• Nenhum resultado encontrado

A proteção dos direitos das pessoas com deficiência através do judiciário pode ser promovida em dois âmbitos distintos. No processo objetivo, por meio do controle concentrado de constitucionalidade, que incide sobre as normas em abstrato e independente dos fatos concretos.410 Nesse contexto, desenvolve-se a questão acerca da natureza desse controle, investigando se o status de norma constitucional afastaria o controle de convencionalidade, sendo aplicado apenas o controle de índole constitucional. Para tanto, apresentam-se a distinção entre cada tipo de controle, os efeitos e características de cada um, bem como as hipóteses de incidência.

Por outro viés, no processo subjetivo, perante as instâncias ordinárias, defendem-se direitos e interesses de sujeitos determinados.411 Neste, também cabe o controle de constitucionalidade difuso, cuja eventual declaração de inconstitucionalidade produzirá efeitos apenas entre as partes. Nesse contexto, a aplicabilidade do tratado pelo juiz traduz a possibilidade de um caso concreto ser regulado por seus dispositivos.412 Nesse âmbito,

questiona-se sobre a natureza das normas convencionais, buscando verificar se o seu formato de diretrizes gerais seria um óbice a sua aplicação direta. Destaca-se o papel primordial da atividade interpretativa do magistrado na possibilidade ou não da aplicação imediata dessas normas.

Como a atividade judiciária é regida pelo princípio da inércia, ou seja, apenas tem início quando é provocada413, apresentam-se os principais instrumentos processuais à disposição do operador do direito para obter a prestação jurisdicional capaz de satisfazer às necessidades das pessoas com deficiência. Nesse contexto, abordam-se as hipóteses em que é cabível a tutela individual ou coletiva; os legitimados a propor cada tipo de ação; as possibilidade de indenização por danos morais e materiais e as tutelas de urgência ou provisória.

410 CINTRA, Antonio Carlos Araújo, de; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria

Geral do Processo. 27 ed. São Paulo: Malheiros Editores. p. 310.

411 Ibidem. p. 310.

412 Carlos Maximiliano, 1951, p. 19 apud SILVA, José Afonso. Aplicabilidade das normas constitucionais. 3

ed. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 51.

§ 1. O Supremo Tribunal Federal e o controle de convencionalidade ou de constitucionalidade a partir da Convenção

O Supremo Tribunal Federal enquanto Corte constitucional tem como função precípua a “guarda da Constituição,” a sua defesa em face de leis infraconstitucionais que atentem contra os seus preceitos. Sob esse prisma, o controle de constitucionalidade concentrado é um mecanismo que garante a superioridade da Carta Magna, tornando nulas as normas inferiores que com ela conflitem. Dessa forma, esse escalonamento do sistema jurídico mantém a sua estabilidade através da atividade da Corte Suprema.

Sob essa ótica, o status formal de norma constitucional da Convenção de Nova York (2006) só terá eficácia jurídica, se através da aplicação do controle de constitucionalidade, esta for capaz de produzir os efeitos que lhe são próprios, ou seja, a invalidade das normas incompatíveis. O que não se confunde com a eficácia social, que corresponde à capacidade da norma para transformar a realidade, adequando-a aos seus preceitos. 414

Nessa esteira, realizou-se uma busca no site do STF, a partir dos termos “Convenção” e “pessoa com deficiência” e foram encontrados oito documentos. Destes, a maioria utiliza o referido tratado como um dos fundamentos da decisão, apresentado em conjunto com a Constituição ou leis infraconstitucionais. Apenas dois configuram-se como ações do controle concentrado, adotando o tratado como parâmetro, a saber, a ADPF n.182 de 2009 e a ADI n. 5.265 ajuizada em 2015.415

A Arguição de descumprimento de Preceito Fundamental ADPF n. 182 foi ajuizada, perante o Supremo Tribunal Federal, pela Procuradoria Geral da República, em 10 de julho de 2009, com o fito de reconhecer que o § 2º do artigo 20 da Lei n. 8742/93, Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS), não foi recepcionada pela Convenção da ONU sobre o Direito das Pessoas com Deficiência.

