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Destaque-se que o tema da proteção dos direitos da pessoa com deficiência já se encontrava inserido na Constituição Federal de 1988, como resultado dos esforços de movimentos sociais sob a influência do Zeitgeist internacional. Sob essa perspectiva, abordam-se os reflexos da proteção internacional da pessoa com deficiência no contexto histórico-político brasileiro, buscando investigar a sua importância na elaboração legislativa.

Todavia, é importante considerar que entre a promulgação da Carta Magna e a incorporação da Convenção em estudo, o modelo de compreensão da deficiência evoluiu, bem como a forma de assegurar o exercício dos direitos por esse grupo. Dessa forma, busca-se evidenciar os impactos dos novos preceitos, introduzidos pela Convenção de Nova York (2006), sobre as normas nacionais.

Para esse fim, exploram-se alguns temas de maior relevância como o conceito de pessoa com deficiência dos Decretos nacionais, que serve de pressuposto para toda e qualquer legislação ou política pública nesse âmbito; as normas sobre educação das pessoas com deficiência, pois o direito a educação tem caráter instrumental, possibilitando o acesso a outros direitos como trabalho, independência e inclusão social; e a teoria das incapacidades consagrada no Código Civil de 2002, devido a sua estreita relação com o direito à autonomia e à igualdade perante a lei consagrados na Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência.

§ 1. A influência da tutela internacional dos direitos das pessoas com deficiência na legislação brasileira

No Brasil, paradoxalmente, foi durante o regime escravocrata que surgiram as primeiras preocupações direcionadas às pessoas com deficiência, que estava relacionada com o prejuízo econômico resultante da deficiência provocada pelos castigos e torturas. Em 1835, aparece a primeira proposição legal dirigida especificamente às pessoas cegas e surdo-mudas, determinando a criação, no império e nas principais localidades das províncias, de uma classe especial. Ressalte-se que embora tal lei não tenha sido sancionada, representou a preocupação do Governo com essa questão.311Esse caráter separatista e asilar caracteriza a primeira fase da abordagem da deficiência no país. Em meados do século XIX, ocorreu a criação de organizações específicas para atender a esse contingente da população como o Imperial Instituto dos Meninos Cegos, criado por Dom Pedro II em 1854.312

Observe-se que, até 1969, a legislação pátria continha apenas referências esparsas sobre esse grupo. Não existiam regras constitucionais específicas, nem debates sobre inclusão social. As Cartas de 1824 e 1891 limitaram-se apenas a mencionar o princípio da igualdade perante a lei. A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934 foi o primeiro diploma constitucional brasileiro a tratar da questão da deficiência (art. 138, a), então denominada de “desvalia”, determinava a competência da União, Estados e Municípios para assegurar amparo aos desvalidos por intermédio de serviços especializados e sociais. 313

A Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1937 não apresentou qualquer referência especial às pessoas com deficiência, restringindo-se a dispor sobre “invalidez para o exercício do cargo ou posse” para fins de aposentadoria ou reforma (art. 156, e) e aposentadoria com proventos integrais para o “funcionário invalidado em consequência de acidente ocorrido no serviço” (art. 156, f). O mesmo vale para as Constituições de 1946 e 1967 restritas ao direito previdenciário em caso de invalidez. A Emenda n. 1/69 alterou a Carta de 1967 e estatuiu a necessidade de uma lei especial (art. 175, §4º) para disciplinar a educação dos excepcionais.314

311 BECK, op cit, p. 55. 312 Ibidem, p. 54.

313 MADRUGA, op cit, p. 226.

314 SALES, Gabriela Azevedo. A proteção aos direitos das pessoas com deficiência no Brasil: o diálogo entre o

direito interno e o direito internacional. Direito e Justiça: Reflexões soció-jurídicas v. 11, n. 16, 2011. Disponível em: <http://srvapp2s.santoangelo.uri.br/seer/index.php/direito_e_justica/article/view/703>. Acesso em: 29 maio. 2013. p. 7.

