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CAPÍTULO II – DUAS CASAS, UM MESMO RETRATO: a desconstrução da família

2.2 Os Laços de família: a família burguesa em desordem

Todas as famílias felizes se parecem, cada família infeliz é infeliz à sua maneira.

Liev Tolstói

Em Ciranda de Pedra a protagonista Virgínia, quando criança, é instigada por meio de uma tarefa escolar a fazer uma redação sobre a “Descrição de uma família”, a menina então idealiza a imagem de uma família patriarcal tradicional: “Podia escrever sobre um homem do campo voltando para casa, a enxada no ombro, contente porque sabe que à sua espera estão a mulher e os filhinhos” (CP, p. 30). Tão contrária ao modelo familiar da heroína, essa descrição serve como ponto de partida para a reflexão sobre os laços de família representados nas obras em análise. Assim, veremos nesse tópico como é construído o comportamento das personagens no seio familiar e como suas ações na narrativa desencadeiam o efeito de verdade das obras.

A família patriarcal, que até o século XIX foi o modelo predominante no Brasil, segundo Candido (1951), é a base pela qual se desenvolveu a família burguesa moderna. Em ambas as estruturas, o pai surge como o ser superior que dá segurança ao lar, toma as decisões quanto ao destino dos filhos e zela pela moral da família. À mãe compete a responsabilidade de educar os filhos e cuidar das tarefas domésticas. Os filhos dão continuidade ao sobrenome da família, mantendo a tradição, seguindo o exemplo do patriarca. Contudo, o que distingue esses dois modelos familiares é a extensão de membros sob a tutela do pai, que diferente da nuclear burguesa a família patriarcal é composta pelo esposo, esposa, filhos, genros, noras, netos, parentes, agregados e empregados, sendo mais comum de ser encontrada nas áreas rurais que nas urbanas.

Ocorre que no transcorrer do século XX a soberania do pai foi aos poucos esmaecendo, isso se deu especialmente em decorrência do aumento do número de mulheres que decidiram trabalhar fora do lar e pela progressiva independência dos filhos, também por meio do trabalho longe da redoma paterna. De acordo com Candido (1951, p. 18), a transformação no âmbito familiar teve como característica

mais expressiva “a diminuição em primeiro lugar, seguido pela decadência, e hoje a extinção do pai como líder do grupo, graças, sobretudo a divisão do trabalho social”7. Nas obras Ciranda de Pedra e Verão no Aquário, podemos observar claramente esse enfraquecimento da figura paterna. À medida que as narrativas vão se desenvolvendo a imagem do pai vai ficando cada vez mais apagada, vai desaparecendo das histórias. Seja por preferir o isolamento e se esconder no trabalho como observamos em Natércio, no primeiro romance, ou por razão da ausência ocasionada pela morte e sucessivo esquecimento, a exemplo de Giancarlo, na segunda obra, os laços paternos são os mais frágeis, resultando na morte social “da figura do pai”, da qual fala Massimo Canevacci (1982, p. 37) em seu livro Dialética da Família.

Ora, nas famílias de base patriarcal, como é a burguesa, a presença do pai por meio da sua autoridade representa o alicerce do lar, ele é o ser a quem todos devem obediência e respeito, acatando as suas ordens e decisões. Logo, sem um ideal de autoridade a família fica desestabilizada e “se torna um foco de pulsões destrutivas e autopunitivas” (CANEVACCI, 1982, p. 33). Nos romances lygianos em estudo, a autoridade dos “chefes de família” é posta em questionamento de um lado pelo abalo moral causado pelo escândalo da infidelidade da esposa e consequentemente a separação matrimonial (Ciranda de Pedra) e do outro pelo alcoolismo e frustração econômica (Verão no Aquário).

Doutor Natércio é de pouca fala, um homem corneado como ele foi não tem mesmo muito assunto (CP, p. 90).

[...] Giancarlo... Bem, ele era uma flor mas não tinha mesmo jeito para nada. Perdeu a farmácia, foi lesado numa firma, tudo para ele corria tão mal! E tinha ainda essa coisa de beber [...] (VA, p. 111).