Ressalte-se que embora a petição inicial faça referência a não recepção da norma, o fenômeno passível de ocorrer nesse caso é o de “revogação”, visto que o STF não admite a

414 SILVA, José Afonso. Aplicabilidade das normas constitucionais. 3 ed. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 66 415 Em 18 de fevereiro de 2015, foi interposta a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão ADO n. 30,

pelo Procurador Geral da República Rodrigo Janot, contra o inciso IV do artigo 1º da Lei Federal n. 8.989, de 24 de fevereiro de 1995, que dispõe sobre a isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para pessoas com deficiência e exclui desse rol as pessoas com deficiência auditiva. Contudo, na petição inicial não foi encontrada qualquer referência à Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com deficiência.

Supremo Tribunal Federal. Ação direta de inconstitucionalidade por Omissão n. 30 – Distrito Federal. Relator: Ministro Dias Toffoli. Acompanhamento processual. Disponível em:< http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/pesquisarJurisprudencia.asp> Acesso em 9 março. 2017.

teoria da inconstitucionalidade superveniente. Conforme fundamentação apresentada na ADI 02, julgada em 1997, a declaração de inconstitucionalidade da lei tem como conseqüência a sua nulidade absoluta e se a lei foi corretamente editada quando da Constituição anterior, ela não pode ser considerada nula desde sempre, esta apenas deixa de operar com o advento da nova Carta, sendo, portanto, revogada e não declarada inconstitucional. Por outro lado, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, nos termos da Lei n.9.882/1999, possibilita o exame do direito pré-constitucional, desde que se configure controvérsia relevante sobre a legitimidade de tal direito em face de preceito fundamental da Constituição.416

A Lei Orgânica de Assistência Social regulamenta o artigo 203, V, da Constituição Federal de 1988, que prevê o benefício da prestação continuada às pessoas com deficiência e aos idosos independentemente de contribuição à seguridade social, garantindo um salário mínimo mensal àqueles que comprovem não possuir meios para prover a própria subsistência ou de tê-la provida por sua família. Do dispositivo em tela, observa-se que a Carta Magna reservou à lei a tarefa de delimitar a quem seria destinado o benefício, tendo como diretriz a insuficiência de recursos financeiros. Atendendo a essa determinação, o artigo 20 da Lei n. 8742/93 dispôs:

O benefício de prestação continuada é a garantia de 1 (um) salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso com 70 (setenta) anos ou mais e que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.

§ 2º Para efeito de concessão deste benefício, a pessoa portadora de deficiência é aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho.417

A Procuradoria Geral da República apontou que, de acordo com esse dispositivo, não tem direito ao benefício a pessoa considerada capaz para a vida independente e para o trabalho, ainda que apresente impedimento mental, físico, intelectual ou sensorial que comprometa gravemente sua participação em igualdade de condições na sociedade e que viva em condições de miserabilidade.418Dessa forma, esse direito que aparentemente deveria ser um benefício, na verdade, se configurava como um mecanismo de perpetuação da pobreza, pois para ser concedido exigia que o destinatário se encontrasse em situações de

416 MENDES, op cit, p. 125.

417 BRASIL. Lei nº 8742/93163, de 7 de dezembro de 1993, Dispõe sobre a organização da Assistência Social e

dá outras providências. Disponível em < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8742.htm> Acesso em 28, fev. 2015.

418Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 182- Distrito

Federal. Relator: Ministro Celso de Mello. Acompanhamento Processual. Disponível em: < http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp> Acesso em 14 março. 2017.

vulnerabilidade praticamente irreversíveis.419Ademais, para continuar recebendo a prestação essa circunstância deveria permanecer inalterada com o tempo.420

Como evidenciado, a Lei n. 8.742/93 tinha como pressuposto um conceito de pessoa com deficiência baseado no modelo médico, que desconsiderava o fato da deficiência também ser conseqüência de fatores do meio social. Nessa perspectiva, o tratamento assistencialista não visava a promover a autonomia dessas pessoas, mas sim mantê-las na posição de objetos de políticas públicas. Assim, restou claro o desrespeito ao conceito de pessoa com deficiência, introduzido pelo art. 1° da Convenção de Nova York (2006), fundamentado na busca pela autonomia e independência desses sujeitos.

Nesse contexto, a ADPF n. 182 é um exemplo do Controle Jurisdicional de Convencionalidade interno das leis. Todavia, é importante destacar que a referida ação ainda não foi julgada pelo STF. Nesse caso, tal controle foi realizado pelo legislativo, através da promulgação da Lei n. 12.470/11 que alterou, dentre outros dispositivos, o artigo 20 da Lei n. 8.742/93, cuja redação passou a ser a seguinte:

Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.

