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Ponderação de direitos fundamentais no poder de polícia

Surgindo a necessidade de ponderação entre dois ou mais direitos fundamentais, o estratagema de ponderação proposto por Alexy (2008), usando na lógica da proporcionalidade o exame da adequação, da necessidade, e da proporcionalidade, é perfeitamente aplicável a atuação poder de polícia atual.

Esta ponderação, segundo o autor, é que dará o caráter de legitimidade para que a Administração exerça sua autoridade de polícia naquele caso concreto. Seguindo a lógica citada acima, deverá ser analisada a “adequação” da medida, devendo a mesma ser apta a promover o direito ou interesse fundamental motivador, bem como deve ser analisada a “necessidade”, demonstrando que a medida interventora ou restritiva a ser imposta não pode ser substituída por outra mais eficiente ou menos danosa, e a “proporcionalidade em sentido estrito”, sendo esta comprovada com a demonstração que o grau de importância do direito a ser protegido justifica a gravidade da restrição que será imposta.

A ideia de proporcionalidade é de extremo valor para o poder de polícia, visto que assim como serve de preceito geral para análise do limite do exercício do mesmo, conforme tratado anteriormente no título adequado, é fator decisivo na ponderação de preceitos fundamentais como motivadores do poder de polícia.

Em suma, para que um direito fundamental possa afetar outro através da atividade reguladora e restritiva do poder de polícia, deve estar claro este fim constitucionalmente legítimo para justificar tal ato. Ademais, mesmo presente a finalidade constitucional, seguindo os ensinamentos de Alexy (2008), a medida administrativa só será válida quando superada de forma positiva os 3 requisitos da análise de ponderação e proporcionalidade.

Não sendo superada esta análise, a medida não terá legitimidade, ficando o direito fundamental atingido como limite e bloqueio a atividade do poder de polícia naquele caso concreto. Tal situação cria um “efeito recíproco nas normas que intervêm no âmbito de proteção dos direitos fundamentais: elas os limitam e são limitadas por eles, simultaneamente.” (BINENBOJM, 2017, p. 113, grifo do autor).

A respeito deste tema pode-se trazer um decreto do Governador do Distrito Federal, o qual motivou Ação Direta de Inconstitucionalidade a ser julgada pelo Supremo Tribunal Federal. Julgamento este que teve de ser abandonado mais de uma vez, como se explica a seguir.

Em 14 de janeiro de 1999 o governador do Distrito Federal, no uso de suas atribuições, emitiu o decreto Nº 20.007, o qual disciplinava as manifestações públicas em certos locais, a saber Praça dos Três Poderes, Esplanada dos Ministérios e a Praça do Buriti. No conteúdo do artigo 1º vedava a realização de qualquer manifestação pública, exceto as de caráter cívico- militar, religioso e cultural, nos locais citados.

Frente a esta determinação autoritária que entrava em choque com o direito de livre manifestação, foi proposta Ação Direta de Inconstitucionalidade, visando declarar a inconstitucionalidade do referido diploma legal. No entanto, no dia 20 de janeiro, antes de ser julgada a ADI, o governador editou novo decreto (Nº 20.010), modificando a regulação e revogando o decreto anterior.

O novo decreto trazia consideração a respeito de preceitos constitucionais e alterava a vedação para a realização de manifestações públicas com a utilização de carros de som ou assemelhados naqueles locais discriminados. Esta alteração prejudicou o julgamento da ADI pois a mesma perdeu seu objeto.

Foi ingressada então com nova ADI contra este novo decreto, mas mais uma vez, antes de julgada a ação, a mesma restou prejudicada, pois novo decreto foi emitido em 15 de maio de 1999 (Nº 20.098), revogando o anterior. A ação perdeu seu objeto mais uma vez, no entanto, mais uma ADI foi proposta, agora contra o terceiro decreto que tinha a seguinte redação no artigo 1º: “Fica vedada a realização de manifestações públicas, com a utilização de carros, aparelhos e objetos sonoros na Praça dos Três Poderes, Esplanada dos Ministérios e Praça do Buriti e vias adjacentes.”

Esta nova ação foi proposta com pedido liminar para suspensão de sua vigência e motivou a seguinte decisão:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE — OBJETO — DECRETO. Possuindo o decreto característica de ato autônomo abstrato,

adequado é o ataque da medida na via da ação direta de inconstitucionalidade. Isso ocorre relativamente a ato do Poder Executivo que, a pretexto de compatibilizar a liberdade de reunião e de expressão com o direito ao trabalho em ambiente de tranquilidade, acaba por emprestar à Carta regulamentação imprópria, sob os ângulos formal e material.

LIBERDADE DE REUNIÃO E DE MANIFESTAÇÃO PÚBLICA — LIMITAÇÕES. De início, surge com relevância ímpar pedido de suspensão de decreto mediante o qual foram impostas limitações à liberdade de reunião e de manifestação pública, proibindo-se a utilização de carros de som e de outros equipamentos de veiculação de ideias. (ADI 1969 MC, relator: min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 24/3/1999, DJ 05-03-2004 PP-00013 EMENT VOL-02142-02 PP-00282).