Se em Ciranda de Pedra vemos um pai que por consequência do orgulho ferido tornou-se mais casmurro, ríspido e fechado para o diálogo com as filhas; em Verão no Aquário observamos um pai mais carinhoso e presente na vida da filha, porém, socialmente é um fracassado. Natércio é o advogado bem sucedido e extremamente rico e que, no entanto, não servia de inspiração para a família. Giancarlo é o farmacêutico estrangeiro que, com seus gestos delicados e falta de

7 The most significant feature of the change was the diminution at first, followed by the decadence,

and today the extinction of the father as a group leader, thanks above all to the division of social labor (CANDIDO, 1951, p.18).

objetivos, não tinha fibra para manter-se como exemplo e chefe do núcleo doméstico. Em razão disso, a imagem desses dois pais funciona como reflexo negativo na formação das filhas, o que ocasiona a instabilidade comportamental das jovens, em especial das protagonistas, visto que elas são as mais atingidas pela falta do pai em seus trajetos de crescimento pessoal.

Dentre os estudiosos da família, como, por exemplo, Alexander Mitscherlich (1982), é comum a ideia de que a ausência paterna acarreta nos filhos certo desajuste emocional e na conduta social. Isto ocorre porque “os modelos de comportamento das figuras primordiais, o pai e a mãe, são assumidos e interiorizados” pelo filho, causando um processo de “identificação-imitação” (MITSCHERLICH, 1982, p. 237). Desta forma, Virgínia e Raíza em um primeiro momento da narrativa passam por essa identificação com a figura paterna, com grande veneração pelo pai o que ocasiona, em contrapartida, um conflito com a mãe. No entanto, o que a princípio é percebível como deslumbramento ante a imperiosa imagem do pai, aos poucos vai se transformando em decepção e frustração.

Ela desviou para o chão o olhar magoado. “Até o pai.” Afinal, esperara tanto que ele viesse recebê-la no portão, tomando-a alegremente nos braços. “Que bom, meu bem, que bom você ter vindo morar comigo!” Corrigiu: meu bem, não, que quem a tratava assim era Daniel. O pai dizia apenas Virgínia. “Sim, Virgínia. Não, Virgínia.” Era até um pouco... A palavra quase veia à tona, mas energicamente a empurrou para o fundo. Não, não é que ele fosse

seco, não era isso. Apenas tudo teria sido muito melhor se ele a

recebesse mesmo sem dizer nada.

Foi saindo na ponta dos pés. Ainda voltou-se para vê-lo, mas ele parecia olhar através da janela. “Por que está sempre fugindo de mim?” (CP, p. 78).

Nesses romances lygianos, o pai idealizado pelas protagonistas na verdade não corresponde ao pai real. Filha de pais separados, Virgínia percebe, quando passa a conviver com Natércio, que ele não é o modelo de segurança e amor que ela sonhara quando estava sob a guarda da mãe e do padrasto. Já Raíza reluta bastante em desmistificar a imagem de Giancarlo, que falece no período da infância da heroína. Se prendendo às constantes lembranças dele, a heroína tinha ciência das falhas paternas, mas ignorava-as: “debaixo da poltrona estava escondido um copo de vinho tinto. E se minha mãe entrasse de repente e descobrisse aquele

copo? Escorreguei para junto da poltrona, pousei o sapato e enlacei as pernas. Agora ela não podia ver o copo” (VA, p. 126).

Contemplamos então, nessas obras, os perfis de dois pais que se diferenciam na maneira de tratar as filhas (um com frieza e outro com meiguice), mas que são semelhantes quando se trata da desconstrução do modelo ideal que se espera de um pai – tão preconizado pela estrutura familiar burguesa –, isto é, o exemplo que vai servir de referência ética e moral para os filhos. Os laços paternos que deveriam conferir o aspecto de proteção e equilíbrio ao lar na verdade representam a falta de harmonia e a vulnerabilidade familiar.

Enquanto em Verão no Aquário a ausência de Giancarlo se dá pela morte física, em Ciranda de Pedra, Natércio se faz ausente pela morte social, seu túmulo é o escritório, que semelhante ao dono possui um aspecto tão sombrio quanto melancólico:

Apagou a luz e o globo voltou à sua opacidade. Assim apagado, sem alma, ele combinava bem com a mesa de Natércio que, à força de recebê-lo todos os dias, acabara adquirindo-lhe a feição: pesada, austera, sem nenhum objeto mais pessoal. Jamais devia ter tido a presença de um retrato. De uma flor (CP, p. 187).

