• Nenhum resultado encontrado

Poder de polícia e direitos fundamentais no âmbito municipal

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Poder de polícia e direitos fundamentais no âmbito municipal"

Copied!
45
0
0

Texto

(1)

GRANDE DO SUL

JÉFERSON GOUDINHO

PODER DE POLÍCIA E DIREITOS FUNDAMENTAIS NO ÂMBITO MUNICIPAL

Ijuí (RS) 2017

(2)

JÉFERSON GOUDINHO

PODER DE POLÍCIA E DIREITOS FUNDAMENTAIS NO ÂMBITO MUNICIPAL

Monografia final do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Monografia.

UNIJUÍ – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.

DCJS – Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais.

Orientador: MSc. Aldemir Berwig

Ijuí (RS) 2017

(3)

AGRADECIMENTOS

À minha esposa e a minha família pelo apoio incondicional nesta jornada.

Aos meus amigos do grupo EhNozes pela presença e incentivo.

E ao meu orientador por toda ajuda e boa vontade.

(4)

RESUMO

O presente trabalho de pesquisa monográfica faz uma análise do poder de polícia da Administração Pública e sua relação com os direitos fundamentais, principalmente no âmbito de atuação municipal. A partir dos elementos encontrados em pesquisa doutrinária expõe-se um breve histórico da constitucionalização do direito administrativo e sua influência sobre o poder de polícia, para então apresentar a figura jurídica do poder de polícia administrativa instituído por nossa legislação. São apresentadas duas vertentes de atuação da Administração Pública que fazem uso deste instituto na esfera municipal, que são, o direito ambiental e o direito de trânsito, para então tentar estabelecer a relação entre a intervenção da Administração Pública como ferramenta de efetivação do interesse público e a proteção dos direitos fundamentais. Nesta perspectiva, apresenta o poder de polícia sob o viés constitucional como instrumento do direito público para efetivação dos direitos fundamentais individuais e coletivos, demonstrando que, no atual Estado de Direito esta proteção aos direitos fundamentais é função basilar do poder de polícia.

Palavras-chave: Direito Municipal. Polícia Administrativa. Polícia Ambiental. Polícia de Trânsito. Princípios Constitucionais.

(5)

ABSTRACT

This present work of monographic research makes a analysis of the police power of Public Administration and its relation with fundamental rights, mainly in the scope of municipal action. From the elements found in doctrinal research exposed a brief history of the constitutionalisation of administrative law and its influence on police power, then presents the legal figure of the administrative police power established by our legislation. There are presented two aspects of public administration that make use of this institute in the municipal sphere, which are Environmental Law and Traffic Law, to try establish the relationship between the intervention of Public Administration as a tool for effecting the public interest and the protection of fundamental rights. In this perspective presents the police power under constitutional bias as an instrument of public law for the realization of individual and collective fundamental rights, demonstrating that in the current rule of law this protection of fundamental rights is the basic function of police power.

Keywords: Municipal Law. Administrative Police. Environmental Police. Traffic Police. Constitutional Principles.

(6)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 6

1 PODER DE POLÍCIA ... 8

1.1 Origem e constitucionalização do direito administrativo ... 8

1.2 Constitucionalização do poder de polícia ... 10

1.3 Aspectos gerais do Poder de Polícia ... 12

1.4 Supremacia geral e supremacia especial ... 14

1.5 A discricionariedade no poder de polícia ... 16

1.6 Fundamentação e limitações do poder de polícia ... 19

2 POLÍCIA AMBIENTAL E DE TRÂNSITO NO ÂMBITO MUNICIPAL ... 22

2.1 As competências e o interesse local ... 22

2.2 Poder de polícia ambiental municipal ... 25

2.3 Poder de polícia de trânsito municipal ... 29

3 PODER DE POLÍCIA MUNICIPAL E DIREITOS FUNDAMENTAIS ... 31

3.1 Os fundamentos constitucionais do poder de polícia ... 31

3.2 O poder de polícia na proteção e promoção de direitos fundamentais ... 35

3.3 Ponderação de direitos fundamentais no poder de polícia ... 37

CONCLUSÃO ... 41

(7)

INTRODUÇÃO

A presente pesquisa monográfica tem como objeto de estudo a concepção jurídica do poder de polícia administrativo, seus fundamentos e limitações, e sua relação com os direitos fundamentais no ordenamento jurídico brasileiro, tendo como base a atuação na esfera de competência municipal.

Considerando que o exercício do poder de polícia tem um histórico contraditório no que diz respeito a democracia e seus fundamentos, é de eminente relevância esta pesquisa que se propõe a estudar este instituto jurídico sob a visão constitucional de um Estado Democrático de Direito.

Pautado então sobre a visão de supremacia constitucional e democracia instaurada pela Constituição da República de 1988, e motivado pela problemática trazida pela relação deste instituto de autoridade em contraposição aos direitos fundamentais, tão caros a nossa democracia, este estudo se propõe a expor como se estrutura esta relação em nosso ordenamento jurídico.

O primeiro capítulo expõe o fenômeno de constitucionalização do direito administrativo, acontecimento este responsável por trazer para dentro da constituição a figura do poder de polícia e conformar a atividade administrativa dentro dos preceitos constitucionais. Aborda, ainda, a construção jurídica do poder de polícia no ordenamento pátrio, trazendo as concepções legais e doutrinárias pertinentes.

A concepção de poder de polícia aqui apresentada considera o mesmo como a competência que legitima a Administração Pública para intervir na autonomia privada, delimitando o exercício da mesma, com o intuito de promover o interesse público, o bem

(8)

comum. A partir desta premissa estuda-se seus fundamentos e limitações, procurando responder as questões de importância, como por exemplo: o poder de polícia é discricionário?

O segundo capítulo, aproveita a construção do anterior para trazer o poder de polícia ambiental municipal, bem como o poder de polícia de trânsito municipal, a fim de exemplificar e demonstrar, no limite de suas competências, a relação entre a atividade destes e os direitos fundamentais na constituição.

Em sede de conclusão, o terceiro capítulo aborda de forma mais específica a relação entre o poder de polícia e os direitos fundamentais, trazendo as ideias dos preceitos fundamentais constitucionais como motivadores da atuação policial da administração e vislumbrando os possíveis conflitos teóricos desta construção.

Para a elaboração deste estudo usou-se a metodologia de pesquisa doutrinária em diversos livros, artigos, teses acadêmicas, matérias jornalísticas e decisões do Judiciário, com o intuito de trazer uma visão ampla sobre o assunto.

(9)

1 PODER DE POLÍCIA

No ordenamento jurídico brasileiro, a Administração é dotada de poderes e deveres administrativos, através dos quais a mesma trabalha para que os direitos individuais garantidos por este mesmo ordenamento jurídico estejam em consonância com o bem-estar social. Estes poderes e deveres advém de um regime jurídico próprio, chamado de regime jurídico administrativo, o qual é distinto do regime privado, pois em seu funcionamento as relações jurídicas são desiguais, visando a satisfação do interesse público.

Dentre estes poderes administrativos tem eminente destaque o poder de polícia administrativa, através do qual a administração exerce poder sobre as atividades dos particulares que possam intervir no bem-estar comum. Neste sentido, o poder de polícia é a forma legal e legítima de a Administração fazer uso de suas prerrogativas nesta relação desigual, intervindo na autonomia privada dos cidadãos, visando, a conciliação dos interesses e direitos individuais com os interesses e direitos da coletividade.

Esta face atual do poder de polícia, como ferramenta da Administração para garantir e efetivar os direitos fundamentais está intimamente ligada a constitucionalização do regime jurídico administrativo, e para entende-lo é necessário compreender minimamente este processo, pois curiosamente, nem sempre o poder de polícia esteve intimamente ligado aos preceitos constitucionais tal como está posto hoje.

