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Os jovens atuais e a necessidade de mudança

Capítulo 1 A escola atual e a inovação pedagógica

1.3. Os jovens atuais e a necessidade de mudança

Até aos anos noventa as coisas demoravam muito a acontecer. O imediatismo a que um jovem está habituado não tem comparação com esse passado recente. A tecnologia permitiu diversificar as ofertas culturais na sociedade em que vivemos e popularizar os consumos, fazendo com que tudo aconteça muito rapidamente. A omnipresença da tecnologia trouxe mudanças no modo como vivem os jovens, como se relacionam, como se identificam uns com os outros em todas as áreas.

A cultura dos jovens dos anos 80, associada a um espaço territorial específico não é mais a mesma. Atualmente os territórios são virtualizados e estão à distância de um “clique”. Podemos estar rodeados, em segundos, de outros com os mesmos gostos, em qualquer comunidade da rede. Traçar o perfil de um jovem a partir dos seus consumos culturais, não é nos nossos dias tarefa fácil.

A maior parte dos jovens tem hoje uma relação com o mundo mediada pela tecnologia e aquilo que consomem e partilham tem um papel determinante naquilo que escolhem e querem fazer.

As famílias atuais também se modificaram, e apesar de não perderam a sua influência sobre os consumos culturais dos jovens, deixaram de monopolizar a socialização do gosto. As relações entre pais filhos são menos autoritárias, e mais negociáveis e a mediação com amigos e colegas é muito mais forte.

Para além das mudanças ocorridas na organização familiar (Pinto et al, 2000), a nossa cultura já admite graus muito importantes de diversidade e de opção em tudo o que respeita a estilos de vida. Os adultos atualmente não assumem a socialização das gerações mais novas como sendo a transmissão de um determinado e único sistema de valores. Hoje, existe uma maior margem para a opção, para a dúvida e para a construção de identidades próprias.

De acordo com Pinto et al (Op. cit.) a cada dia que passa assistimos a um processo mediante o qual, os conteúdos de formação cultural básica começam a ser transmitidos de um modo diferente do que acontecia no passado. Os adultos significativos, ou seja os adultos importantes para a formação das crianças tendem a diferenciar-se e, na realidade, não sabemos ainda que efeitos serão provocados, a longo prazo, por essas mudanças.

Para Fortuna e Silva (2002) a família é claramente uma instância em perda no que toca à influência social e cultural dos jovens. Estes autores defendem a existência

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de um decréscimo da influência familiar que pode explicar-se essencialmente por dois fatores: a importância cada vez maior dos amigos e a alteração do próprio espaço doméstico, pois atualmente assistimos a uma cada vez mais “hiperindividualização” das famílias e devido ao tipo de casas onde vivem e a pouco se encontrarem, mesmo quando estão todos em casa, reduzindo-se por isso as hipóteses de influenciar o gosto. A ideia de que os jovens estão cada vez mais fechados em casa, segundo estes autores, também não corresponde à realidade. O seu estilo de vida é absolutamente grupal e é com esse grupo que saltam os muros da escola, que criam circuitos no seu território de afirmação e de diferenciação.

Tecnologia, escolaridade e urbanização são os principais eixos à volta dos quais se alteraram os consumos culturais dos jovens nos últimos vinte anos. De acordo com Fortuna e Silva (Op. cit.) a vida deles é um somatório de "agoras", em que o tempo é permanentemente interrompido pelo email, os sms e o Facebook. No entanto, é pela plataforma digital que passam grande parte dos seus consumos culturais, sendo a rapidez determinante, tal como a diversidade de escolhas, a liberdade do acesso, o contacto direto com os amigos, e a experiência.

Cabe-nos, aqui fazer uma reflexão sobre os jovens que atualmente frequentam as nossas escolas. Quem são realmente os jovens que temos como população estudantil?