A reclusão de Natércio no escritório, assim como a de Giancarlo no sótão, evidencia o distanciamento da figura paterna do núcleo familiar. Esses espaços confirmam a anulação do pai nessas obras, pois são lugares de afastamento e solidão. Deste modo, o lado paterno não tem o domínio sobre a ordem do lar, ele não inspira respeito, não decide sobre as regras da casa, não impõe limites às filhas, e também não as ajuda a enfrentarem o mundo. Daí a crise de identidade das protagonistas, visto que sem o apoio afetivo do pai elas crescem hesitantes e sem confiança para se relacionarem com o outro, quer seja parente ou não.

Quanto a essa reação do filho à ausência do pai em sua formação, Mitscherlich (1982, p. 240-241) explica que sem a ativa presença paterna o filho transforma-se em um ser fragmentado, com espaços vazios em seu desenvolvimento, causando-lhes mutilações no âmbito pessoal e social, lacunas essas que recaem “sobre a formação e sobre a orientação geral que os pais transmitem aos filhos”. Essa mesma ideia está presente também nos estudos de Erich Fromm (1995, p. 67), para quem “o pai é aquele que ensina ao filho, que lhe mostra a estrada do mundo”. Portanto, a formação de Virgínia e Raíza como seres

autônomos se mostra delicada e complexa, porque a base familiar do lado do pai é apagada e do lado da mãe é crítica, visto que os laços maternos desses romances também representam o avesso da idealização sobre a maternidade construída pelo patriarcalismo e pela ideologia da família nuclear.

Na família burguesa tradicional, a figura da mãe era exemplo de amor e de cuidado tanto para o marido quanto para os filhos. Ela, como “rainha do lar” tinha a missão de deixar a sua casa como um verdadeiro paraíso, zelando sempre pelos bons costumes. Essa imagem da mulher, que perdurou durante o século XIX e início do século XX, restringia os espaços de atuação feminina unicamente ao lar. Segundo Maria Ângela D’Incão (1997, p. 230), quando a mulher saía do ambiente privado para um espaço público era unicamente com o objetivo de “contribuir para o projeto familiar de mobilidade social através de sua postura nos salões como anfitriãs e na vida cotidiana, em geral, como esposas modelares e boas mães”.

Contudo, já vimos que nos romances em estudo as mães não seguem esse ritual burguês, ao contrário, elas desconstroem essa imagem e também se mostram, assim como os pais, impotentes no processo de crescimento das filhas. Em Ciranda de Pedra, o delicado estado mental de Laura não a permite ser um exemplo positivo para as três meninas: Bruna, Otávia e Virgínia. Em Verão no Aquário, Patrícia assume uma postura idêntica a de Natércio e também se tranca em seu escritório para garantir o sucesso do seu trabalho como escritora e o sustento da casa.

Tanto Laura quanto Patrícia reagem contra a tradição burguesa, rebelam-se e desafiam a ordem vigente. A primeira se cansa da tirania do marido, da falta de carinho das filhas, da vida hipócrita dos parentes e entrega-se ao verdadeiro amor; deixa a sua casa, abre mão da guarda das filhas e vai viver com o amante Daniel.

Fazia anos que eu não ia a nenhuma festa, a parte alguma, ele [Natércio] detestava sair comigo, nosso passeio era visitar a família, ficar horas e horas na saleta dourada, cheia de mortos e de retratos de mortos, ouvindo as gêmeas tão iguais! Uma recitava, depois a outra cantava, depois a outra recitava, alternadamente... Você tem suas filhas!, ele costumava me dizer. Minhas filhas... Eram minhas? Bruna, que parecia uma inimiga, pronta sempre para me julgar. Tão dura. E Otávia sempre tão distante, lá longe com seus cachos... Era graciosa a minha Otávia com aqueles seus cachos, abracei-a tanto, fica comigo, só tenho você! Então ela choramingava, não, mamã, num quelo, cê dismancha meu tachinho... (CP, p. 37).

A opressão de Laura na casa de Natércio era tão forte que a levou ao desajuste mental. A doença, que foi usada como desculpa ante a sociedade conservadora do livro, para a atitude transgressora da personagem, foi também a sua libertação das obrigações familiares. Como mãe, Laura não teve a oportunidade de orientar às suas filhas quanto à vida e de agir conforme os parâmetros sociais de maternidade, seu tempo na narrativa é curto, no entanto é primordial para compreendermos os desajustes da família burguesa representados na obra.

