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2. A DINÂMICA DOS CENTROS URBANOS

2.1. Os impactos do crescimento das cidades na dinâmica dos centros urbanos

funções administrativas, que normalmente se resumiam em garantir a ordem e coordenar a produção agrícola, base econômica do país até então. Com os impactos da industrialização, os eixos econômicos e sociais foram profundamente alterados, e com eles, o fator de urbanização das cidades.

Esse século foi marcado, dentre tantos acontecimentos, por um acelerado aumento da população nas cidades brasileiras, chegando à inversão da predominância de residências rurais para urbanas. Essa inversão aconteceu entre os anos de 1940 e 1980, intervalo no qual a taxa de urbanização subiu de 26,35% para 68,86% (SANTOS, 2005). Em 1991, essa taxa já alcançava 75,59%, chegando a 81,23% em 2000 (IBGE, 2000) e 83,5% em 2007 (IBGE, 2008). Os impactos causados por esse rápido crescimento urbano são também conseqüências da forma de organização da sociedade, e de como ela absorveu as demandas decorrentes desse crescimento. A partir da segunda metade do século XX, o crescimento das cidades ocidentais teve base não só no capitalismo, mas também no urbanismo moderno decorrente dele, o que implicou predominantemente no espraiamento da malha urbana através da expansão horizontal e da preferência por uma morfologia urbana e arquitetônica desconectada da antiga.

Desde a década de 1920, o movimento moderno já começava a estruturar e fundamentar sua base ideológica, e foi, ao longo do século, se tornando expectativa urbana nacional como principal agente capaz de atuar na solução dos grandes antagonismos da sociedade capitalista, por sua esperada capacidade de reorganizar e reordenar o espaço (DEL RIO e GALLO, 2000; ARANTES, 2001).

Tais soluções foram propostas principalmente através do zoneamento do espaço baseado na racionalização capitalista. Isto significa que a ideologia modernista era diretamente vinculada aos princípios tayloristas e fordistas da economia em massa, ou seja, a padronização e estandardização industrial se refletiam em traçados urbanos mais rígidos, padronização das soluções construtivas e construção de bairros operários e conjuntos habitacionais cuja disposição das edificações pressupunha a produção em série. Da mesma forma, os conceitos de organização e especialização do trabalho se refletiam no recorte das atividades urbanas em funções elementares, como produção industrial, finanças, comércio, moradia e lazer (ARANTES, 2001).

Além disso, o ideário da modernização era centrado na prevalência do novo sobre o antigo. Em suma, o conceito de temporalidade, para os modernos, não era mais a representação de um tempo mítico, repetitivo ou cíclico, como na antiguidade, mas sim a de um tempo heterogêneo, irreversível e evolutivo. A tábula rasa significava mais do que descartar o antigo; era uma premissa necessária para uma arrancada para o futuro. Essa busca pelo novo fundamentava-se no poder emancipatório da promessa de evolução capitalista e na desvalorização do antigo, do passado e, consequentemente, das tradições (ARANTES, 2001).

O não comprometimento do movimento moderno com a memória urbana e com a importância das funções simbólicas que um centro urbano pode desempenhar, somado ao objetivo de renovar e reordenar através do planejamento e setorização das atividades, fez dele o processo ideológico-cultural de maior relevância na urbanização das cidades, principalmente no que diz respeito aos impactos causados nos centros urbanos (BOTLER e ROLNIK, 2004).

Enquanto isso, as áreas centrais vão sendo desconsideradas, e se esvaziando dos usos que lhe davam vitalidade. A habitação de alta renda migra para os grandes condomínios modernos e de luxo e a de média renda, para condomínios de casas com promessas de segurança e lazer; o comércio migra para os super e hipermercados, para os shoppings e mais recentemente para um ‘espaço virtual’ promovido pelos sites de venda por internet; as instituições públicas migram para os novos centros, em edifícios mais modernos, simbolizando o desenvolvimento da cidade; até as atividades religiosas são descentralizadas para os diversos bairros, e em diversas denominações. Desse crescimento periférico formaram-se – e ainda se formam – as redes urbanas, qualificando novas áreas e desqualificando outras mais antigas, transformando a cidade em fragmentos mercadológicos mais caros ou baratos, dependendo dos vetores de especulação (VARGAS e CASTILHO, 2006).

Nessa mesma dinâmica, posteriormente, a cultura e o simbolismo do patrimônio histórico passam a ter grande significado tanto individual quanto coletivo para a sociedade, que agora procura se identificar com as cidades por ela produzidas. Arantes (2001, p. 122) afirma que a sociedade agora estaria buscando “cenários fascinantes de uma sociabilidade viva que há muito tempo deixou de existir, em virtude justamente desse traço desertificante da modernização”. Com o declínio do capitalismo fordista, já nas últimas décadas do século XX, começa a despontar uma cidade significativamente distinta, na qual se refletem os traços do novo regime de acumulação flexível. Desindustrialização, terceirização, perda da importância no seio dos circuitos

de circulação do capital, desocupação funcional de vastas áreas, diversificação das formas urbanas e urbanismo competitivo, suburbanização, são algumas das tendências que transformaram a estrutura das cidades contemporâneas (QUEIRÓS, 2007).

É nesse contexto de ‘pós-industrialismo’ – apesar de inacabada a era industrial, e se é que ela se encerraria em algum momento – que a grande parte da sociedade vive um modelo de mega- cidades, com diversos problemas de ordem urbana, como a degradação dos centros urbanos e o insistente crescimento da malha urbana; de ordem social, como os altos índices de exclusão espacial e déficit habitacional; e de ordem ambiental, como a grande quantidade de recursos consumidos e de resíduos gerados pela população que se aglomera em espaços de alta densidade (LIMA, 2004). Esses conflitos estão entranhados e caracterizados pelas desigualdades e injustiças impostas por uma sociedade alicerçada nas relações de produção e consumo, incapaz de produzir um modelo de cidade sustentável, visto que esta depende da harmonia, do equilíbrio, da ética e da aplicação dos direitos humanos básicos.

A partir da década de 1990, as políticas públicas buscam a recuperação de alguns centros urbanos através de programas, teoricamente integrados aos paradigmas de desenvolvimento sustentável, a partir da reabilitação do parque imobiliário instalado. Dessa forma, o planejamento urbano estaria dando um primeiro passo para se distanciar do ideal racionalista do urbanismo moderno, e também do exagerado modelo conservacionista (DEL RIO, 2000). A respeito dessas novas políticas, surgem questionamentos sobre as motivações e os resultados dos planos de reabilitação urbana: de que forma as intervenções tem (ou não) consentido o espaço da diversidade típica dos centros urbanos? E em que medida esses programas conseguem alcançar a multiplicidade de variedades e contradições da cidade e a forma como ela se relaciona com seus centros urbanos tradicionais? De que forma o projeto urbano e seu idealismo inerente poderão alcançar a complexa realidade das cidades contemporâneas? Até onde vai o projeto real e onde começa a utopia (ou a hipocrisia) dos discursos políticos? Qual a distância que separa o projeto da realidade?

Experimentado em maior ou menor grau e com diferentes resultados e polêmicas, este novo modelo de planejamento urbano torna-se uma realidade em grandes cidades do mundo, possibilitando um novo entendimento sobre o potencial urbano dessas áreas e permitindo a retomada de territórios outrora consolidados.