Em seguida, a Emenda Constitucional n. 12/78 assegurou às pessoas com deficiência a melhoria de suas condições socioeconômicas, apontando instrumentos para a consecução desse objetivo: "É assegurado aos deficientes a melhoria de sua condição social e econômica especialmente mediante: I. educação especial e gratuita; II. assistência, reabilitação e reinserção na vida econômica e social do país; III. proibição de discriminação, inclusive quanto a admissão no trabalho ou no serviço público e a salários; IV. possibilidade de acesso a edifícios e logradouros públicos.315

Saliente-se que os avanços na legislação acerca dos direitos desse grupo tiveram períodos de amortização, devido às oscilações sofridas pela democracia no Estado brasileiro. Importante relembrar que durante o Estado Novo (1930), populista e autoritário, os direitos sociais reivindicados pelos trabalhadores eram atendidos como doações paternais, com características de outorga, diluindo os movimentos operários que entraram em depressão. Após 1930, os direitos de cidadania são construídos sobre outras bases. Surgiu um conceito de cidadania regulada, no qual são cidadãos aqueles trabalhadores que desempenham ocupações reconhecidas e definidas por lei. Nesse contexto, as pessoas com deficiência foram excluídas, visto que havia pouca ou nenhuma possibilidade de ocupação.316 Nessa seara, o sistema de

produção vigente forja uma ideologia responsável por segregar de forma automática e velada os indivíduos que nele não estão inseridos. 317

Sob essa perspectiva, coloca-se o problema sócio-histórico da deficiência, a partir do qual apenas a conscientização social revela-se como método ineficaz no controle das concepções construídas e reproduzidas por mecanismos sociais ligados ao modo de funcionamento da própria sociedade. Nesse sentido, é necessário mais do que informação sobre as pessoas com deficiência, é imprescindível mudança social através de políticas públicas, que assegurem espaços nos quais esses indivíduos possam desenvolver e mostrar suas capacidades.318

A partir de 1964, instituiu-se o regime militar caracterizado pelo afastamento da sociedade civil do cenário político, que passa a ser tutelada e vigiada. Com o milagre econômico brasileiro, foram criados mecanismos para aumentar a produtividade e a

315 Ibidem, p. 7.

316 SANTOS, 1979, apud BECK, op cit, p. 56.

317 ARANHA, op cit, p. 63-70.

318 O indivíduo, por sua vez, vive nesse contexto. Através de sua atividade, mediada pelo conjunto do simbólico

que permeia suas relações sociais, vem a conhecer a realidade, transformando-a segundo suas intenções e seus objetivos (instrumento), e sendo por ela transformado (produto). Dessa forma, ele constrói a sua própria história e a história da humanidade O movimento pela integração do deficiente é um produto de nossa história. Precisamos, entretanto, apreender seu significado real para que possamos efetivá-lo como instrumento de transformação da sociedade. ARANHA, op cit, p. 77.

exploração da força de trabalho. Nesse contexto, o padrão de vida da classe trabalhadora deteriorou-se e a inclusão das pessoas com deficiência era apenas um sonho distante.319

Por outro lado, no final do regime militar, em face das péssimas condições de vida das massas populares, começaram a surgir reivindicações sociais e em todas as camadas da sociedade marginalizadas eclodem os “movimentos de bairros” na luta pelos direitos das mulheres, dos índios, das crianças, direitos por moradia digna, esgoto e água. Assim, também desponta os primeiros líderes do Movimento Nacional de Defesa das Pessoas com Deficiência.320

Destaque-se que as pessoas com deficiência começaram a se organizar para reivindicar seus direitos a partir da propagação do tema no âmbito internacional, quando em 1979, a ONU inicia um movimento de resgate dos direitos desse grupo.321 A Coalizão Pró-

Federação Nacional de Entidades de Pessoas Deficientes foi criada nesse mesmo ano. Pela primeira vez, organizações de diferentes Estados da federação e tipos de deficiência se reuniram para traçar estratégias de luta por direitos. O eixo principal das novas formas de organização e ações era politicamente contrário ao caráter assistencialista que marcou historicamente as ações direcionadas para esse público.322

Outra ação internacional que também surtiu impactos no âmbito político brasileiro foi o Ano Internacional da Pessoa com Deficiência (AIPD), proclamado pela ONU em 1981 sob o lema "Participação Plena e Igualdade". A Assembleia Geral das Nações Unidas sugeriu a formação de comissões nacionais para implementação das metas do Ano Internacional. No Brasil, a Comissão Nacional do AIPD foi instalada pelos Decretos n. 84.919/1980 e n. 85.123/1980. Instituída no Ministério da Educação e Cultura a Comissão Nacional era formada por representantes do Poder Executivo, de entidades não governamentais de reabilitação e educação de pessoas com deficiência e entidades interessadas na prevenção de acidentes de trabalho, trânsito e domésticos. 323