§ 2° Para efeito de concessão deste benefício, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. 421

Desse modo, o § 2º do artigo 20 da LOAS passou a vigorar com o conceito de pessoa com deficiência estabelecido no artigo 1º da Convenção da ONU. A partir dessa nova redação, o benefício deve ser concedido a todas as pessoas que, independente da capacidade

419 GOMES, Ana Lígia. O Benefício da prestação continuada: uma trajetória de retrocessos e limites-

Construindo possibilidades de avanços. Revista de Direito Social, ano 1, n. 4, p. 64-87, 2001. p. 82.

420 Que recompensa afinal era prevista ao beneficiário da assistência social que, sendo uma pessoa com

deficiência, na busca de independência e auto respeito, ousava romper no mercado de trabalho formal, superando todos os obstáculos (que em verdade lhe eram e são impostos pela sociedade e não pela natureza)? Paradoxalmente, a recompensa não era atribuição de um prêmio, mas a imposição de uma pena, um castigo por tal ousadia; concretamente: a extinção do benefício. FEIJÓ, Alexsandro Rahbani Aragão. O controle de convencionalidade e a convenção da ONU sobre os direitos das pessoas com deficiência: O caso da ADPF 182- 0/800 – DF. Revista de direito brasileira. ano 3, v.6. set.-dez. 2013. p.

89-108. Disponível em <http://www.rdb.org.br/ojs/index.php/revistadireitobrasileira/article/view/117/108> Acesso em 14 jan. 2015. p. 102.

421BRASIL. Lei nº 8.742/93163, de 7 de dezembro de 1993, Dispõe sobre a organização da Assistência Social e

dá outras providências. Disponível em < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8742.htm> Acesso em 28, fev. 2015.

para o trabalho, não conseguem manter-se com recursos próprios ou de sua família.Somente a pessoa com deficiência inserida no mercado de trabalho e com recursos financeiros suficientes para prover satisfatoriamente suas necessidades fundamentais de forma autônoma terá cessado o benefício. Sob esse prisma, a prestação continuada se configura como um auxílio temporário para que esses indivíduos consigam alcançar sua autonomia.

Ressalte-se que o controle de convencionalidade legislativo, exercido no presente caso, encontra previsão na doutrina tanto na versão preventiva, quando o legislativo não aprova lei inconvencionais; como na modalidade repressiva, através da revogação das leis que violam uma Convenção Internacional, bem como pela edição de leis com a finalidade de tornar efetivos os direitos previstos no Pacto. 422

Observe-se que na ADPF n. 182 não foi utilizado o termo “controle de convencionalidade”, mas sim “controle de constitucionalidade” com fundamento no status constitucional da Convenção de Nova York (2006). Nesse contexto, cabe a indagação: Em razão da qualidade de equivalência de emenda constitucional, a Convenção de Nova York (2006) seria parâmetro apenas para o controle de constitucionalidade e não de convencionalidade?

Conforme a teoria do “diálogo das fontes,” apresentada no § 3º do capítulo 2 desse trabalho, no mesmo ordenamento jurídico podem existir duas fontes distintas de mesma hierarquia (no caso, a Constituição de 1988 e a Convenção de Nova York de 2006) dispondo sobre o mesmo assunto “a proteção da pessoa com deficiência.” As normas de diferentes origens convivem harmonicamente, pois eventuais incompatibilidades entre elas serão resolvidas por um “diálogo” estabelecido pelo magistrado à luz do caso concreto, priorizando a aplicação da norma mais benéfica ao indivíduo, sem excluir do ordenamento jurídico a outra disposição normativa.423

Nesse âmbito, a proteção da pessoa com deficiência passa a contar com dois parâmetros distintos: o controle de constitucionalidade, quando a legislação infraconstitucional for compatível com a Constituição e com as normas da Convenção que tenham correspondência no texto constitucional. E o controle de convencionalidade, por sua

422MAZZUOLI, Valério Oliveira, de. O controle jurisdicional de convencionalidade das leis, p. 126.

