a Administração fazendo uso de suas prerrogativas do poder de polícia motivada pela proteção do direito à vida dos que por ali trafegam, inclusive, após um ano de vigor desta medida o número de acidentes com vítimas (mortas ou feridas) caiu 37,5% nas vias, conforme levantamento feito pela a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), que é o órgão municipal responsável pela organização e fiscalização do trânsito naquele município (LIMITE, 2017).

Nota-se novamente, o aspecto motivador do poder de polícia fundado em direitos fundamentais consagrados por nossa Constituição da República.

Passado um certo período, e havendo a mudança natural no poder executivo, a Administração que entrou em exercício neste ano de 2017 resolveu aumentar os limites de velocidade das Marginais Tietê e Pinheiros novamente. Esta nova decisão levou a pauta para discussão no poder judiciário, onde certa associação interessada ingressou com uma ação

postulando o retorno ao status anterior da legislação referente aos limites de velocidade, argumentando que a atual medida era prejudicial para a efetivação dos direitos fundamentais dos condutores e pedestres (concernentes a segurança no trânsito, direito a vida e etc.), comparada com as medidas anteriores.

Embora o Tribunal de Justiça de São Paulo, em segunda instância, tenha decidido que não cabe à tutela jurisdicional avaliar ou não a efetividade das políticas públicas do município, como exemplo, tal caso demonstra na prática a atuação do poder de polícia sendo discutido e motivado em meio aos direitos e princípios constitucionais (TJSP, 2017).

Estes exemplos, como observado, servem para comprovar a ligação entre a atuação do poder de polícia municipal e o sistema de direitos fundamentais, mas mais do que isto, é necessário também, que se faça a análise da relação entre direitos fundamentais individuais e direitos coletivos, sob a luz do poder de polícia estruturado no Estado Democrático de Direito, desmistificando a dicotomia que advém deste encontro.

Este aparente choque entre os interesses da coletividade e as liberdades individuais se dá devido a forte presença do princípio da supremacia do interesse público, princípio basilar do direito administrativo. No entanto, cumpre demonstrar que no direito administrativo erigido sob o Estado Democrático de Direito as noções de democracia e direitos fundamentais são ambos elementos constitutivos e de legitimação deste Estado. Desta forma, as autonomias pública e privada não excluem uma à outra, mas se pressupõem mutuamente.

Obviamente esta fórmula não é exata, pois há hipóteses em que os direitos fundamentais irão bater de frente com o exercício do poder de polícia, e nestes momentos irão limitar suas prerrogativas. Um destes momentos, diz respeito a quando certa medida de polícia administrativa, supostamente baseada em algum interesse coletivo, contraria de forma literal e clara o âmbito de proteção de um direito fundamental, tal como a instituição de um regime que obrigue o pressuposto de uma licença prévia para a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, por exemplo, o que agride frontalmente o artigo 5º, inciso IX da Constituição da República. Neste caso, tal medida é inválida em sua origem.

Isto superado, temos que os direitos fundamentais, tanto de caráter individual ou coletivo, como fundamentos motivadores para a atividade do poder de polícia. Sendo que as

hipóteses de conflito que esta relação de efetivação e promoção de interesses constitucionais pode trazer não são apenas uma briga entre autonomia privada e autonomia pública, pois, estes conflitos podem tanto ocorrer entre um direito individual e um direito da coletividade, como entre dois ou mais direitos individuais, devendo ser superados pela ponderação sob o princípio da proporcionalidade. No entanto, a ideia que se deve ter clara, é que este conflito ocorrerá porque estará se usando um interesse ou direito fundamental como gatilho ativador do exercício do poder de polícia.

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