O relacionamento extraconjugal de Laura com o médico Daniel é a complicação que faz Ciranda de Pedra já iniciar de maneira dinâmica porque a força perturbadora desse ato “impensado” cometido por uma esposa burguesa, que deveria ser uma mulher de coração dedicado incondicionalmente ao seu lar, compromete a honra do marido e das filhas perante a sociedade. A separação ou o desquite, tão assustador para as mulheres dos anos dourados, não foi empecilho para Laura que mesmo sofrendo por causa dos preconceitos das mulheres e dos homens honrados não voltou atrás em sua decisão.

Em Verão no Aquário, a mãe Patrícia tem as características que comumente são atribuídas ao pai: ela controla a família, torna-se a chefe do lar e com a publicação dos seus livros consegue reerguer a frágil situação financeira da família, causada pela fraqueza do esposo. A mulher que geralmente é representada pelo estereótipo da delicadeza e candura, nessa obra aparece exatamente como o oposto: enquanto Giancarlo é comparado a uma flor, por seu caráter meigo e romântico, Patrícia é racional, bastante fria, sempre distante, reservada, indecifrável como uma esfinge: “pena não saber o que era esfinge para então desenhar uma e seria esse o retrato da minha mãe. ‘É uma esfinge!’, disse dona Leonora à mulher dos tricôs” (VA, p. 16).

Segundo Chevalier & Gheerbrant (2012, p. 390), a esfinge que na Grécia antiga tinha o sentido da tirania e da destruição, no decorrer “de sua evolução no imaginário veio a simbolizar o inelutável”. Essa palavra que quando é aludida sempre nos “faz pensar em enigma, evoca a esfinge de Édipo: um enigma opressor. Na realidade, a esfinge se apresenta no início de um destino, que é ao mesmo tempo, mistério e necessidade”. Deste modo, como a esfinge, Patrícia é – para a filha – uma mulher autoritária, pois governa a sua família sem opositores à maneira de um patriarca opressor; seu ofício de escritora e seu estilo de produzir obras literárias herméticas lembra a sabedoria incompreensível dos enigmas do mito:

“Minha mãe gostava de colecionar palavras, há anos que as colecionava cuidadosamente: eram todas belas e cheiravam a dicionário, perfeitas por fora, mas só a casca intacta desde que por dentro já não havia mais nada” (VA, p. 84).

Dos dois romances em análise, Verão no Aquário é o que possui os laços maternos mais complicados. Isso acontece porque Raíza vê na imagem da mãe uma inimiga difícil de vencer. No entanto, diferente da mitologia grega, quem se entrega ao abismo é a própria filha que não consegue desvendar o segredo da mãe com o jovem André e por isso se martiriza durante todo o enredo (sobre isso nos deteremos no terceiro capítulo deste trabalho). Portanto, aos olhos de Raíza a mãe é, além de esfinge, um ser indiferente aos seus problemas e aos dos demais membros da família, semelhante ao quadro de Watteau8 – citado na obra – a filha delineia a progenitora ante o leitor como uma mulher alheia aos conflitos familiares e dedicada apenas ao seu trabalho:

Minha mãe. Chovia? Fazia sol? Eu ficara grávida? Marfa aparecera bêbada? Tio Samuel fora para o hospício? Meu pai fora para o inferno? Não, nada disso tinha a menor importância. O importante era que ela escrevesse seus livros. Podia um vulcão romper no meio do jardim público e haver um fuzilamento em massa na esquina e a lua dar um grito e se despencar lá do alto... Ela não queria saber de nada. Ou melhor, queria saber mas era como se não tivesse sabido. Ouvia. Calava. E muito tesa e muito limpa, sentava-se diante da máquina, punha os óculos e começava a escrever (VA, p. 67).

Ao queixar-se sobre a falta de envolvimento da mãe nas questões individuais dos familiares, Raíza deixa transparecer a sua concepção sobre a maternidade de acordo com o mito feminino construído pela moral burguesa e relacionado ao amor materno. A mãe burguesa, com seu amor incondicional, jamais deveria abandonar os passos dos filhos, nem lhes dá liberdade para crescerem longe de sua proteção, porque a prioridade na vida dessa mãe deveria ser, sempre, a irrestrita dedicação à sua prole.

