• Nenhum resultado encontrado

Piaget estudou os jogos de regras com crianças entre quatro e doze - treze anos e por meio de interrogatórios e registros criteriosos do comportamento e das respostas dadas por elas, fez várias constatações sobre a prática e a consciência das regras. Piaget destacou três aspectos, a maturação biológica, a experiência e a interação social que em constante processo de equilíbrio (assimilação e acomodação), levam ao desenvolvimento cognitivo. A interação social ocorre de acordo com o nível cognitivo e afetivo que a criança está, ou seja, no período sensório-motor ( 0 a 2 anos ) o convívio é com a família e a criança sendo o centro de tudo; no período intuitivo – simbólico (2 a 7 anos), marcado pelo egocentrismo e pela irreversibilidade do pensamento, a interação entre crianças não é um ato social; entre elas existe o monólogo coletivo, não havendo descentralização de pontos de vista e o pensamento está no mundo do faz-de-conta; a imagem é estática e as transformações não são percebidas. No período operatório-concreto (7 a 12 anos), a interação entre as crianças passa a ser um ato social onde

o egocentrismo é resolvido, o pensamento alcança sua reversibilidade e a criança passa a descentrar seus pontos de vista para olhar o mundo sob a ótica da outra criança, pois, nessa fase, a criança valoriza e quer a amizade e a companhia do outro em função do agrupamento das operações.

Para conhecer as reações das crianças em relação às regras, Piaget escolheu o jogo de bolinhas de gude, muito comum entre as crianças de Genebra. Nessa interação, Piaget fazia perguntas do tipo “quais são as regras?”, “pode-se mudar as regras?”,..., e pedia que justificassem suas respostas. Em relação à prática das regras, Piaget (1994), estabeleceu quatro estágios sucessivos:

I – Motor e individual: não considera a regra coletiva, manipulação pelo prazer de ver as bolinhas rolarem.

II - Egocêntrico (2 a 6 anos): imitação do que fazem os mais velhos, não joga para vencer, nem a presença dos parceiros é necessária, por essa razão sua brincadeira não envolve cooperação.

III – Cooperação nascente (7 a 10-11 anos): a criança passa a querer vencer o jogo e para isso vê a necessidade do respeito às regras de cooperação.

IV – Codificação das regras (11 – 12 anos): as regras são necessárias e podem ser mudadas se houver o consenso do grupo.

Entre 7 – 8 a 10 anos de idade, é o período onde a criança passa a seguir as regras e percebe para isso a necessidade do respeito mútuo e a descentralização de pontos de vista. Como quer vencer, esforça-se e então observa as regras comuns. Assim...

é mesmo na hora de jogar que essas crianças conseguem se entender, seja imitando aquele que parece mais bem informado, seja principalmente deixando de lado todos os pontos que poderiam dar lugar à dúvida. Fazem assim, uma espécie de jogo simplificado (PIAGET, 1994, p. 44).

Observa-se neste estágio, um interesse social na criança, a cooperação se faz presente na interação entre as crianças. Piaget destaca que, desde muito cedo, a criança já convive num clima de regras impostas pelo adulto e distingue dois tipos de relações sociais: a coação e a cooperação. A coação acontece quando algo é imposto externamente à criança; observa-se aí o respeito unilateral, enquanto que a cooperação envolve o respeito mútuo e os acordos acontecem entre iguais. Quando a criança respeita as regras, entre 7 e 10 anos, é devido à coação que ainda não cedeu lugar à cooperação. É a partir dos 10 – 11 anos que a criança passa a ter consciência das regras e que as mesmas podem ser mudadas, desde que haja

comum acordo entre todos e um comportamento autônomo, que decide pelo melhor para todos, tomando o lugar da heteronomia.

Por exemplo:

MALB (doze anos) pertence ao quarto estágio no tocante à prática das regras. Todos jogam como você me mostrou? – Sim. – E antigamente jogava-se dessa maneira? –

Não. – Por quê? – Empregavam-se outras palavras. – E as regras? – Também não, porque meu pai disse que ele não jogava assim. – Mas, em seu tempo, jogava-se

com as mesmas regras? – Não inteiramente com as mesmas regras. – E a regra de não se deixar bater? – Penso que veio depois. – Quando seu avô era pequeno, jogavam-se bolinhas? – Sim. – Como agora? – Não, havia outros tipos de jogo. – E no tempo da batalha de Moral? – Não, não creio que se jogasse nessa época. – Como você acha que começou o jogo de bolinhas? – Primeiro, entre as crianças,

que procuravam pedrinhas arredondadas. – E as regras? – Acho que as crianças jogavam a partir da “coche”. Em seguida, os meninos quiseram jogar de outra maneira e inventaram outras regras... (PIAGET, 1994, p. 61-62).

Apesar de a criança, a partir dos 7 – 8 anos, estar já no estágio da cooperação nascente, não é suficiente para se libertar do “poder” da autoridade imposta pela coação. Somente com a prática das regras e a interação entre iguais é que a coação dará lugar à cooperação e, assim, a criança vai percebendo que as regras podem sofrer variações e, então, de forma contínua, observa-se o comportamento que se modifica e a criança passa a tomar suas decisões com mais segurança e autonomia.