No julgamento da mesma, o ministro Moreira Alves afirmou que é possível, de forma razoável, a regulação de reuniões em determinados locais, disciplinando o exercício deste direito, pois os direitos fundamentais no seu exercício confrontam-se uns com os outros. No entanto, afirma ele, o problema é a razoabilidade, pois o fato de se proibir em uma manifestação os instrumentos necessários a comunicação é exagerada e ridícula.

Segundo o ministro é possível proibir a reunião em certos locais, como quando, por exemplo, a realização de manifestações no mesmo horário viesse a obstruir as vias de acesso de determinada localidade, impedindo o direito de ir e vir de outros. Para ele não seria incomum ou errado priorizar um direito fundamental em benefício de outro, a questão é que deve haver neste exame a razoabilidade.

O ministro Ricardo Lewandowski, no seu voto, afirmou algo semelhante ao dizer que a restrição ao uso de carros, aparelhos e objetos sonoros seria perfeitamente razoável se o caso discutido fosse a manifestação sonora nas imediações de um hospital, por exemplo, pois num ambiente destes haveria o choque com os direitos dos pacientes à recuperação de sua saúde, e este direito podendo ser prejudicado pelas manifestações o mesmo deveria prevalecer sobre o direito de reunião.

Entretanto, o caso do decreto não guarda semelhança com esta hipótese, afirmou o ministro, sendo que

[...] Na verdade, o Decreto distrital 20.098/99 simplesmente inviabiliza a liberdade de reunião e de manifestação, logo na Capital Federal, em especial na emblemática Praça dos Três Poderes, “local aberto ao público”, que, na concepção do genial arquiteto que a esboçou, constitui verdadeiro símbolo de liberdade e cidadania do povo brasileiro.

Proibir a utilização “de carros, aparelhos e objetos sonoros”, nesse e em outros espaços públicos que o Decreto vergastado discrimina, inviabilizaria por completo a livre expressão do pensamento nas reuniões levadas a efeito nesses locais, porque as tornaria emudecidas, sem qualquer eficácia para os propósitos pretendidos. (ADI 1969, relator: min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 28/06/2007)

Assim, com este entendimento, a ADI foi julgada procedente, declarando a inconstitucionalidade do decreto pois vislumbrou-se que esta restrição ao direito de reunião e manifestação não tinha a adequação, a necessidade e a proporcionalidade necessárias para uma intervenção desta monta.

Neste sentido, imperioso notar que bastaria analisar o caráter de proporcionalidade para vislumbrar que a medida Administrativa não deveria prosperar. Pois segundo o conteúdo já exposto, não havia preceito constitucional de tamanha importância em risco para que se decretasse a limitação do exercício de tão precioso direito garantido pela democracia.

CONCLUSÃO

Este trabalho monográfico abordou a ligação existente entre o instituto do poder de polícia e os direitos fundamentais sob a visão constitucional do direito administrativo e a atuação do poder de polícia no âmbito municipal, permitindo aprender e compreender as nuances deste instituto neste viés.

Os conteúdos apresentados mostram que o processo de constitucionalização do direito administrativo foi um grande influenciador da Constituição da República de 1988, trazendo para o ordenamento jurídico brasileiro um poder de polícia conectado a ideia de efetivação dos direitos e interesses fundamentais postos nesta Constituição.

Mais do que isto, apresentou as várias características deste poder de polícia contemporâneo, onde o mesmo institui a ideia de um agir da Administração mais compatível com o Estado Democrático de Direito, afastando da sua seara aquele agir totalmente autoritário e discricionário de outras épocas.

Este estudo trouxe a ideia de discricionariedade de outra forma, onde se pode citar o exemplo francês, o caso do arremesso de anões, onde por falta de previsão legal usa-se o atributo discricionário do poder de polícia para intervenção na autonomia privada. No entanto, esta atuação discricionária foi legitimada porque sua motivação era a proteção de um direito fundamental.

Esta ideia da atividade interventora da Administração como ferramenta de proteção e efetivação dos direitos fundamentais é o cerne mais valioso deste estudo. Inclusive é esta visão que permeia os textos que apresentam o poder de polícia ambiental e de trânsito na competência municipal.

A partir deles foi possível compreender que a própria Constituição da República estabelece os direitos fundamentais e tem o capricho de colocar como dever da Administração protegê-los e efetivá-los. Como observado no exemplo do direito a um trânsito seguro, a Lei Maior e os demais diplomas legais estabelecem um cordão, uma ligação, no qual em uma ponta está o direito fundamental, na outra está sua efetivação, e entre estes dois pontos estão divididas as várias competências e atribuições do poder de polícia.

Em sede de conclusão, além de estabelecer esta ligação entre os preceitos constitucionais fundamentais e o exercício do poder de polícia, este estudo permite esclarecer que são ambos elementos da estrutura de um Estado Democrático de Direito, um pressupondo o outro, numa relação flexível de complementação, sendo a sua conciliação e seu equilíbrio o segredo do êxito deste mesmo Estado Democrático, afinal foi esta a estrutura implantada pela Constituição da República.

REFERÊNCIAS

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