Sobre isso, Elisabeth Badinter (1985, p. 238) escreve, em Um Amor Conquistado: o mito do amor materno, que quando a psicanálise e a sociedade definiram a mãe como a principal responsável pela promoção da felicidade do filho, essa obrigação despontou na limitação da atuação social da mulher, porque ao ser confinada ao “seu papel de mãe, a mulher não mais poderá evitá-lo sob pena de

8 O indiferente – L’indifférent – é uma obra do pintor francês Jean-Antoine Watteau. Pintado em 1717,

condenação moral”, uma vez que, “ao mesmo tempo em que se exaltavam a grandeza e a nobreza dessas tarefas, condenavam-se todas as que não sabiam ou não podiam realizá-las à perfeição”. Assim, a censura tanto de Raíza quanto de Bruna – primogênita de Laura, em Ciranda de Pedra – ao perfil de suas mães se dá justamente a partir dessa concepção sócio-ideológica que considerava esse ideal de maternidade como inato à “natureza feminina”: “Nossa mãe está pagando um erro terrível, será que você não percebe? Abandonou o marido, as filhas, abandonou tudo e foi viver com outro homem. Esqueceu-se dos seus deveres, enxovalhou a honra da família, caiu em pecado mortal!” (CP, p. 43, grifo nosso).

Os deveres da mãe burguesa, corrompidos por Laura e Patrícia, preconizam os valores morais cristãos, o qual santifica a imagem da mãe e propagam a ideia da sagrada família. Então, ao quebrarem a harmonia “sagrada” do lar com seus comportamentos transgressores essas mães provocam nas suas filhas uma confusão interior semelhante a que fora causada pelo desamparo do pai. Nesses lares, em que o desajuste entre os laços paternos e maternos predominam, os que mais sofrem com as tensões domésticas são os filhos, visto que eles são testemunhas do fracasso dos pais e não têm neles o melhor exemplo. Apesar disso, há aqueles filhos que conseguem fazer do fracasso familiar um aprendizado, enquanto outros repetem os mesmos erros dos pais em uma espécie de determinismo.

Nos romances em análise, temos exemplos desses dois tipos de reação entre as filhas das famílias principais: as heroínas, Virgínia e Raíza, amadurecem e se aperfeiçoam a partir das confusões familiares, enquanto isso Bruna e Otávia, de Ciranda de Pedra, não conseguem avançar e tornam-se adultas fadadas ao mesmo destino dos pais. As irmãs mais velhas de Virgínia são as típicas moças burguesas, educadas para se tornarem mães e mulheres prendadas para o lar. Entretanto, assim como Laura e Natércio, essas jovens não seguem o caminho traçado para as suas vidas e também violam a moral patriarcal da família nuclear. As três irmãs são semelhantes aos “três estilos de mulher” categorizados pela escritora Susana Pravaz (1981), assim sendo, Bruna, Otávia e Virgínia representam, respectivamente, a mulher doméstica, a mulher sensual e a mulher combativa.

Para essa autora, a mulher doméstica é àquela que se realiza no lar, como uma boa esposa e excelente mãe. Ela é fruto de uma extensa tradição de mães exemplares ou pode surgir “como uma resposta crítica à falta de uma mãe que tenha

cumprido satisfatoriamente tal papel” (PRAVAZ, 1981, p. 67). Por conseguinte, a mulher doméstica é responsável por manter a tradição e passá-la adiante às suas filhas e netas. Seu corpo é exclusivamente templo da procriação, ter filhos é “a definição de sua identidade, de sua apresentação no mundo” (PRAVAZ, 1981, p. 85).

Já a mulher sensual se caracteriza pela utilização do seu corpo como fonte de prazer. Sem pretensões para o matrimônio essa mulher tem como objetivo ser sempre o centro das atenções dos que estão a sua volta, seu alvo é a conquista do sexo oposto, é fazer o homem perder a razão e dedicar-se a atender aos seus desejos. De acordo com Pravaz (1981, p. 88), para esse estilo de mulher o corpo é o seu atributo principal “com ele, por ele, conquistará e dominará o homem, o fará