Os jovens de hoje, (Prensky, 2001) já não são a população estudantil para a qual os sistemas de educação foram desenhados. Os jovens atuais encontram-se mudados, não só no seu aspeto exterior ou estilos, mas apresentam-se radicalmente mudados. Prensky, chama a essa mudança uma descontinuidade que fez mudar as coisas de tal forma que não há memória no passado. Esta singularidade, foi provocada pela chegada e disseminação da tecnologia nas últimas décadas do século XX. Os estudantes atuais tiveram na sua vida inteira acesso a computadores, jogos eletrónicos, câmaras de vídeo, telemóveis e todos os brinquedos da era digital. Um aluno que se encontra atualmente na faculdade, passou cinco mil horas a ler, dez mil horas a jogar jogos de vídeo e vinte mil horas a ver televisão. Os jogos de computador, o correio eletrónico, a internet, os telemóveis e as mensagens são parte integrante da sua vida.

Para este autor, mediante a interação com as tecnologias, os jovens de hoje não podem ser iguais aos seus antecessores e estas diferenças são mais profundas do que a maioria dos educadores pode suspeitar.

De acordo com Bruce D. Perry, professor da faculdade de medicina de Baylor, citado em Prensky (Op. cit.) os diferentes tipos de experiências a que cada indivíduo

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tem acesso, conduzem a estruturas diferentes do cérebro, sendo muito provável que os cérebros dos nossos jovens tenham mudado fisicamente e sejam diferentes dos nossos, como resultado da sua interação com a tecnologia.

Gardner (2007) acredita que nós como seres biológicos complexos, evoluímos muito lentamente. Apesar de compreendermos o que fizeram os nossos antepassados, e eles possivelmente também nos compreenderem, a nossa cultura ao longo do tempo tem mudado muito rapidamente, assim como os nossos hábitos e modos de pensar se alteram por adaptação a outras culturas e lugares. Deste modo, Gardner, revela que não tem dúvidas sobre o facto de que os novos meios digitais irão mudar a nossa mente e a forma de processar informação e, embora os efeitos mais profundos sejam lentos, tal qual se processa a evolução, os meios digitais têm o poder de mudar qualitativamente a nossa experiência de vida, pois a maioria dos objetos (animados e inanimados) com os quais mantínhamos relações, existiam no mundo natural, num determinado tempo e espaço, com o aparecimento da tecnologia começaram a ser representados de uma forma diferente, virtual, onde o tempo e o espaço se tornaram relativos, proporcionando assim experiências de vida qualitativamente diferentes.

A evolução diz-nos que, ao longo do tempo e perante modificações do meio, os indivíduos vão selecionando os aspetos mais adequados à sua sobrevivência. O mais apto não é o mais forte, mas aquele que ao longo do tempo se consegue reproduzir melhor e dar origem a mais descendentes, dada a modificação ocorrida (Darwin, 2003).No entanto estas alterações são lentas, graduais e não contemplam todos os indivíduos de igual forma.

A respeito da forma como o cérebro evoluiu, Damásio (2010) refere no seu mais recente livro, O Livro da Consciência, que o cérebro resulta de uma elaboração progressiva que começou com um simples ato reflexo. Com a evolução, teriam sido acrescentados mais neurónios entre os já existentes, os inter-neurónios. Ao longo do percurso evolutivo o cérebro desenvolveu sistemas que mapeiam os estímulos. Damásio, diz que “o cérebro viria a acrescentar um processo de identidade a essas mentes, o que permitiu a criação de novas reações” (p.382) e quando nos seres humanos essas mentes conscientes se organizaram em coletivos de seres semelhantes, a criação de culturas tornou-se possível a par da sua dedicação a artefactos externos, culturas essas, que por sua vez influenciaram o funcionamento do cérebro ao longo das gerações. De acordo com Damásio, todos nascemos com determinados padrões de conexão dispostos segundo as instruções dos nossos genes. Essas conexões já foram

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influenciadas no útero por vários fatores ambientais. Depois do nascimento continuam a acontecer mas com as nossas experiências individuais em ambientes únicos, agindo sobre as primeiras e tornando-as mais fortes e algumas mais fracas, engrossando ou estreitando os cabos na rede, sempre por influência das nossas atividades. A aprendizagem e a criação de memórias, segundo este autor é simplesmente o processo através do qual esculpimos, moldamos, fazemos e refazemos, os diagramas de conexão do nosso cérebro individual.

Se o cérebro dos jovens mudou ou não, (Prensky, 2001) não sabemos, mas uma coisa pode ser dita, é que o padrão de pensamento dos jovens atuais está mudado.

