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2.1.4.1 DISTRIBUIÇÃO DE RENDA

O Brasil, nas últimas décadas, vem confirmando, infelizmente, uma tendência de enorme desigualdade na distribuição de renda e elevados níveis de pobreza. Um país desigual, exposto ao desafio histórico de enfrentar uma herança de injustiça social que exclui parte significativa de sua população do acesso a condições mínimas de dignidade e cidadania. (BARROS, HENRIQUES e MENDONÇA, 2000, p. 1)

Desta forma se inicia o texto do artigo intitulado “Desigualdade e Pobreza no Brasil: retrato de uma estabilidade inaceitável” na Revista brasileira de ciências sociais - vol.15 nº42, do Instituto de Pesquisa Econômica a Aplicada (IPEA). Os autores desenvolvem o artigo partindo de uma hipótese que seria: “o Brasil não é um país pobre, mas um país com muitos pobres.” E que a pobreza é determinada pela desigualdade de renda e das desigualdades nas oportunidades de inclusão econômica e social.

A Tabela1 mostra a evolução temporal da indigência e pobreza no Brasil a partir de 1977. Por questões metodológicas o significado de “pobreza” neste trabalho foi resumido à renda familiar per capita, ou seja, a pobreza foi representada por um corte mínimo de renda que garantisse a satisfação das necessidades mais básicas das famílias. Os autores ressaltam que é uma simplificação, porque a pobreza não pode ser considerada em uma dimensão isolada. Para uma melhor definição deve-se levar em consideração as dimensões que levam a “situações de carência em que os indivíduos não conseguem manter um padrão mínimo de vida condizente com as referências socialmente estabelecidas em cada contexto histórico.” (BARROS, HENRIQUES e MENDONÇA, 2000, p. 124).

Percebe-se nos dados que há certa estabilidade nos percentuais ao longo da série, havendo contrações pontuais durante as implementações dos Planos Cruzado e Real, e com os

piores percentuais durante a crise de recessão dos anos 80, 1983 e 1984. Todo este período refere-se à fase de difusão dos ideais neoliberais no Mundo. Não se pretende aqui dizer que não havia pobreza e indigência anteriores ao ano de 1977 no Brasil, mas pode-se afirmar, de acordo com os dados, que houve estabilidade nos percentuais durante o período pós-crise de 1973, exatamente o divisor temporal da adoção da nova ideologia liberal no que tange ao início da liberação financeira internacional. Aprofundando a análise pode-se pegar como referência o ano de 1990 e compará-lo ao ano de 1998. A quantidade de pobres mais indigentes em 1990 era de 65,10% da população, em 1998 esta soma representava 64% da população. Comparação que demonstra novamente que não houve distribuição de renda de forma a impactar o perfil da renda per capita das famílias.

Tabela 1 Evolução Temporal da Indigência e da pobreza no Brasil

Evolução temporal da indigência e da pobreza no Brasil*

Ano

Percentual de Indigentes

Número de Indigentes

(em milhões) Percentual de Pobres

Número de Pobres (em milhões) 1977 16,30 16,80 39,60 40,70 1978 20,70 22,00 42,60 45,20 1979 15,90 17,30 38,80 42,00 1981 18,80 22,00 43,10 50,60 1982 19,40 23,40 43,10 51,90 1983 25,00 30,70 51,00 62,70 1984 23,60 29,80 50,40 63,50 1985 19,20 25,10 43,50 56,90 1986 9,80 13,10 28,20 37,30 1987 18,50 25,10 40,80 55,40 1988 22,10 30,50 45,30 62,50 1989 20,70 29,30 42,90 60,60 1990 21,30 30,80 43,80 63,10 1992 19,30 27,10 40,80 57,30 1993 19,50 27,80 41,70 59,40 1995 14,60 21,60 33,90 50,20 1996 15,00 22,40 33,50 50,10 1997 14,80 22,50 33,90 51,50 1998 13,90 21,40 32,70 50,10

(*) As linhas de indigência e pobreza utilizadas foram as da Região Metropolitana de São Paulo.

Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD). Elaborado: Barros, R.P., Henriques, R. & Mendonça, R. 2000

Outro ponto investigado no artigo se refere a questão do Brasil ser um país pobre. Os autores através da análise do Relatório de desenvolvimento humano de 1999 (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento -PNUD) chegam a conclusão que 77% da população

mundial vive em países com renda per capita inferior a brasileira. Os autores ressaltam também que o Brasil, quando comparado aos países industrializados, não pode ser considerado um país rico, pois “a renda do trabalho no Brasil é cerca de um terço da renda do trabalho nos países industrializados.” (BARROS, HENRIQUES e MENDONÇA, 2000, p. 126). Os autores concluem que esta situação é reflexo da concentração da renda a nível mundial, por outro lado, demonstra também que o Brasil, em relação aos países em desenvolvimento, tem melhores condições de combate a pobreza.

A má distribuição de renda fica evidenciada na comparação do Brasil com os demais países que possuíam renda per capita similar. Em 1989, com base nos dados da PNUD, percebe-se que o grau de pobreza no Brasil é significativamente superior. Para uma renda per capita de US$ 4271,00, 28,7% da população viviam em situação de pobreza, resultado pior que do Chile, Bulgária, Argélia, México, Venezuela, Bolívia, Paquistão, Marrocos, etc. Um agravante da análise é que “caso o grau de desigualdade de renda no Brasil correspondesse à desigualdade mundial média associada a cada nível de renda per capita, apenas 8% da população brasileira deveria ser pobre”. (BARROS, HENRIQUES e MENDONÇA, 2000, p. 128)

Fica evidenciado nos dados que até 1998 a situação do Brasil, em relação a distribuição de renda, era de fato inaceitável e que as ações pautadas no Consenso de Washington de fato não trouxeram os efeitos esperados, dos quais o maior fluxo de capitais para os países pobres acarretaria em uma melhor distribuição da renda a nível mundial, e como consequência uma melhor distribuição nos países devido ao fator trabalho.

Para ficar mais evidente a distribuição percentual da renda no Brasil os autores apresentam a seguinte tabela:

Tabela 2: Distribuição da Renda

Ano

Porcentagem da renda apropriada pelas pessoas

20%

mais pobres 40% mais pobres 50% mais pobres 20% mais ricos 10% mais ricos 1% mais rico

1977 2,4 7,7 11,7 66,6 51,6 18,5 1978 2,1 7,6 12,0 64,1 47,7 13,6 1979 2,7 8,4 12,7 63,8 47,5 13,6 1981 2,6 8,5 13,0 63,2 46,9 12,8 1982 2,5 8,2 12,5 63,9 47,4 13,2 1983 2,5 8,1 12,3 64,5 47,9 13,6 1984 2,7 8,5 12,8 64,0 47,7 13,3 1985 2,5 8,1 12,4 64,5 48,3 14,3 1986 2,6 8,5 12,9 63,5 47,3 13,9

1987 2,3 7,8 12,0 64,5 48,2 14,3 1988 2,1 7,3 11,3 66,0 49,8 14,4 1989 2,0 6,8 10,5 68,0 51,9 16,7 1990 2,1 7,3 11,3 65,8 49,2 14,3 1992 2,3 8,4 13,1 62,2 45,8 13,3 1993 2,2 7,9 12,3 64,5 48,6 15,1 1995 2,3 8,0 12,3 64,2 47,9 13,9 1996 2,1 7,7 12,1 64,2 47,6 13,6 1997 2,2 7,8 12,1 64,2 47,7 13,8 1998 2,3 8,0 12,3 64,2 47,9 13,9

Nota: A distribuição utilizada foi a de domicílios segundo a renda domiciliar per capita.

Fonte: Pesquisa Nacional por amostra de domicílios (PNAD)/IBGE. Elaborado: Barros, R.P.,enriques, R. & Mendonça, R. 2000

Em complemento seguem os dados dos censos demográficos de 1991, 2000 e 2010.