1.1 Origem e constitucionalização do direito administrativo

O regime jurídico administrativo e suas nuances, no seu florescimento pós Revolução Francesa em meio a ideia de Estado de Direito, Estado Liberal, e todas as aspirações do período, paradoxalmente, não teve como base real fática os nobres valores que os permeia hoje, principalmente nos países europeus de cultura romano-germânica, nos quais baseia-se boa parte de nossa doutrina jurídica.

Nestes países, é importante destacar que embora o direito administrativo tenha seu desenvolvimento associado ao estado de direito, com separação dos poderes e os direitos do homem, tomando o exemplo da Revolução Francesa, na prática sua estrutura não refletiu os valores de garantia e liberdade propostos. Basta considerar que, após a Revolução Francesa se

(10)

tentou subordinar o poder executivo francês à vontade do poder legislativo, fazendo diferenciação ao antigo regime, mas na prática não houve respeito aos valores do liberalismo político, pois nota-se que surgiram institutos jurídicos e consequentemente foi criado um regime jurídico administrativo de forma contrária aos ideais fundantes da época, a margem do sistema legislativo. Foram elaborados pelo Conselho de Estado, de forma paralela ao sistema legislativo, e não sob sua fiscalização.

Tal manobra proporcionou o fortalecimento da autoridade da Administração, inclusive, logo se tirou da alçada do Poder Judiciário o julgamento das causas envolvendo os particulares e o Estado, como forma de evitar que o judiciário, que era composto em grande parte por nobres contrários à revolução, exercessem algum poder de veto sobre as ações do novo regime.

Nota-se que o nascimento do direito administrativo na experiência continental europeia não se deu exatamente em consonância com o princípio da separação dos poderes e da ideia de primazia da lei sobre os atos da Administração, pelo contrário, seu início visou e proporcionou que além de administrar, a mesma concentrasse poderes para “criar o direito” que lhe é aplicável e consequentemente para aplicar este “direito” nas causas que lhe dizem respeito

Como afirma Binenbojm:

Essas circunstâncias favoreceram o desenvolvimento de categorias jurídicas voltadas essencialmente à preservação da autoridade estatal (potestas), e não aos direitos individuais dos cidadãos (libertas). As relações paritárias, próprias do direito privado, são substituídas por relações desiguais, baseadas na ideia de verticalidade, que confere posição de supremacia ao ente estatal. A própria noção de interesse público é construída a partir da ótica dos governantes, como algo naturalmente superior e contraposto aos interesses dos particulares. (2017, p. 40, grifo do autor).

Construído então sob essa base de autoridade, o direito administrativo veio a passar pelo processo, chamado pelo mesmo autor de giro democrático-constitucional do direito administrativo, após a Segunda Guerra Mundial e que percorreu toda a segunda metade do século XX, o qual coincide com o período de redemocratização e reconstitucionalização das nações que estiveram sob a chefia de regimes autocráticos.

Este processo se deu no uso de duas estratégias diferentes, mas complementares uma a outra, que são, a inclusão da organização e disciplina da administração pública no corpo do

(11)

texto constitucional e, os sistemas democráticos e de direitos fundamentais colocados como elementos estruturantes e fundamentos de legitimidade do estado democrático de direito, o qual neste caso, vai acabar atingindo também o “estado administrativo”.

Tal corrente foi se difundindo a partir dos exemplos da Constituição Italiana de 1947, da Lei Fundamental de Bonn, de 1949, e posteriormente com a Constituição de Portugal em 1976, Constituição da Espanha em 1978, e consequentemente influenciou a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

Esta Constituição coincidentemente também é resultado de um processo de redemocratização, como afirma Binenbojm (2017), elaborada em meio a debates onde figurava o pluralismo de ideias, após décadas de um regime militar.

Deste modo, a Lei Maior inaugurou um Estado Democrático de Direito que afirma a centralidade do sistema de direitos fundamentais e da democracia, que são apresentados como elementos estruturantes e fundantes do mesmo, no entanto, também é uma “Constituição Administrativa”, trazendo no seu cerne o controle e o fundamento da atividade administrativa do estado, e consequentemente ligando e mesclando os fundamentos destes.

Estava então, implantado, juridicamente no Brasil, a constitucionalização do direito administrativo.

1.2 Constitucionalização do poder de polícia

O poder de polícia, que pode ser considerado a principal atividade interventora da Administração, logicamente evoluiu juntamente com as outras faces do direito administrativo, e da noção que vigorava no século XVIII, houveram significativas e bem-vindas mudanças, incluindo sua suposta abrangência e sua relação com outras atividades estatais.

A ideia de poder de polícia, em alguns países, já era uma noção bem ampla, contemplando tanto o ato de legislar sobre a atividade estatal restritiva da liberdade e da propriedade, como da atividade administrativa executora. Já na cultura romano-germânica, havia uma concepção mais restrita. Usando novamente o exemplo francês, pode-se citar que a doutrina destes trazia uma noção de polícia administrativa baseada na preservação da ordem

(12)

pública, a qual podia ser resumida na união dos conceitos de tranquilidade, segurança e salubridade públicas. Com a evolução do direito administrativo no processo de constitucionalização, e consequente evolução do poder de polícia, o conceito se reformulou, afastando-se, por vezes, do conceito de polícia judiciária e dos serviços públicos, por exemplo, outras vezes aproximando-os, mas, de forma geral dando abrangência para que pudesse disciplinar novas áreas consideradas de interesse da coletividade, como atividade econômica e a proteção do meio ambiente.

Atualmente, o poder de polícia é uma atividade de conformação e ponderação, conforme e sob as possibilidades e limites erigidos na constituição:

[...] o poder de polícia apresenta-se na atualidade como uma ordenação social e econômica que tem por objetivo conformar a liberdade e a propriedade, por meio de prescrições ou induções, impostas pelo Estado ou por entes não estatais, destinadas a promover o desfrute dos direitos fundamentais e o alcance de outros objetivos de interesse da coletividade, definidos pela via de deliberação democrática, de acordo com as possibilidades e os limites estabelecidos na Constituição. Cuida-se, assim, de um conjunto de regulações sobre a atividade privada, desvinculadas ou complementares a relações especiais de sujeição (estatutárias ou contratuais), dotadas ou não de força coercitiva, conforme o caso, que erigem um sistema de incentivos voltados à promoção de comportamentos socialmente desejáveis e ao desestímulo de comportamentos indesejáveis, de acordo com objetivos político-jurídicos predeterminados. (BINENBOJM, 2017, p. 69, grifo do autor).

É neste sentido que o poder de polícia tem como objetivo, ao mesmo tempo, restringir e, assegurar o exercício de direitos fundamentais, aproximando-os e articulando-os com direitos coletivos. Por esta visão o mesmo se realiza através de conformações de três espécies de direitos: direitos limites, que trazem obrigações de não fazer, direitos encargos, que trazem obrigações de fazer e, direitos de sujeições os quais trazem obrigações de suportar.

Tal formulação do poder de polícia deixa ultrapassada a ideia de que o mesmo tem apenas um caráter negativo, de proibição, abstenção de fazer, até porque esta noção restrita não se enquadra no “novo” modo de ser constitucional do poder de polícia. Com a sua íntima relação com os direitos fundamentais individuais e coletivos, o mesmo tem agora fundamentações e objetivos mais complexos, sendo esta a forma como é conhecido hoje.

(13)

É a partir desta visão constitucional do direito administrativo e do poder de polícia implantada por nossa Lei Maior que se configurou o poder de polícia na doutrina e na legislação infraconstitucional, conforme será demonstrado a seguir.

1.3 Aspectos gerais do Poder de Polícia

Segundo Meirelles (2013, p. 139), “poder de polícia é a faculdade de que dispõe a administração pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado.”