423 MAZZUOLI, Valério Oliveira, de. Rumo às novas relações entre o direito internacional dos direitos

humanos e o direito interno: da exclusão à coexistência, da intransigência ao diálogo das fontes, p.102;

AMARAL JUNIOR, op cit, p. 137- 147.

Ver explicação sobre a “teoria do diálogo das fontes” no § 3º do Capítulo Segunda Parte (As conseqüências do status de emenda constitucional da Convenção de Nova York).

vez, quando as normas ordinárias estiverem de acordo com a Constituição, mas em discordância com a norma internacional.424

Destaque-se que a declaração de inconstitucionalidade opera em duas dimensões, tanto com relação à vigência da norma, como no que diz respeito a sua validade. A primeira consiste na regularidade do ato normativo, ou seja, a obediência às formas prescritas para a sua produção, corresponde ao plano da existência, ao pertencimento da norma ao ordenamento jurídico. Enquanto a validade resulta da conformidade do conteúdo normativo com os valores estabelecidos por outras normas superiores.425 Assim, as normas podem ser vigentes, no plano formal, mas invalidas sob a perspectiva material. Esse fenômeno ocorre no caso da declaração de inconvencionalidade, que atinge apenas a validade da norma, mas não a sua vigência. Nesse caso, ela continuará existindo, mas deverá ser rechaçada pelo juiz no caso concreto.426

No caso da LOAS, pode-se argumentar que ela viola a Constituição Federal de 1988, na medida em que a Carta Magna reservou à lei a tarefa de delimitar a quem seria destinado o benefício, tendo como única diretriz a insuficiência de recursos financeiros para a própria manutenção. Entretanto, a Lei Orgânica de Assistência Social ultrapassou esse mandamento, acrescentando o requisito da incapacidade do beneficiado para o trabalho e para a vida independente. O que exclui a possibilidade do recebimento da prestação por uma pessoa com deficiência que embora trabalhe, a remuneração recebida é insuficiente para a sua sobrevivência, em face dos elevados gastos com medicamentos e tratamentos.

Sob esse prisma, à luz do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, não faz sentido que o sistema normativo tenha limitado a proteção assistencial a um campo de pessoas que já se encontram em condição de miséria. Pelo contrário, a assistência social deve ter uma natureza preventiva ou acautelatória, substituindo-se a ideia de direcionar-se para situação de “limite da indigência” com o suprimento apenas das necessidades vitais.427

424 Na doutrina de Mazzuoli, encontra-se a ideia de que o controle constitucional existe apenas quando ocorre

afronta à Constituição propriamente dita. Partindo desse pressuposto, para os direitos previstos tanto na Constituição como no Tratado Internacional será cabível o controle de constitucionalidade. Por outro lado, quando ocorrer afronta a direito com previsão apenas na norma internacional haverá controle de convencionalidade (e não de constitucionalidade, porque não houve violação da Constituição). MAZZUOLI, Valério Oliveira, de. O controle jurisdicional da convencionalidade das leis, p. 153.

425 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: teoria do garantismo penal. 3 ed. São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 2010. p. 333.

426 MAZZUOLI, Valério Oliveira, de. O controle jurisdicional da convencionalidade das leis, p. 133.

427 SAVARIS, José Antônio. Os Direitos de previdência e assistência social das pessoas com deficiência. In:

FERRAZ .et al. Manual dos direitos da Pessoa Com Deficiência. São Paulo: Saraiva, 2012. Cap. 5, p.229- 259.

Destarte, seria possível considerar a inconstitucionalidade da LOAS através de dispositivos da própria Constituição, sem fazer alusão à Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, tratando-se, portanto, de controle de constitucionalidade. Nesse sentido, inclusive, a Advocacia Geral da União, na sua manifestação na ADPF n. 182, argumentou que inexiste incompatibilidade entre o conceito de pessoa com deficiência da LOAS e da Convenção, visto que a norma interna aborda o critério de identificação de uma classe específica de indivíduos que, além de deficientes, são também hipossuficientes, necessitando de amparo financeiro do Estado. Enquanto o tratado internacional apresenta uma definição genérica de pessoa com deficiência e não dispõe sobre o grupo específico identificado na legislação de assistência social. Dessa forma, inexiste colisão entre os dois diplomas. 428

Por outro viés, pode-se considerar a inexistência de conflito com a Carta Magna, pois esta delega à legislação ordinária a tarefa de regulamentar a concessão do benefício e isso inclui a especificação de quem seja a pessoa com deficiência beneficiada por essa política pública. Não havendo, portanto, incompatibilidade com o art. 203 da Constituição, mas sim com a Convenção de Nova York (2006), uma vez que esta busca promover a emancipação das pessoas com deficiência, enquanto a LOAS, ao estabelecer o benefício apenas para as pessoas incapacitadas para o trabalho e para a vida independente, desestimula a conquista da autonomia por esses indivíduos. Sob essa perspectiva, seria aplicável o controle de convencionalidade e não de constitucionalidade, pois houve afronta apenas à norma internacional, sem violação da Constituição.