Tabela 3: Distribuição da Renda 2

Percentual de Renda Apropriada pelas pessoas

Brasil % 20% mais pobres (1991) 1,92 20% mais pobres (2000) 1,84 20% mais pobres (2010) 2,41 40% mais pobres (1991) 6,72 40% mais pobres (2000) 6,85 40% mais pobres (2010) 8,59 60% mais pobres (1991) 15,7 60% mais pobres (2000) 15,9 60% mais pobres (2010) 19,23 80% mais pobres (1991) 32,79 80% mais pobres (2000) 32,44 80% mais pobres (2010) 36,6 20% mais ricos (1991) 67,21 20% mais ricos (2000) 67,56 20% mais ricos (2010) 63,4

Percentual da renda apropriada pelos 10% mais ricos (1991) 51,14

Percentual da renda apropriada pelos 10% mais ricos (2000) 51,94

Percentual da renda apropriada pelos 10% mais ricos (2010) 48,93

Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil 2013. Dados Censo Demográfico IBGE. Tabulação: Própria.

2.1.4.2 CRESCIMENTO ECONÔMICO

Hoffmann (2001) levanta uma série de questões em torno do tema distribuição de renda que, de fato, não é tema novo no âmbito econômico. Adam Smith, David Ricardo, Marx, Keynes e tantos outros grandes pensadores da economia sempre se remetem ao tema explicitando sua importância para análise do desenvolvimento econômico dos países.

Hoffmann cita também Celso Furtado que já em 1968 apontava a má distribuição de renda como fator importante que impedia o desenvolvimento econômico brasileiro. (HOFFMAN, 2001, p. 67)

Dentre as discussões apresentadas no texto uma delas merece destaque. Os estudos sobre a relação entre crescimento econômico e distribuição de renda. Segundo Kuznets, 1955, apud Hoffmann, 2001,

...pode-se admitir que há uma longa oscilação da desigualdade na estrutura secular da distribuição da renda: aumento nas fases iniciais do crescimento econômico, quando foi mais rápida a transição da civilização pré-industrial para a industrial; tornando-se estável durante um período, e diminuindo nas fases posteriores”. Adiante ele sugere que os países subdesenvolvidos passariam provavelmente pelas mesmas fases, com um aumento da desigualdade no início da industrialização e uma posterior diminuição da desigualdade. Essa proposição passou a ser conhecida como “lei de Kuznets da variação da desigualdade, conformando graficamente um U invertido. (HOFFMAN, 2001, p. 71)

Obviamente a simples industrialização não é suficiente para melhorar a distribuição de renda e o próprio Kuznets alertou para isso, ressaltando a importância da economia político social.

Hoffman (2001) faz uma ressalva a interpretação de dados sobre a época do milagre brasileiro, 1966 até 1973, quando houve fortíssimo crescimento econômico com piora nos níveis de pobreza, ou seja, piora na distribuição de renda. Da mesma forma que interpretar tal fenômeno utilizando-se da lei de Kuznets era criticável, indicar uma alta correlação entre crescimento econômico e má distribuição de renda seria um erro. É sem dúvida mais fácil associar crescimento econômico à melhor distribuição de renda; pelo menos é o que se espera. Porém, no Brasil, historicamente há períodos de crescimento com distribuição de renda, assim como houve períodos de crescimento com má distribuição de renda. Consequentemente há uma série de estudos que procuram encontrar as correlações de forma direta, como já apontada por Celso Furtado, ou seja, como a má distribuição de renda e de terra, as características políticas do país, entre outros fatores, influenciam no crescimento econômico.

Neste artigo apenas tenta-se entender as questões relacionadas a distribuição da renda, porém fica claro que considerar apenas crescimento econômico como fator de boa distribuição de renda é inconclusivo. Talvez a questão da distribuição da renda seja um tema mais adequado a desenvolvimento econômico que simplesmente crescimento econômico. No âmbito ideológico esta diferenciação se torna fundamental, pois no governo brasileiro, desde a década de 80, a ênfase é no crescimento econômico e combate a miséria.