Sublinhe-se que não havia na Comissão Nacional do AIPD nenhuma vaga para entidades formadas por pessoas com deficiência, o que foi motivo de grande insatisfação por parte do movimento. As críticas ao processo de condução do AIPD pelo governo brasileiro foram seguidas de ações como a criação de comissões e a realização de encontros e de

319 BECK, op cit, p. 64. 320 Ibidem, p. 65.

321 Ibidem, p. 64.

322BRASIL. História do Movimento Político das Pessoas com Deficiência no Brasil. Presidência da República-

Secretaria de Direitos Humanos. 1 ed. 2010. p. 15.

manifestações para alertar a sociedade em relação aos direitos desse grupo. Assim, pode-se afirmar que o AIPD, no Brasil, cumpriu o objetivo desejado pela ONU, visto que as pessoas com deficiência ganharam destaque no cenário nacional, suas reivindicações e suas mobilizações se fizeram notar como nunca antes havia acontecido.324

Como resultado da intensa mobilização, no final da década de 1980, surge a ideia de se estabelecer uma representação do Movimento de Vida Independente (MVI) no Brasil. Criado nos Estados Unidos na década de 70, o MVI se espalhou pelo mundo e foi trazido para o país por um grupo de militantes brasileiros. O Movimento busca o desenvolvimento individual das pessoas com deficiência através da divulgação do conceito de vida independente e do oferecimento de serviços e informações para que as mesmas adquiram autonomia na realização das atividades da vida diária, tomem as próprias decisões, se responsabilizem por suas escolhas e assumam as consequências destas.325

É a partir dessa filosofia, que as organizações de pessoas com deficiência irão contribuir com os trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte de 1988. Ressalte-se que a redemocratização do Brasil ocorreu em um cenário de intensa efervescência social e a elaboração da Constituição Federal de 1988 representou a consolidação da democracia participativa,326 uma vez que o regimento interno da Assembleia Nacional Constituinte

determinou, dentre outras medidas, o recebimento de sugestões de órgãos legislativos, de entidades associativas e de tribunais; a realização de audiências públicas pelas subcomissões para ouvir a sociedade; a apreciação de emendas populares respaldadas em pelo menos 30 mil assinaturas; e a obrigatoriedade do voto nominal nas matérias constitucionais.327

Nesse contexto, o movimento das pessoas com deficiência participou ativamente das discussões, com o objetivo de inserir no novo texto constitucional os direitos desse grupo. Uma das principais reivindicações das pessoas com deficiência era que a Constituição não consolidasse a tutela, e, sim, a autonomia. Nesse sentido, o movimento se colocou contrário ao anteprojeto da Constituição, elaborado pela Comissão Provisória de Estudos Constitucionais, que tinha um capítulo intitulado "Tutelas Especiais" direcionado para as

324 Em 28 de maio de 2000, foi criado o Conselho Nacional dos Centros de Vida Independente do Brasil (CVI-

Brasil), esse Conselho é uma entidade nacional que congrega os Centros de Vida Independente de todo país, tendo como missão representar, articular e apoiar essas entidades, visando ao desenvolvimento da filosofia e serviços de Vida Independente sob o paradigma da inclusão social. BRASIL. História do Movimento Político das Pessoas com Deficiência no Brasil, p. 63.

325BRASIL. História do Movimento Político das Pessoas com Deficiência no Brasil, p. 63.

326 BECK, op cit, p. 65.

pessoas com deficiência e com necessidades de tutelas específicas.328 Tal proposta era contrária as ideias dos movimentos sociais, que desde o início da década de 1980, lutavam pela igualdade de direitos. Nesse sentido, reivindicavam que os dispositivos constitucionais voltados para as pessoas com deficiência integrassem, de modo transversal, os capítulos dirigidos a todos os cidadãos, evitando a segregação.329

Com a Constituição de 1988 e a instituição do princípio da igualdade material, os direitos desse grupo avançaram sobremaneira, pois se garantiu, através de prestações positivas do Estado, as condições básicas para a sua inclusão na sociedade e construção da sua autonomia de forma ampla e direcionada para a efetivação de um dos principais fundamentos da República Federativa do Brasil “a dignidade da pessoa humana”, bem como o objetivo de “construir uma sociedade livre, justa e solidária.”