Destarte, a natureza do controle (convencionalidade ou constitucionalidade) irá depender da interpretação aplicada na análise da norma em relação à Convenção de Nova York (2006) e à Constituição Federal de 1988. Sendo importante a distinção, na medida em que os efeitos do controle de constitucionalidade diferem da declaração de inconvencionalidade. Como observado, enquanto o primeiro opera no âmbito da vigência e validade, o segundo produz apenas a invalidade da lei incompatível.

Outra ação que buscou o controle de constitucionalidade, adotando como parâmetro a Convenção de Nova York (2006), foi a ADI n. 5.265 ajuizada, em 13 de março de 2015, pela Procuradoria Geral da República, contra o § 3º do art. 98 da Lei n. 8.112, de 11 de

428Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, ADPF n. 182, Relator:

Ministro Celso de Mello. Lex: Supremo Tribunal Federal. Acompanhamento Processual. Disponível em:< www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2690086> Acesso em 15 jan. 2017.

dezembro de 1990. O qual concede apenas ao servidor público que tenha cônjuge, filho ou dependente com deficiência física o benefício do horário especial.429

Argumenta-se que o referido dispositivo viola o princípio da isonomia, estabelecido no caput do art. 5º da Constituição da República, ao fazer referência apenas à deficiência física, tratando de forma diferente os servidores que possuem familiares com outros tipos de deficiência. Com efeito, a lei discrimina de forma arbitrária as pessoas com deficiência mental, intelectual e sensorial, pois não existe justificativa razoável para essa restrição.

O Ministério Público, em seu parecer, invocou o conceito da Convenção de Nova York (2006), art. 1º: “pessoa com deficiência, aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial (...)”. E destacou que a Convenção assegura a todas elas, em igualdade de condições e independentemente da natureza da deficiência, o exercício pleno e equitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, assim como, no art. 5º, igual proteção e igual benefício da lei sem discriminação.

Entretanto, o Parquet propugnou pelo não conhecimento da Ação Direta de Inconstitucionalidade, pois se trata da incompatibilidade de lei pretérita com emenda constitucional superveniente e, nessa hipótese, ocorre a revogação da disciplina infraconstitucional que com a norma superior seja incompatível, sem necessidade de declaração de inconstitucionalidade.

Ressalte-se que a referida ação ainda não foi julgada, encontrando-se conclusa para o relator Ministro Teori Zavascki. Caso venha a ser acolhida a tese do Ministério Público pelo Supremo Tribunal Federal, será um grande avanço, pois terá se configurado o controle de convencionalidade430, admitindo-se a revogação direta de uma legislação nacional pela Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência.

Dos julgados apresentados, observa-se que a terminologia “controle de convencionalidade” é pouco utilizada, o STF tem empregado a Convenção de Nova York (2006) como parâmetro na perspectiva de um controle de constitucionalidade, em razão do seu status de emenda constitucional, sem atentar para as minúcias doutrinárias que distinguem o controle de convencionalidade e de constitucionalidade.

429 Supremo Tribunal Federal. Ação direta de inconstitucionalidade n. 5265- Distrito Federal. Relator:

Ministro Teori Zavascki. Lex: Supremo Tribunal Federal. Acompanhamento processual. Disponível em: < http://www.stf.jus.br/portal/processo/pesquisarProcesso.asp> Acesso em: 07 jan. 2017.

430 Adotando a tese de Valério Mazzuoli, segundo a qual o controle de convencionalidade ocorre quando não há

coincidência entre a norma da Convenção e da Constituição. Como na Carta Magna de 1988 não existe conceito de pessoa com deficiência, a violação ocorreu apenas em relação à Convenção de Nova York (2006),

Documentos relacionados