De forma semelhante a esta conceitua Justen Filho (2011, p. 567) ao afirmar que “o poder de polícia administrativa é a competência para disciplinar o exercício da autonomia privada para a realização de direitos fundamentais e da democracia, segundo os princípios da legalidade e da proporcionalidade.”

Seguindo os conceitos, o poder de polícia serve ao propósito de evitar que o uso da liberdade e consequentemente da propriedade cause danos a coletividade, tal como instrui Mello (2013), ao afirmar que o uso da liberdade e da propriedade deve estar entrosado, ou seja, em consonância com a utilidade coletiva para não trazer obstáculos à efetivação dos objetivos públicos. Neste ponto é de suma importância ressaltar que o Estado, embora reconheça e se preste a legitimar os interesses e necessidades dos particulares, não age de forma sistemática e contínua para provê-los através do poder de polícia; em suma, o poder é exercido quando a atividade particular demonstrar o risco e a capacidade de causar danos, sendo necessário então delimitá-la.

Esta delimitação necessária é referente ao uso da liberdade e da propriedade e não ao direito de propriedade e liberdade em si. Não há em nenhuma instancia do poder de polícia limitação a estes direitos, tal como se observa:

[...] não há limitações administrativas ao direito de liberdade e ao direito de propriedade - é a brilhante observação de Alessi -, uma vez que estas simplesmente integram o desenho do próprio perfil do direito. São elas, na verdade, a fisionomia normativa dele. Há, isto sim, limitações à liberdade e à propriedade. (ALESSI apud MELLO, 2013, p. 834).

(14)

Evidente que alguns direitos individuais já estão definidos e delimitados na legislação, no entanto, em outros casos cabe a Administração analisar no caso concreto a real extensão do direito visto que a lei não lhe deu uma forma precisa, deixando margem para tal. Ainda assim, a Administração não está restringindo ou limitando tais direitos, está apenas de modo concreto dando forma, delineando a realidade desses direitos adequando o seu gozo ao bem-estar social.

Esta limitação tão falada, geralmente se torna realidade através de um não fazer que a Administração exige do particular, no entanto não há que se dizer que o poder de polícia é um poder negativo, pois embora esteja exigindo uma abstenção, o que por esse ponto de vista teria como leitura ser negativo, está se prestando a uma utilidade pública, ou seja, está ajudando a construir ou manter algo, tendo então por este viés mais compreensivo um caráter positivo.

Importante ressaltar que o termo “limitar” é utilizado no conceito legal de poder de polícia contido na legislação, e no qual, se pode observar o caráter positivo através das várias razões exemplificadas:

Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos. (BRASIL, 2017b).

Ao discutir este mesmo poder de polícia, Mello (2013) leciona que o termo poder de polícia é uma expressão equivocada, pois engloba em um só lugar duas coisas muito distintas, submetidas a regimes inconciliáveis, que são as leis e os atos administrativos, ou seja, disposições superiores e providências subalternas. Isto já é, por si só perigoso, pois leva, algumas vezes, a reconhecer à Administração poderes que seriam inconcebíveis num Estado de Direito, dando a mesma uma autoridade que não possui, já que a Administração nada pode fazer senão atuar baseada nas leis que lhe confiram poderes para tal.

Outro ponto negativo ao termo, é que ele evoca uma concepção de poder anterior ao Estado de Direito, que é o Estado de Polícia. Ao evocar a ideia de estado de polícia, traz consigo a ideia de prerrogativas que antes existiam em prol do “príncipe” e que agora se passou ao Poder Executivo, ou seja, faz parecer haver uma naturalidade na existência de tais poderes pela

(15)

Administração como se dela emanassem intrinsicamente, fruto de um abstrato “poder de polícia”.

Segue Mello (2013) esclarecendo que na maioria dos países do continente europeu, esta matéria é tratada geralmente sob a alcunha de “limitações administrativas à liberdade e à propriedade” e não mais sob o rótulo de “poder de polícia”.

No mesmo sentido discorre Vitta (2010), ao dizer que na idade média, o monarca atuava arbitrariamente, ou seja, sem as limitações do Direito. Estas pessoas detinham poderes sem limites, absolutos. Entretanto, hoje, com o Estado Democrático de Direito toda a atividade estatal deve se fundar na ordem jurídica. É por isso que a ideia de um poder com este caráter não faz sentido atualmente, assim como ele cita a afirmação de Gordillo (apud VITTA, 2010) que diz que a expressão “poder de polícia” deveria ser excluída da seara do direito, podendo ser substituída por limites, ou condicionamentos, à propriedade e liberdade das pessoas em geral.

Apesar de toda esta rejeição, o termo continua usual e não pode ser ignorado, tal como coloca Mello (2013, p. 838): “embora nos pareça uma terminologia indesejável, ela persiste largamente utilizada entre nós, não se podendo, então, simplesmente desconhecê-la.”

Este termo, conforme já introduzido, tem uma acepção ampla na qual a competência do mesmo abrange tanto a competência legislativa quanto administrativa, sendo a primeira o ato de legislar sobre o exercício da liberdade e da propriedade e a segunda os atos administrativos que darão execução a estas normas. Em suma, em sentido amplo engloba tanto as leis condicionadoras da liberdade e da propriedade quanto os atos administrativos usados para dar concretude a tais normas. Mas falando em sentido estrito, significa falar apenas de atos administrativos, e este sentido pode ser resumido em outra locução, polícia administrativa.

1.4 Supremacia geral e supremacia especial

Os estudos apontam haver duas fontes de poder usadas pela Administração para intervir na liberdade e propriedade particulares. Uma advinda diretamente das leis de direito administrativo e outra advinda de relações específicas entre o poder público e o particular. É

(16)

imprescindível fazer esta diferenciação porque apenas uma delas se enquadra no campo do poder de polícia.

Conforme dita Mello (2013, p. 839, grifo do autor):

O poder expressável através da atividade de polícia administrativa é o que resulta de sua qualidade de executora das leis administrativas. É a contraface de seu dever de dar execução a estas leis. Para cumpri-lo não pode se passar de exercer autoridade – nos termos destas mesmas leis – indistintamente sobre todos os cidadãos que estejam sujeitos ao império destas leis. Daí a “supremacia geral” que lhe cabe.

O ensinamento é claro e conforme continua a explanar, este poder exercido pela Administração ao desempenhar seus encargos de polícia administrativa repousa nesta chamada supremacia geral. Esta supremacia geral, no entanto, acaba sendo a própria supremacia das leis em geral, que aqui serão concretizadas pelos atos praticados pela administração.

Distinta desta supremacia geral, é a chamada supremacia especial, que só entra em voga quando existem vínculos específicos firmados entre o Poder Público e determinados indivíduos. Por isso a distinção, pois as manifestações da Administração neste sentido, embora sejam limitadoras da liberdade, se fundam em um título jurídico especial, que relaciona ela com o terceiro, não podendo ser confundidas com a polícia administrativa aqui discutida.

Esta distinção, no entanto, conforme leciona o mesmo autor, é discutida na doutrina alemã, bem como nas doutrinas italiana e espanhola, mas ignorada muitas vezes pela doutrina brasileira, e de acordo como tal, a Administração Pública quando fundada em supremacia geral não teria poderes emanados senão diretamentes da lei, e em contrapartida quando estivesse assentada em uma relação específica esta os poderia conferir poderes que não estariam necessariamente assentados diretamente na legislação.