Superando a declaração do princípio da igualdade meramente formal, conquistada com o liberalismo clássico, que prega o tratamento igualitário a todos perante a lei, o legislador constituinte avançou e consagrou no Texto Maior também a igualdade material. Esta cláusula “supralegal” não apenas impede que seja conferido tratamento desigual aos iguais ou àqueles que se encontram em uma mesma circunstância fática, como também impõe a adoção de medidas reparadoras visando à redução das desigualdades de fato, através do tratamento diferenciado àqueles que se encontram em circunstâncias de desigualdade, tal como ordena a mais basilar das ideias de justiça.330

É nesse cenário principiológico, que a Constituição Federal de 1988 apresenta vários dispositivos acerca da proteção desse grupo. Um dos principais pilares para a integração social dessas pessoas é a acessibilidade física, pois não tem como participar das atividades sociais sem poder frequentar os lugares onde elas ocorrem. Nesse âmbito, o legislador constituinte atribui, no art. 227, § 2.º, à legislação ordinária a tarefa de dispor sobre normas de construção dos logradouros e dos edifícios de uso público e de fabricação de veículos de transporte coletivo, com o objetivo de garantir acesso adequado às pessoas com deficiência.

328 O movimento também preparou um projeto de emenda popular e iniciou campanhas em todo o Brasil para

recolher as 30 mil assinaturas necessárias para submetê-lo à ANC. A Emenda Popular n. PE00086-5 continha 14 artigos sugerindo alterações no projeto da Constituição, onde coubessem temas como igualdade de direitos, discriminação, acessibilidade, trabalho, prevenção de deficiências, habilitação e reabilitação, direito à informação, educação básica e profissionalizante. BRASIL. História do Movimento Político das Pessoas com Deficiência no Brasil, p. 68.

329 Ibidem, p. 70.

330QUARESMA, Regina. Comentários à legislação constitucional aplicável às pessoas portadoras de deficiência.

Revista Diálogos jurídicos. Bahia, n.14, junho/ago. 2002. Disponível em <http://direitopublico.com.br/pdf_14/DIALOGO-JURIDICO-14-JUNHO-AGOSTO-2002-REGINA-

Ressalte-se que a disciplina constitucional da acessibilidade, embora louvável e avançada para o seu tempo, apresenta uma abordagem hoje considerada conservadora, pois está restrita, basicamente, à eliminação de barreiras no acesso a estruturas físicas. A Constituição nada diz especificamente a respeito da equiparação das pessoas com deficiência em relação às demais pessoas; sobre o acesso à informação, a serviços, ao transporte coletivo (para além da acessibilidade dos veículos) e sobre os demais bens que modernamente se reconhecem como fundamentais ao pleno desenvolvimento social. 331

Em seguida, entende-se como essencial para o exercício da cidadania a educação, condição necessária para viabilizar o exercício dos demais direitos. De tal modo, o texto Constitucional estabelece, em seu artigo 208, III, o dever do Estado de garantir a educação das pessoas com deficiência, através do atendimento educacional especializado preferencialmente na rede regular de ensino. Observe-se que o constituinte foi além do direito à educação, ao enunciar a preferência pela integração desses indivíduos às instituições regulares de ensino, buscando evitar a segregação.

O trabalho como direito de todos é assegurado também a esse grupo e está previsto no art. 6º da Constituição da República, se fundamenta nos objetivos do Estado democrático de Direito (Art. 1º, III e IV, CF) que visam a promover o bem de todos sem preconceitos ou discriminação (Art. 3º, IV, CF). Discorrendo sobre os direitos sociais, o artigo 7º, XXXI, veda a discriminação em matéria de salário e critérios de admissão do trabalhador com deficiência. O dispositivo do art. 37, inciso VII da Constituição, refere-se à reserva do percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas com deficiência e delibera sobre os critérios de sua admissão. Dessa forma, busca-se promover a dignidade da pessoa com deficiência e sua condição de cidadão através do exercício de um trabalho remunerado. Ademais, a Lei nº 8.112/90 prevê a reserva de vagas para candidatos com deficiência em concurso público.