Admitindo esta mudança de padrão de pensamento, Prensky chama aos jovens atuais os “nativos digitais” por todos terem em comum uma linguagem digital, quando comparados com pessoas de gerações antecessoras que não nasceram na era digital ou que não tiveram o mesmo tipo de interação com a tecnologia. Estes últimos, designa-os por “emigrantes digitais”, pois não aprenderam a linguagem digital nativa mas sim uma linguagem com “sotaque” por terem feito uma adaptação a esta nova linguagem. Os indivíduos “emigrantes digitais” foram socializados recentemente, de uma forma diferente dos mais novos, estando ainda em processo de aprendizagem de uma nova língua, e quando uma língua é aprendida mais tarde, segundo os cientistas, ela vai entrar numa parte diferente do cérebro. Os mais velhos, “emigrantes digitais”, são atualmente por exemplo os professores, esforçando-se para ensinar uma população que fala uma língua inteiramente nova, sendo a escola de hoje, um local com uma população inteiramente constituída por jovens “nativos digitais”. Habituados a receber informação de uma forma extremamente rápida, os aprendizes de hoje preferem as atividades no computador onde podem fazer muitas tarefas ao mesmo tempo, com acesso aleatório e atividades que impliquem jogos, onde se divertem e recebem constantemente recompensas.

Prensky, salienta que os professores, têm tipicamente uma fraca apreciação para estas novas habilidades que os alunos adquiriram e aperfeiçoaram em todos os anos em que interagiram com a tecnologia, considerando mesmo, que utilizar a tecnologia será na maior parte das vezes um divertimento. Entretanto, os aprendizes atuais, são ainda considerados os mesmos de sempre pelos professores, e os métodos de ensino que lhes são aplicados hoje são os mesmos que os professores receberam em crianças. Prenskey menciona que esses pressupostos já não são válidos atualmente, gerando um grave problema, pois os estudantes da era digital estão a aprender segundo os métodos antigos, do tempo dos professores. Coloca-se então aqui um problema: que escola estamos a proporcionar aos jovens quando

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continuamos a aplicar os métodos antigos? Quem tem de mudar? Os professores têm de aprender o que é novo? Ou os jovens aprender a escola do passado?

Na verdade e, segundo este autor, também não importa o que os professores desejam, pois é altamente improvável que os “nativos da digital” regridam, o que tornará difícil ensiná-los. Em primeiro lugar, os seus cérebros podem já ser diferentes, e em segundo lugar estão carregados de uma cultura nova pela aprendizagem de uma linguagem nova e de fácil acesso, resistindo a usar o “velho”.

Nesta linha, Prensky defende que os professores têm de mudar em primeiro lugar a sua metodologia para aprender a comunicar com os alunos na linguagem e estilo dos seus estudantes, para isso não é necessário mudar o significado do que é importante, mas ir ao encontro dos alunos de forma mais próxima àquela que eles estão habituados a usar. Em segundo lugar, diferenciar aquilo que deve ser considerado um “legado”, que inclui a leitura a escrita, aritmética, o pensamento lógico, a compreensão de ideias escritas e ideias do passado, ou seja todo o nosso currículo tradicional, que é naturalmente importante mas de uma era diferente, daquilo que é o “conteúdo futuro” que tem uma grande extensão, digital e tecnológica, incluindo o software, o hardware, a robótica, o nanotecnologia e a genética. Passando também pela ética, política, sociologia, línguas e as outras realidades que lhe são inerentes.

O “conteúdo futuro” é sem dúvida o mais interessante para os jovens de hoje mas quem está preparado para ensiná-lo? Como educadores, necessitamos pensar sobre como ensinar ambos, o legado e o futuro na língua dos “nativos digitais”. O primeiro envolve uma tradução e uma mudança principais da metodologia; o segundo envolve todo o anterior, e uma nova maneira de pensar.

Prensky deixa-nos sem dúvida um desafio, ou pelo menos uma reflexão urgente. Como integrar na escola que temos todas estas mudanças, se não reconhecemos os jovens com quem trabalhamos atualmente. Não é pois de admirar, que a escola seja nos nossos dias encarada com algum pessimismo por parte de quem a frequenta.