Claramente a supremacia especial toma importância quando se percebe a existência de relações específicas ocorrendo entre o Estado e o particular, conforme Otto Mayer (apud MELLO, 2013, p. 841, grifo do autor):

[...] é inequivocadamente reconhecível a existência de relações especiais intercorrendo entre o Estado e um círculo de pessoas que nelas se inserem, de maneira a compor situação jurídica muito diversa da que atina à

(17)

generalidade das pessoas, e que demandam poderes específicos, exercitáveis, dentro de certos limites, pela própria Administração. Para ficar em exemplos simplicíssimos e habitualmente referidos: é diferente a situação do servidor público, em relação ao Estado, da situação das demais pessoas que com ele não travaram tal vínculo; é diferente, em relação à determinada Escola ou Faculdade pública, a situação dos que nela estão matriculados e o dos demais sujeitos que não entretém vínculo algum com as sobreditas instituições; é diferente a situação dos internados em hospitais públicos, em asilos ou mesmo em estabelecimentos penais, daqueloutra das demais pessoas alheias às referidas relações; é diferente, ainda, a situação dos inscritos em uma biblioteca pública circulante, por exemplo, daquela dos cidadãos que não frequentam e não se incluem entre seus usuários que não a frequentam e não se incluem entre seus usuários por jamais haverem se interessado em matricular-se nela.

Como expôs o autor, existem inúmeras relações especiais entre o Estado e o indivíduo, relações estas que geram obrigações e sujeições. No entanto, esta variedade de obrigações ou sujeições não tem como vínculo motivador apenas a lei, pois são relações especiais, as quais muitas vezes o indivíduo voluntariamente se envolve com o intuito específico de obter aquela prestação ou sujeição.

Deste modo tais relações de sujeição especial não têm enquadramento junto do poder de polícia, pois este é um instituto jurídico encarregado das limitações administrativas à liberdade e à propriedade aplicáveis a toda a sociedade, sendo este o cerne desta discussão, a aplicabilidade indistinta a todos os cidadãos.

Sob este entendimento, estão excluídas da égide do poder de polícia as imposições e limitações advindas de qualquer título especial, pois o poder de polícia tem como fonte de poder a lei, como norma de organização social, e consequentemente aplicável indistintamente a todos os cidadãos.

1.5 A discricionariedade no poder de polícia

As limitações administrativas impostas pelo poder de polícia, segundo Meirelles (2013), têm como atributo a discricionariedade. Para ele o poder de polícia é, em princípio, discricionário, e afirma que esta discricionariedade reside na valoração das atividades policiadas e na graduação das sanções aplicáveis aos infratores. Em resumo, segundo seu entendimento, o poder de polícia é discricionário mas passará a ser vinculado se a lei estabelecer o modo e a forma de sua realização.

(18)

Justen Filho (2011), no entanto, defende que não se pode afirmar que o poder de polícia é discricionário visto que não existe essa categoria de poder discricionário. Afirma ele que o que há são competências administrativas disciplinadas em lei, mas as quais podem contemplar um certo grau de discricionariedade.

De forma semelhante defende Mello (2013), afirmando que não há na administração pública poder, propriamente dito, discricionário, em vez disso, existem atos nos quais administração pública irá desfrutar de uma competência discricionária e outros atos que serão totalmente vinculados, sem margem para manobra.

Neste sentido, resta claro afirmar então que o poder de polícia não é por si só um poder discricionário, mas nos atos por ele emanados podem existir certas discricionariedades. Isto se deve basicamente a dois motivos. Conforme leciona Justen Filho (2011) um deles é a impossibilidade material de a lei conseguir exaurir a matéria das limitações às liberdades, até porque deve se analisar as circunstâncias de cada caso.

A lei então, dará os moldes delimitadores para as decisões da administração, pois, “um regime democrático exige que a solução para o exercício da liberdade seja proporcionada às circunstâncias concretas.” (Justen Filho, 2011, p. 576).

O outro motivo é o surgimento de situações novas, não previstas na lei. A própria liberdade dos indivíduos de agir, de ir e vir, de negociar, propiciam o aparecimento de novas atividades e consequentemente de novas situações do interesse do poder de polícia. No entanto, tal situação nova, imprevista, não significa que não estarão sob a vigilância da administração, nem significa que fica impossibilitada a aplicação do poder de polícia.

Mesmo com esta aparente desregulação da matéria o poder de polícia poderá ser aplicado nas novas manifestações de liberdade tendo em vista os princípios jurídicos fundamentais.

Justen Filho (2011) traz como exemplo um caso discutido nas cortes francesas que ficou conhecido como “caso do arremesso de anões”, pois segundo relato dos fatos, uma discoteca promovia uma espécie de competição, arremesso de anões a distância, na qual, obviamente, se

(19)

arremessavam pessoas com nanismo como parte do jogo de entretenimento. Não havia, no caso, riscos a integridade física dos anões e eles se voluntariavam para participar da atividade em troca de remuneração.

O município proibiu tal prática invocando para tal o poder de polícia, argumentando que tal prática atentava contra a ordem pública e a dignidade da pessoa humana. Os interessados, a empresa e o anão, impugnaram o ato, afirmando o segundo que ao participar do “jogo” e receber remuneração por isto, não sentiu afronta a sua dignidade, pelo contrário, que com este envolvimento sentiu-se realizado, pois foi o único momento em que sua vida teve sentido. Desta forma, conseguiram provimento, demonstrando que a prática não oferecia ofensa à ordem, à segurança ou à liberdade. Em suma, a medida foi cassada porque considerou-se que a prática de tais atos não era atentatória a dignidade humana e não fazia jus a intervenção da administração.

No entanto em grau recursal, o Conselho do Estado cassou a decisão inferior reconhecendo a legitimidade do ato municipal afirmando que o poder de polícia é orientado, também, à proteção da dignidade da pessoa humana, ou seja, reafirmando a tese de que o município teria legitimidade para intervir na autonomia privada tendo em vista princípios jurídicos fundamentais.

Sobre tal exemplo, o autor afirma:

É evidente que nenhuma lei dispõe expressamente sobre essa hipótese. Invocar o poder de polícia para proibir a atividade não equivale a reconhecer que a Administração Pública pode atuar sem vínculo a uma lei. Aplicam-se os princípios gerais e as regras legislativas que proíbem a exploração do ser humano para fins comerciais, com sua transformação em objeto e a violação do respeito decorrente da condição humana. (Justen Filho, 2011, p. 577).

Este exemplo mostra que o gatilho ativador do poder de polícia é o interesse público, independentemente de haver prévia legislação específica sobre o caso concreto, na defesa de direitos humanos fundamentais da coletividade e até individuais, se for necessário.

Esta atitude do poder público, entretanto, deve ser cuidadosamente baseada nos princípios fundamentais e no princípio da proporcionalidade para que a discricionariedade não se torne arbitrariedade e acabe por extrapolar os limites do poder de polícia.

(20)

1.6 Fundamentação e limitações do poder de polícia

Segundo Mello (2013) o poder de polícia, dentro de seu contorno jurídico, possui sua razão assentada sobre o interesse social. E seu fundamento é o princípio da predominância do interesse público sobre o particular, é este princípio que autoriza que a Administração tenha superioridade sobre os administrados.

No entanto, esta mesma predominância do interesse público apenas persiste enquanto, ou quando, houver interesse da coletividade, ou em visão mais ampla, do sistema de direitos fundamentais. É possível compreender que o próprio fundamento do poder de polícia traz no seu bojo sua principal limitação.

Meirelles (2013) leciona que o poder de polícia tem seus limites demarcados pela conciliação do interesse social com os direitos individuais do indivíduo assegurados na Constituição da República. Afirma que o poder de polícia procura o equilíbrio entre o gozo dos direitos individuais e os interesses da coletividade:

Os Estados Democráticos, como o nosso, inspiram-se nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana. Daí o equilíbrio a ser procurado entre a fruição dos direitos de cada um e os interesses da coletividade, em favor do bem comum. (MEIRELLES, 2013, p. 143-144).