O exercício do direito ao trabalho também é viabilizado pelo enunciado normativo do art. 203, que aborda a assistência social, habilitação e reabilitação; a integração à vida comunitária, bem como a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa com deficiência comprovadamente desprovida de meios para manutenção de sua subsistência ou de tê-la provida por sua família.

Nesse âmbito, visando à proteção integral desse grupo, o Estado se compromete com a criação de programas de prevenção e atendimento especializado às pessoas com deficiência

331 BARCELLOS, Renata Ramos; CAMPANTE, Ana Paula de. A acessibilidade como instrumento de

promoção de direitos fundamentais. In: FERRAZ, Carolina Valença. et al. (Coord). Manual dos direitos das pessoas com deficiência. São Paulo: Saraiva, 2012. Parte II, Cap. 2, p. 175-191. p. 180.

física, sensorial ou mental, além de promover a integração do adolescente com deficiência (art. 227, §1º, inciso II, CF). Para este fim, concorrem medidas de preparo para o trabalho e para a convivência, além da facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos a partir da eliminação de preconceitos e obstáculos arquitetônicos. Ademais, a Carta Magna delimita, no art. 23, a competência comum entre a União, Estados, Distrito Federal e Municípios para as matérias referente à saúde, assistência pública, proteção e garantia dos direitos desse grupo (art. 23). E a competência legislativa concorrente, no art. 24, dos entes federados para a proteção e integração social.

Como observado, a Constituição Federal de 1988 dispensou especial atenção à proteção das pessoas com deficiência, o que representa uma conquista dos movimentos sociais, que participaram ativamente da Assembleia Nacional Constituinte, reivindicando direitos e contribuindo com sugestões para que eles fossem positivados da forma mais eficaz possível. Nessa esteira, destaca-se a influência das declarações e movimentos internacionais sobre as forças sociais internas, impulsionando-as para empreender a mudança no tratamento desse segmento social através da participação política.

Ressalte-se que embora o arcabouço normativo apresentado contenha delineamentos importantes para promoção dos direitos das pessoas com deficiência, faltava-lhe o essencial: a definição de pessoa com deficiência. Esta foi elaborada através de Decretos regulamentares. Nesse contexto, cabe apresentar o conteúdo de tais normas e os efeitos do novo conceito de pessoa com deficiência, introduzido pela Convenção de Nova York (2006), sobre essa legislação.

§ 2. A inadequação do conceito de pessoa com deficiência nos Decretos nacionais

Como evidenciado, a “Constituição Cidadã” é exemplar em assegurar os requisitos primordiais para inclusão social e desenvolvimento desse grupo vulnerável. Contudo, suscita algumas indagações: A quem se dirige as normas protetivas? Em que consiste essa desigualdade causada pela deficiência? Essas questões não são respondidas pelo texto constitucional, ficando a cargo da legislação ordinária dispor sobre esses conceitos essenciais.332

332 FERNANDES, Fernanda Holanda; MOREIRA, Thiago Oliveira. A Nova Definição Constitucional de Pessoa

Nesse sentido, o Decreto n. 914/93, ao instituir a Política Nacional para a integração da pessoa portadora de deficiência, define, no artigo 3°, pessoa com deficiência como “aquela que apresenta, em caráter permanente, perdas ou anormalidades de sua estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica, que gerem incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano.” 333

Destaque-se que essa definição vai de encontro à política de integração e desenvolvimento da autonomia desses sujeitos, pois o elemento identificador da deficiência é o caráter permanente da perda ou “anormalidade.” Concepção perigosa, visto que poderia eximir o Poder Público de prover diversos serviços com vistas ao tratamento de patologias ou lesões ensejadoras da deficiência.334 Além disso, recorre-se a um “padrão de normalidade” pouco claro, que se atém às considerações médicas e não inclui as socioeconômicas.

O Decreto n. 3.298/99 revogou o anterior, apesar de continuar adotando como parâmetro para a deficiência a “normalidade”, aprimorou o conteúdo da legislação precedente, ao retirar da caracterização da deficiência o condicionante “em caráter permanente.” Apresenta três conceitos distintos: deficiência transitória, deficiência permanente e a incapacidade. A primeira passou a ser admitida implicitamente pela eliminação da expressão “em caráter permanente”; a segunda é conceituada como aquela deficiência que ocorreu ou se

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