Para Wadsworth...

autonomia cognitiva e afetiva surge dos esforços das crianças no sentido da auto- regulação. O ato de construção do conhecimento – assimilação e acomodação – é um ato de auto-regulação e é autonomia em ação. Desde o nascimento, as crianças lutam para “dar sentido” às suas experiências, a fim de assimilar o mundo à sua volta e de ser autônoma em sua construção do conhecimento cognitivo e afetivo. Portanto, autonomia pode ser entendida como um hábito que as crianças podem começar a desenvolver muito cedo. Um período chave no desenvolvimento contínuo da autonomia afetiva é o estágio operacional concreto, quando as crianças normalmente mudam de uma perspectiva moral baseada no respeito unilateral para uma perspectiva baseada no respeito mútuo. As relações sociais cooperativas com os adultos (pais e professores) e com os colegas tornam-se necessárias (WADSWORTH, 1996, p. 102).

Com o egocentrismo já resolvido, a criança passa cada vez mais a descentrar seus pontos de vista e observar mais as transformações, contribuindo assim para o desenvolvimento da reversibilidade do pensamento.

Em Piaget (1975, p. 216), tem-se:

já se viu que o jogo de regras marca o enfraquecimento do jogo infantil e a passagem ao jogo propriamente adulto, que não é mais uma função vital do

pensamento, na medida em que o indivíduo se socializa. Ora, o jogo de regras apresenta precisamente um equilíbrio sutil entre a assimilação ao eu – princípio de todo jogo – e a vida social. Ele é ainda satisfação sensório-motora ou intelectual e, ademais, tende à vitória do indivíduo sobre os outros.

Segundo Monteiro (1998), a interação social e os jogos de regras contribuem para a descentralização do próprio ponto de vista e contribui para o desenvolvimento cognitivo, afetivo, social e moral da criança.

Destaca-se em Montangero e Naville (1998, p. 24) que, a concepção piagetiana do social, refere-se não a uma entidade (a Sociedade, segundo Durkheim), mas a um processo, o das relações entre todo e partes. Focaliza assim, que com a dominação do todo sobre as partes, tem-se a coação; se as partes mantêm o domínio, tem-se o egocentrismo e com o equilíbrio das partes e o todo, tem-se a cooperação entre os sujeitos.

O constante confronto de pontos de vista que a criança vive com seus pares, contribui para que critique seus pensamentos e suas ações, preocupando-se em defendê-los ou mudá-los e, dessa forma, conquistar gradativamente sua autonomia cognitiva e moral.

CAPÍTULO III

OS CAMINHOS DA PESQUISA: METODOLOGIA

Para atender aos objetivos propostos no estudo, que partiram da construção do número à resolução de problemas escritos e à construção do raciocínio verbal em crianças da 1ª série do Ensino Fundamental por meio de reconstrução e ressignificação de experiências, adotou-se a pesquisa quase-experimental com duas turmas de 1ª série de uma Escola Classe do Plano Piloto em Brasília (DF). Uma das turmas ficou como grupo de controle e outra como grupo experimental.

Em Campbell – Stanley (1979, p. 13), tem-se:

o processo de comparação, de anotação de diferenças ou de contraste é essencial à evidência científica (e a todos os processos de diagnóstico do conhecimento que incluem a retina do olho). Qualquer aparência de conhecimento absoluto ou de conhecimento intrínseco acerca de objetos singulares isolados resulta ilusória após a análise. A evidência científica exige pelo menos uma comparação; para que tal comparação possa ser útil, ambos os lados dela devem ser tratados com o mesmo cuidado e com a mesma precisão.

Dancey – Reidy (2006, p. 35) destacam a alocação não-aleatória dos participantes e a análise por comparação entre grupos como características de uma pesquisa quase- experimental e por esta razão pode-se ter uma redução na validade das conclusões baseadas nas técnicas estatísticas.

Para efeito deste estudo, optou-se pela pesquisa quase-experimental ainda que diante da impossibilidade de generalização externa tendo em conta que, apoiado nos estudos da Epistemologia Genética o objetivo foi mostrar como a criança aprendeu. O delineamento da pesquisa adotado possui elementos que possibilitaram a validação interna

A escolha do grupo de controle e do grupo experimental foi por amostra não aleatória ou por conveniência, optou-se pela escolha da classe toda sem fazer a criança mudar de ambiente.

Os dados foram coletados por meio de pré-teste e de pós-teste, bem como pelo registro das atividades de algumas crianças do grupo experimental.

Os jogos de regras foram trabalhados com as crianças construindo e reconstruindo operações nas ordens direta, inversa, associativa, comutativa e idêntica, nos parâmetros dos princípios do grupo matemático.

um grupo é, com efeito, um conjunto fechado de operações de tal ordem que o seu resultado se reúne ao seu ponto de partida mediante um exercício do próprio

conjunto. A esse respeito, é certo que, do ponto de vista do observador, toda a

atividade coordenada do sujeito envolverá a existência de grupos de deslocamentos. Entende-se assim, o grupo como uma organização dos deslocamentos espaciais do sujeito na exploração do objeto. Falar em grupo é falar em assimilação, ou seja, falar no aprender a aprender.

Documentos relacionados