Na visão de Justen Filho (2011) os limites do poder de polícia estão na lei e no princípio da proporcionalidade. Desta forma as restrições e imposições autorizadas pela lei deverão ser determinadas para cada caso concreto levando em consideração o princípio da proporcionalidade.

No caso de uma sanção, por exemplo, “o sancionamento ao infrator deve ser compatível com a gravidade e a reprobabilidade da infração. São inconstitucionais os preceitos normativos que imponham sanções excessivamente graves.” (JUSTEN FILHO, 2011, p. 589).

Demonstrando com um exemplo mais concreto, a questão da limitação administrativa da propriedade, a mesma tem como regra não gerar indenização, pois conforme já discutido, não se trata de uma limitação ao direito de propriedade, mas que na verdade a administração

(21)

pública está dando a definição jurídica deste direito, ou seja, está configurando o direito de propriedade.

Sendo assim, a regra é que no exercício do poder de polícia a limitação da propriedade não gera direito a indenização. No entanto, há certos padrões, pois se as limitações acabarem produzindo efeitos exagerados ocorre a chamada desnaturação da limitação.

A desnaturação ocorre quando a medida adotada pela administração impuser tal limitação que vede absolutamente a fruição da coisa ou retire seu conteúdo econômico. Neste caso, acabou-se por distorcer o ato administrativo fundamentado no poder de polícia e pode significar a invalidade desde ato praticado ou a necessidade de indenização ao particular atingido.

Sobre indenização é imprescindível avaliar o que afirma o autor ao dizer que, “o vínculo entre a limitação e a satisfação de interesses coletivos não afasta o eventual direito à indenização em prol do particular.” (JUSTEN FILHO, 2011, p. 596). Ou seja, tal ideia demonstra que mesmo dentro de seu contorno jurídico, a intervenção da Administração eventualmente pode gerar situações que é necessário o uso da indenização ou ressarcimento, aspecto que o autor completa dizendo que, “se a limitação desnaturar o direito de propriedade, equivalerá à desapropriação e estará sujeita a idêntico regime.” (JUSTEN FILHO, 2011, p. 596).

Diante de exposto, pode depreender-se que o exercício do poder de polícia deve estar pautado no princípio da proporcionalidade, para que não exceda aos alicerces da legalidade e se torne antijurídico, tal qual como é o exemplo da desnaturação, ocorrida quando se negligencia o princípio da proporcionalidade.

Mello (2013) também leciona sobre o princípio e acaba por afirmar brilhantemente que, a finalidade legal para a qual foi instituída a medida de polícia a ser tomada pela administração, é o limite.

[...] é preciso que a Administração se comporte com extrema cautela, nunca se servindo de meios mais enérgicos que os necessários à obtenção do resultado pretendido pela lei, sob pena de vício jurídico que acarretará responsabilidade da Administração. Importa que haja proporcionalidade entre a medida adotada e a finalidade legal a ser atingida. (MELLO, 2013, p. 859, grifo do autor).

(22)

Sobre o uso da coação pelo poder público, esclarece o autor que, qualquer coação que venha a exceder o estritamente necessário à obtenção do efeito jurídico licitamente desejado pela administração pública é injurídica. Logo, se a medida coativa for de intensidade maior que a necessária para a compulsão do obrigado ou se a extensão desta medida ultrapassar o necessário para a obtenção dos resultados licitamente perseguíveis, estará além das fronteiras do permitido e não terá validade jurídica.

Neste sentido, pode-se concluir que a coação pelo poder público só pode ser usada se não houver outro meio capaz de produzir o resultado necessário, bem como, que a execução destes meios ou medidas deve ser compatível e proporcional ao resultado pretendido através do poder de polícia.

(23)

2 POLÍCIA AMBIENTAL E DE TRÂNSITO NO ÂMBITO MUNICIPAL

Para servir de exemplo neste estudo, tomamos como base duas áreas do poder de polícia, sendo elas o poder de polícia ambiental e o de trânsito, baseando, neste estudo, sua atuação na esfera municipal, com a finalidade de demonstrar que as construções jurídicas destes dois modelos de intervenção trazem em seu bojo a ideia de efetivação dos direitos fundamentais e do interesse público.

Exemplos como estes são essenciais para se discutir o exercício administrativo do poder de polícia frente aos direitos fundamentais, sendo que iniciaremos mostrando como se configura a competência do poder de polícia nesta esfera.

2.1 As competências e o interesse local

A República Federativa do Brasil adotou como critério para distribuição de competências, entre a União, Estados-membros e Municípios, a predominância do interesse, englobando o Distrito Federal as competências estaduais e municipais. Desta forma, ficou dividido de modo que estão sob a titularidade da União as matérias e questões de abrangência nacional ou caráter geral, sob competência dos Estados-membros as questões e assuntos de interesse regional, e, para os municípios ficam então as questões de interesse local.

Conforme leciona Melo (apud VITTA, 2010, p. 117):

Os interesses, é certo, ou são peculiares a uma determinada zona ou são gerais. Há necessidades cuja solução interessa diretamente a todo o país, e outras cuja solução interessa apenas a uma localidade. Não há dúvida de que estas últimas sempre, indiretamente, interessam à Nação. Peculiar significa particular e não privativo. Assim, o interesse particular de certo Estado Federado é aquele considerado imediatamente local e mediatamente nacional [...]

Para trazer esta secção da predominância dos interesses, tanto em competências legislativas quanto administrativas, o legislador, na Constituição da República, enumerou as competências da União nos artigos 21 e 22, deixando aos Estados os chamados “poderes remanescentes”, ou seja, aqueles que não são vedados pela própria Constituição (artigo 25, § 1º), e aos Municípios concedeu algumas competências expressas e os assuntos de interesse local no artigo 30.

(24)

Além disto, a Constituição também traz as competências legislativas concorrentes, entre a União e os Estados (art. 24) e neste caso, a União formula as normas gerais cabendo aos Estados-membros editar as normas suplementares àquelas para aplicação no âmbito de seu território. E como ditam as regras de competências estaduais, não havendo normais gerais advindas da União, os mesmos podem exercer a competência legislativa plena segundo suas motivações e interesses estaduais até que advenha norma formulada pela União, o que no caso suspenderá a legislação estadual no que lhe for contrária.

No tocante a competência legislativa dos Municípios, conforme consta no já citado artigo 30, devem eles suplementar a legislação federal e a estadual no que couber, tendo logicamente, estas normas eficácia dentro de seu território, o município.

Percebe-se que permeada nesta matéria, por um lado se tem as competências legislativas, que são as atribuições para a elaboração de leis, e por outro lado tem-se as competências administrativas, também chamadas de materiais ou de execução. Baseadas nas competências legislativas os entes públicos praticam atos e tomam providências no caso concreto com o intuito de dar cumprimento àquelas leis editadas.

Esta breve exposição sobre as competências dos entes integrantes da federação é necessária para a compreensão das atribuições materiais (competência administrativa) visto que esta e a competência legislativa estão ligadas, pois o exercício as atribuições materiais, devido ao princípio da legalidade, é baseada na competência legislativa.

Então, para definir quais os campos de atuação do poder de polícia de cada ente federado adotou-se um critério, o qual procede dizer, como menciona Mello (2013, p. 861), que, “é competente para dada medida de polícia administrativa quem for competente para legislar sobre a matéria.”

Neste sentido, depreende-se então, que a divisão de competências administrativas se dá conforme a divisão adotada nos artigos da Constituição da República, tendo a União suas atribuições em caráter exclusivo, as em caráter concorrente com Estados e Municípios, ou o Distrito Federal, bem como os Estados tendo suas competências tanto concorrentes com a União

(25)

quanto exclusivas permitidas pelo §1º do artigo 25, e os Municípios com as atribuições listadas no artigo 30 juntamente com aquelas que tem a alcunha de ser de interesse local.