2.1.4.3 DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO

Soares, 2010, em seu artigo “O ritmo na queda da desigualdade no Brasil é aceitável?” faz algumas comparações da queda recente do índice de Gini no Brasil a partir de 2001 até o ano de 2006, com quedas, do mesmo índice, em alguns países, principalmente nos períodos de bem estar social. Ou seja, ele compara períodos de ideologias socioeconômicas diferentes buscando compreender se as ações de transferência de renda no Brasil, atual, impactam o índice de Gini na mesma velocidade em que este foi impactado em outros países. Um ponto essencial a ser discutido é que as análises apontam para ações específicas do programa Bolsa Família em se tratando de Brasil, enquanto nos países comparados houve planejamento para desenvolvimento econômico dentro de uma ideologia específica, e não ações pontuais para distribuição de renda. Há uma série de questões metodológicas relacionadas ao estudo que não cabem aqui serem discutidas, porém a análise amplia as discussões realizadas até aqui. (SOARES, 2010)

Verificando-se a Tabela3 percebe-se que comparando os demais países ao Brasil, os EUA, a Noruega e Espanha tiveram uma queda anual no índice de Gini superior a brasileira.

Tabela 4 Velocidade da queda da taxa do coeficiente de Gini

Velocidade - Coeficiente de Gini

Países Ano Nº de Anos Taxa

Reino Unido 1938 16 0,5 1954 EUA 1929 15 0,6 1944 Holanda 1919 43 0,2 1962 Suécia (Göteborg) 1926 33 0,5 1959 França 1929 50 0,3 1979 Noruega 1938 25 0,6 1963 Espanha 1950 10 0,9 1960 Brasil 2001* 12 0,57 2013*

Fonte: SOARES, S.S.D.(2010), p. 372, "O Ritmo na Queda da Desigualdade no Brasil é Aceitável?" Revista Brasileira de Economia Política, vol.30, n° 3. Adaptação e Tabulação: Própria. *Não há dados de 2010.

Segundo Soares, 2010, um ritmo de queda anual de 0,7 seria adequado, e mantendo esta taxa anual o Brasil poderia vir a ter dentro de duas ou três décadas um índice de Gini de países desenvolvidos que mantêm suas políticas de bem estar social, algo em torno de 0,40 (comparável ao Canadá). Em 2011 o Brasil registrou 0,505 confirmando a tendência de queda em relação a 2009 que estava em 0,521. (IBGE, 2012)

Cabem aqui duas análises ressaltadas pelo autor, uma é que a velocidade de queda do índice de Gini é adequada e que está intimamente relacionada ao Bolsa Família. Resultado esperado, pois em 2012 mais de 11 milhões de famílias foram contempladas com transferências de recursos advindos do programa. A segunda análise se refere à limitação do programa. Não se deve admitir que apenas o Bolsa Família seja suficiente para alcançarmos de forma sustentada, ao longo de duas ou três décadas, um coeficiente na casa dos 0,40. Serão necessários outros programas que englobem educação, moradia (casa própria), industrialização, desenvolvimento tecnológico, etc.

Pode-se concluir então que há sem dúvida avanços, porém é preciso estar atento ao desenvolvimento econômico, pois foi desta forma que países como França, Inglaterra, Suécia, Noruega, Holanda, dentre outros conseguiram, não apenas, alcançar patamares de distribuição de renda aceitáveis, mas sim sustentáveis, e com desenvolvimento humano, questão que o índice de Gini não comporta.

Marcelo Milano Falcão Vieira em seu artigo “Celso Furtado e o Mito do Desenvolvimento Econômico” revela algumas posições atuais de Celso Furtado sobre a obra de sua autoria O Capitalismo Global, 2000. Para Furtado (2000) apud Vieira, 2012, a meta do crescimento econômico versus o abandono dos planos de desenvolvimento econômico trouxe mais desigualdades e privilégios. Além disso, os mercados financeiros acumularam por demasia poderes com atividades especulativas cambiais. A integração global tornou os Estados transnacionais fragilizando a ação reguladora dos Estados nacionais. Como sempre ele defende um Estado forte, que tenha como base de crescimento seu mercado interno para melhor se posicionar diante a economia global e ressalta que o Brasil não pode continuar sendo um exportador de produtos básicos sem valor agregado, mas sim de conhecimento e alta tecnologia. (VIEIRA, 2012, p. 236-237)

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