E é neste ponto que o princípio do interesse local se torna mais aparente, pois apesar de o critério acima parecer objetivo, há muitos casos em que a matéria está relacionada como de competência da União, sendo, em suma, só a ela pertinente, no entanto, repercutem também diretamente no conviver do âmbito municipal e desta forma pode ser por ele regulado e assegurado, pois há aí interesse local. Obviamente que esta regulação e consequente fiscalização deverá estar limitada ao âmbito de seu interesse afetado, ou seja, restritas aos aspectos que interferem na vida e problemática municipal.

Segundo Mello (2013, p. 861), este é o motivo pelo qual o Município “exercerá sua atividade de polícia na salvaguarda dos interesses pertinentes ao seu âmbito de ação mesmo quando, à primeira vista, em exame menos arguto, pudesse fazer parecer tratar-se de problema afeto a Estado ou União, nos termos da discriminação constitucional.”

Como exemplo o mesmo autor menciona que não é somente o fato de ser estabelecida uma competência legislativa que retirará, por exemplo, a característica de interesse local de algumas atividades quando desenvolvidas no município, por exemplo. É o que transparece no seguinte entendimento:

[...] Incumbe à União, nos termos do art. 22, I, legislar sobre Direito Comercial. Então, efetivamente, nem Estados nem Municípios poderão dispor sobre tal matéria, nem mesmo para qualificar quem é ou deixa de ser comerciante. Entretanto, o horário de exercício do comércio, os locais onde é vedado o estabelecimento de casas comerciais, por interessarem peculiarmente ao Município, são objeto de legislação deste, conquanto, como é óbvio, tal fato interfira com o exercício da atividade comercial. Em razão desta competência do Município, este é o habilitado para conceder o alvará de funcionamento de casa comercial e fiscalizar o seu funcionamento. (MELLO, 2013, p. 861).

Da regra geral conclui-se que o poder de polícia administrativa incumbe a quem legisla sobre a matéria em questão. Entretanto, mesmo as competências definidas como privativas da União não excluem a competência estadual e municipal em certas hipóteses, e para efeito da análise a ser feita neste trabalho, o valoroso princípio do interesse local traz para a seara da competência municipal todos os aspectos que ao interesse municipal são pertinentes.

(26)

É baseado neste interesse inegável da municipalidade que analisaremos os dois exemplos escolhidos para o presente trabalho, o poder de polícia em matéria ambiental e o poder de polícia em matéria de trânsito.

2.2 Poder de polícia ambiental municipal

O conceito de meio ambiente, segundo consta em nossa legislação, especificamente no artigo 3º, I, da Lei nº 6.938/1981, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, é que, considera-se “meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.” (BRASIL, 2017c).

Já o conceito de específico de poder de polícia ambiental, distintivamente do conceito de poder de polícia discutido no primeiro capítulo desta monografia, visto que aquele pode ser entendido como gênero e este como espécie do mesmo, pode ser esclarecido pela lição de Machado (2013, p. 385) que é a seguinte:

Poder de polícia ambiental é a atividade da Administração Pública que limita ou disciplina direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou a abstenção de fato em razão de interesse público concernente à saúde da população, à conservação dos ecossistemas, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas ou de outras atividades dependentes de concessão, autorização/permissão ou licença do Poder Público de cujas atividades possam decorrer poluição ou agressão à natureza.

Percebe-se aqui o poder de polícia a serviço do direito ambiental, tal como consta nos textos normativos pátrios, com a preocupação à conservação de nossos meios naturais, a saúde da população e o condicionamento dos meios de produção e serviços a estes preceitos sustentáveis.

Superado o conceito, torna-se mister a análise dos dispositivos constitucionais que tornam possível o poder municipal ambiental, bem como os princípios que norteiam este “poder”.

Em seu artigo 225, a Constituição da República traz o cerne da responsabilidade envolvendo o direito ambiental pois este dispositivo, conforme leciona Banunas (2003), define

(27)

claramente que o meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito de todos, conferindo-lhe a natureza de bem de uso comum do povo e, é considerado de elevada importância para uma sadia qualidade de vida. Bem como, traz ao poder público e à coletividade o dever de defender e preservar este meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações.

Em continuidade, este artigo traz em seu parágrafo 1º uma lista de atribuições do poder público visando efetivar aqueles interesses e direitos, dentre os quais alguns definem metas de preservação e outros criam ferramentas para tal. Os parágrafos seguintes seguem o mesmo teor, ou seja, a própria Constituição atribui à administração pública o dever de tomar iniciativas nos moldes do direito ambiental, então logicamente, em nosso sistema federativo, este dever também chega a esfera municipal, através da divisão de competências já discutida.

Importante ressaltar que o direito à vida contido no artigo 5º desta mesma Constituição mescla-se com o direito à sadia qualidade de vida do artigo 225, demonstrando que nas raízes constitucionais do poder municipal ambiental está inserido um dos direitos fundamentais mais eminentes.

Tal aspecto está, inclusive, inserido num dos princípios norteadores da aplicação e cobrança do direito ambiental pela Administração Pública, que é o princípio do direito à sadia qualidade de vida, através do qual se entende que mais do que viver, é necessário ter qualidade de vida, e neste sentido os elementos da natureza (águas, solo, ar, flora, fauna e paisagem) precisam estar em certo grau de sanidade para evitar que de seu uso advenham saúde ou doenças e incômodos para os seres humanos.

Este é um dos princípios admitidos pela doutrina que se mesclam com os direitos fundamentais e servem como justificativa ao exercício do poder de polícia, além dele pode-se citar também, o princípio do direito ao meio ambiente equilibrado, que de um ponto de vista ecológico, consubstancia-se na conservação das propriedades e das funções naturais do meio ambiente, ou seja, direito a que não se desequilibre significativamente o mesmo; o princípio da sustentabilidade, que traz a ideia de que as ações humanas devem ser analisadas quanto a incidências de seus efeitos no meio ambiente mediante o decorrer do tempo, ou seja, as ações humanas não devem degradar o meio ambiente numa visão a longo prazo; o princípio do acesso equitativo aos recursos naturais, para o qual os bens e recursos naturais do planeta devem se

(28)

prestar a satisfação das necessidades comuns de todos os habitantes da Terra, assim, o direito ambiental deve verificar a real necessidade do uso destes recursos; oprincípio da prevenção, defende que se a indícios que determinada ação vai causar danos ao meio ambiente ela deve ser impedida; o princípio da precaução, pretende evitar qualquer risco ao meio ambiente, na dúvida se tal ação causará degradação ou não, não se deve correr o risco; bem como o princípio da reparação, que traz a obrigação de reparação dos danos causados ao meio ambiente.

Pode-se observar que todos os princípios citados dizem respeito ao direito difuso a um meio ambiente equilibrado e sadio, e ainda mais que isso, implicitamente são justificativas de interesse público para a atividade interventora da Administração, entretanto a um outro princípio do direito ambiental que tem definição explícita sobre a participação da mesma, que é o princípio da obrigatoriedade da intervenção do poder público, que coloca como responsabilidade do poder público a obrigatoriedade de tomar atitudes para efetivar tais interesses e direitos.

Interessante como este último princípio traz a ideia de uma obrigatoriedade de ação da administração pública, no entanto, como a execução do poder de polícia está vinculado ao princípio da legalidade administrativa, também foram criados maneiras de o município se aparelhar para executar tais atribuições.

Pode se tomar como exemplo principal, as ferramentas que a Lei nº 6.938/1981, traz em seu artigo 9º, conforme transcrição parcial:

Art. 9º - São instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente:

I - o estabelecimento de padrões de qualidade ambiental; II - o zoneamento ambiental;

III - a avaliação de impactos ambientais;

IV - o licenciamento e a revisão de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras;

V - os incentivos à produção e instalação de equipamentos e a criação ou absorção de tecnologia, voltados para a melhoria da qualidade ambiental; VI - a criação de reservas e estações ecológicas, áreas de proteção ambiental e as de relevante interesse ecológico, pelo Poder Público Federal, Estadual e Municipal;

VI - a criação de espaços territoriais especialmente protegidos pelo Poder Público federal, estadual e municipal, tais como áreas de proteção ambiental, de relevante interesse ecológico e reservas extrativistas; [...] (BRASIL, 2017c).

(29)

Estão elencados aqui, nos primeiros incisos, por exemplo, avaliação de impactos ambientais, licenciamento e revisão de atividades potencialmente poluidoras, instrumentos cuja execução dependerá do poder de polícia administrativa.

Na Resolução nº 237/1997 do CONAMA, que visa regular os procedimentos e critérios utilizados no licenciamento ambiental, por exemplo, tem-se em todos os momentos a participação expressa dos municípios nestas atividades de controle, ou seja, nossa legislação pátria traz uma base para afirmar a supremacia legal, fonte de poder, do poder de polícia ambiental municipal.

Exemplo disto é o conteúdo do artigo 6º desta resolução que postula como sendo de competência do órgão ambiental municipal, após ouvidos os órgãos competentes da União, dos Estados e do Distrito Federal, quando couber, o licenciamento de empreendimentos e atividades de impacto ambiental local, bem como daquelas que lhe forem delegadas pelo Estado por instrumento legal ou convênio.

Quanto a convênio, há outra previsão expressa sobre a atuação dos municípios contida no artigo 17-Q da Lei nº 6.938/1981 que traz a possibilidade de convênio entre o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e os Municípios com o intuito de executar a atividade de fiscalização ambiental:

Art. 17-Q. É o IBAMA autorizado a celebrar convênios com os Estados, os Municípios e o Distrito Federal para desempenharem atividades de fiscalização ambiental, podendo repassar-lhes parcela da receita obtida com a TCFA. (BRASIL, 2017c).

Em suma, fica claro através da exemplificação, que a legislação fornece várias ferramentas para que a administração municipal exerça o poder de polícia no direito ambiental, bem como percebe-se no conteúdo do próprio direito ambiental em si o caráter de proteção a direitos fundamentais, e é neste sentido que se percebe o caráter positivo do poder de polícia, já abordado anteriormente, como ferramenta de proteção e efetivação do interesse público.

(30)

2.3 Poder de polícia de trânsito municipal

O trânsito, segundo nosso ordenamento jurídico, pode ser entendido como a utilização das vias para o deslocamento de pessoas e coisas, englobando segundo nossa legislação as pessoas, animais, e veículos de qualquer natureza, tal como se pode observar no artigo 1º, §1º da Lei nº 9.503/1997, o Código de Trânsito Brasileiro (CTB):

Art. 1º O trânsito de qualquer natureza nas vias terrestres do território nacional, abertas à circulação, rege-se por este Código.

§ 1º Considera-se trânsito a utilização das vias por pessoas, veículos e animais, isolados ou em grupos, conduzidos ou não, para fins de circulação, parada, estacionamento e operação de carga ou descarga. (BRASIL, 2017b).

Tal definição legal, covenientemente, restringe o campo de abrangência desta matéria as vias terrestres, deixando para legislação própria a regulação das vias fluviais, marítimas ou aéreas.

Em relação a este referido trânsito é imperioso esclarecer que logo no próximo parágrafo do mesmo artigo, é assegurado como direito de todos o trânsito seguro e o dever do poder público assegurá-lo:

§ 2º O trânsito, em condições seguras, é um direito de todos e dever dos órgãos e entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito, a estes cabendo, no âmbito das respectivas competências, adotar as medidas destinadas a assegurar esse direito. (BRASIL, 2017b).

Encaixando aqui a presença do poder de polícia, pois se é dever da Administração adotar as medidas destinadas a assegurar esse direito, é lógico que a mesma usará das competências do poder de polícia para fazer a ordenação, fiscalização das atividades de trânsito.

E em relação ao encaixe destas atribuições, ou deveres, entre as diversas esferas da Administração, da órbita federal à municipal, temos que, acima da legislação especial, a própria Constituição da República postula em seu artigo 22 a competência privativa da União legislar sobre o trânsito e o transporte, bem como, no artigo 23, a competência comum entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios para produzir e implantar políticas de educação visando a segurança no trânsito.

(31)

Esta competência se distribui pela estrutura do Sistema Nacional de Trânsito, que é extensa, sendo constituída de órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Sendo que neste último, dos Municípios, temos apenas os órgãos executivos de trânsito e rodoviários, e as Juntas Administrativas de Recursos de Infrações municipais.

Deste modo, ao município, em matéria de trânsito, conforme discorre Araujo (2009), “não cabe estabelecer normas complementares do CTB ou coordenar atividades dos demais órgãos de trânsito, mas tão somente executar as atividades que lhe são definidas na legislação federal, especificamente no artigo 24 do CTB.”

Para que possa exercer estas atividades, no entanto, é necessário que o município se integre ao Sistema Nacional de Trânsito, nos termos do Código de Trânsito Brasileiro, ou seja, deve criar um órgão de trânsito municipal.

Podendo então exercer suas atribuições, a Administração Pública municipal, da mesma forma que a administração estadual ou federal, vai usar de meios coercitivos, as sanções, para assegurar o cumprimento das regras de trânsito. Meios estes muito recorrentes durante o exercício do poder de polícia de trânsito e que tem forte ligação com o poder de polícia em si, pois segundo afirma Meirelles (apud ARAUJO, 2009) “se não fosse coercitivo e não estivesse aparelhado de sanções para os casos de desobediência à ordem legal da autoridade competente” o mesmo seria vazio e ineficiente.

Desta forma, o poder de polícia de trânsito municipal, assim como o exemplo do mesmo em questões ambientais, tem duas características bem claras quanto ao assunto abordado neste trabalho: é voltado para a defesa de direito fundamental, e tem a competência municipal expressamente definida. Além disto, tais preceitos tem início na Constituição da República assim como o próprio poder de polícia, reafirmando a ideia de interconexão e complementação entre os institutos.

(32)

3 PODER DE POLÍCIA MUNICIPAL E DIREITOS FUNDAMENTAIS

O poder de polícia nesta concepção de direito administrativo constitucional, conforme exposto neste trabalho, por ter este viés constitucional não pode passar alheio aos demais preceitos constitucionais. E é abandonando os velhos conceitos do Estado Absolutista e da autocracia do direito administrativo, que neste sentido se afirma a ideia, já exposta no primeiro capítulo, do poder de polícia ser ferramenta tanto para restringir como para assegurar o exercício dos direitos fundamentais.

Seguindo esta ideia, no segundo capítulo as exemplificações trazidas sobre direito ambiental e direito de trânsito, servem para demonstrar o amparo jurídico e a legitimidade que a Administração municipal possuem para fazer uso do poder de polícia, sempre com vistas a defender ou efetivar algum direito ou interesse fundamental. Mais do que isto, demonstra que assim como o próprio instituto administrativo, as competências para tal e os interesses que fundamentam sua atuação tem embrião constitucional.

3.1 Os fundamentos constitucionais do poder de polícia

Para vislumbrar os fundamentos constitucionais que legitimam o poder de polícia, pode-se tomar como ponto de partida de análipode-se o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado presente em nossa Constituição da República e consagrado em nosso direito ambiental:

Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. (BRASIL, 2017a).

Apenas o caput do presente artigo já traz o direito e a obrigação do poder público em assegurá-lo, e adiante, seus incisos trazem diversas obrigações de atuação, como por exemplo, preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais, prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas, proteger a fauna e a flora, controlar a produção e a comercialização de substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente, dentre vários outros. Ou seja, o ordenamento jurídico ao seguir o que está posto neste artigo, deixa clara a existência de um direito fundamental que deverá será assegurado pela Administração

(33)

através de sua intervenção, seja positiva ou negativa. Além disso, juntamente com as regras de competências já explanadas na seção própria, considerados os casos de interesse local, tal atribuição também fica entre o rol de atividades do poder público municipal.

Mais do que isso, conforme explicado no título correspondente, este direito está relacionado com o princípio do direito à sadia qualidade de vida. Entretanto, o direito ambiental possui vários outros, que mesmo apenas em sede de princípio, colocam sob responsabilidade da máquina pública o dever de intervenção, com detalhes característicos idênticos ou muito semelhantes a este.

A mesma lógica é seguida no direito de trânsito, temos o direito fundamental, expresso na lei, “trânsito em condições seguras, direito de todos”, e o mesmo normativo legal que apresenta o direito coloca como dever do poder público assegurá-lo.

Este direito ao trânsito seguro, formatado e entendido dentro dos preceitos constitucionais pode mesclar e buscar amparo em outros direitos presentes na Lei Maior, como é de praxe em nosso sistema. Podemos citar apenas a título de exemplo o direito a segurança presente no artigo 144:

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

I - polícia federal;

II - polícia rodoviária federal; III - polícia ferroviária federal; IV - polícias civis;

V - polícias militares e corpos de bombeiros militares. [...] (BRASIL, 2017a).

O qual se encaixa na realidade fática dos cidadãos que usufruem do trânsito. No entanto, para manter o foco na proteção de direitos através poder de polícia municipal, vamos citar a relação daquele direito com o direito à vida também presente na Lei Maior, no caput do artigo 5º:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] (BRASIL, 2017a).

(34)

O direito à vida e o direito à liberdade estão intimamente ligados ao direito a um trânsito seguro, sendo fundamento primordial para o desempenhar da atividade do poder de polícia na área. Pode-se tomar como exemplo o caso do município de São Paulo (SP) e as Avenidas Marginal Tietê e Marginal Pinheiros as quais historicamente são palco de muitos acidentes, inclusive fatais. Em decorrência disso, a Administração municipal, por décadas tem usado das prerrogativas do poder de polícia para tentar minimizar os acidentes de trânsito, no intuito, de preservar a vida dos cidadãos que por ali trafegam.

Historicamente falando, conforme o trânsito na metrópole de São Paulo se intensificava, proporcionalmente aumentavam as tragédias nas já citadas Marginais exigindo que a Administração municipal tomasse providências. Então na década de 1990, após um esforço para fiscalização de velocidade, se conseguiu uma diminuição dos acidentes e, consequentemente, mortes. Em resposta a este bom resultado, em 1998 aumentaram se os limites de velocidades, nas vias de trânsito mais rápido, chamadas de expressas, subindo de 80 km/h para 90 km/h e nas locais, de trânsito mais lento, de 60 km/h para 70 km/h. E assim permaneceu até o ano de 2015 (O SOBE, 2017).

Em julho de 2015, a administração executiva em exercício, motivada mais uma vez pelos altos índices de acidentes e mortes decide por diminuir o limite de velocidade destas vias, passando agora para 70 km/h, 60 km/h e 50 km/h nas vias expressas, centrais e locais, respectivamente. Nota-se aqui a Administração fazendo uso de suas prerrogativas do poder de polícia motivada pela proteção do direito à vida dos que por ali trafegam, inclusive, após um ano de vigor desta medida o número de acidentes com vítimas (mortas ou feridas) caiu 37,5% nas vias, conforme levantamento feito pela a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), que é o órgão municipal responsável pela organização e fiscalização do trânsito naquele município (LIMITE, 2017).

Nota-se novamente, o aspecto motivador do poder de polícia fundado em direitos fundamentais consagrados por nossa Constituição da República.

Passado um certo período, e havendo a mudança natural no poder executivo, a Administração que entrou em exercício neste ano de 2017 resolveu aumentar os limites de velocidade das Marginais Tietê e Pinheiros novamente. Esta nova decisão levou a pauta para discussão no poder judiciário, onde certa associação interessada ingressou com uma ação

(35)

postulando o retorno ao status anterior da legislação referente aos limites de velocidade, argumentando que a atual medida era prejudicial para a efetivação dos direitos fundamentais dos condutores e pedestres (concernentes a segurança no trânsito, direito a vida e etc.), comparada com as medidas anteriores.

Embora o Tribunal de Justiça de São Paulo, em segunda instância, tenha decidido que não cabe à tutela jurisdicional avaliar ou não a efetividade das políticas públicas do município, como exemplo, tal caso demonstra na prática a atuação do poder de polícia sendo discutido e motivado em meio aos direitos e princípios constitucionais (TJSP, 2017).

Estes exemplos, como observado, servem para comprovar a ligação entre a atuação do poder de polícia municipal e o sistema de direitos fundamentais, mas mais do que isto, é necessário também, que se faça a análise da relação entre direitos fundamentais individuais e direitos coletivos, sob a luz do poder de polícia estruturado no Estado Democrático de Direito, desmistificando a dicotomia que advém deste encontro.

Este aparente choque entre os interesses da coletividade e as liberdades individuais se dá devido a forte presença do princípio da supremacia do interesse público, princípio basilar do direito administrativo. No entanto, cumpre demonstrar que no direito administrativo erigido sob o Estado Democrático de Direito as noções de democracia e direitos fundamentais são ambos elementos constitutivos e de legitimação deste Estado. Desta forma, as autonomias pública e privada não excluem uma à outra, mas se pressupõem mutuamente.

Obviamente esta fórmula não é exata, pois há hipóteses em que os direitos fundamentais irão bater de frente com o exercício do poder de polícia, e nestes momentos irão limitar suas prerrogativas. Um destes momentos, diz respeito a quando certa medida de polícia administrativa, supostamente baseada em algum interesse coletivo, contraria de forma literal e clara o âmbito de proteção de um direito fundamental, tal como a instituição de um regime que obrigue o pressuposto de uma licença prévia para a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, por exemplo, o que agride frontalmente o artigo 5º, inciso IX da Constituição da República. Neste caso, tal medida é inválida em sua origem.

Isto superado, temos que os direitos fundamentais, tanto de caráter individual ou coletivo, como fundamentos motivadores para a atividade do poder de polícia. Sendo que as

Referências

Documentos relacionados

Os principais resultados obtidos pelo modelo numérico foram que a implementação da metodologia baseada no risco (Cenário C) resultou numa descida média por disjuntor, de 38% no

legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição".

EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL - AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI MUNICIPAL, EDITADA POR INICIATIVA PARLAMENTAR, PARA REVOGAR LEI ANTERIOR INSTITUIDORA DA CONTRIBUIÇÃO

Os valores para as proteínas variaram de 16,42 % a 37,51 % para as amostras de cogumelos analisadas. Este baixo teor pode ser atribuído à composição do substrato em que

vada no XXIII Simpósio Brasileiro de Política e Administração da Educação, V Congresso Luso-Brasileiro de Política e Administração da Educação e I Colóquio Ibero-Americano

O prazo de validade da Licença Prévia (LP) não pode ser superior a 5 (cinco) anos, o prazo de validade da Licença de Instalação (LI) não pode ser superior a 6 (seis) anos e o

Destacam-se, neste contexto, alguns atores e agências, como a médica do trabalho Lys Rocha 1989 e sua “descrição densa” dos movimentos de digitadores a partir de um ponto de vista

Dessa forma, na representação grega do tempo, assim como na de outros povos primitivos, a essência do ser apenas troca de lugar quando passa da vida para a morte e vice-versa, não