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2.1 Revolução Farroupilha

2.1.8 Os Lanceiros e a Revolução Farroupilha

Segundo o decreto de 1º de novembro de 1836, ficou estabelecida a organização do recrutamento para o Corpo de Cavalaria com as Guardas Nacionais de cada município que aderiu à revolução. As Instruções de 4 de outubro de 1837 estabeleceram que o recrutamento passaria a ser feito pelo juiz de paz e o chefe de polícia de cada município, que deveriam selecionar:

Fará dentre os recrutados apurada escolha dos indivíduos de melhor classe por cores, educação, bens e agilidade para o serviço da Cavalaria e Artilharia de Linha, preferindo para esta os que souberem ler e escrever [...]. Fará igual escolha dentre os índios e pretos libertos, fazendo seleção dos mais ágeis e capazes para o Corpo de Lanceiros de 1.a Linha, destinado os outros para o corpo de Infantaria e Caçadores31.

31 GUAZZELLI, Cesar Augusto Barcelos. A República Rio-Grandense e o Rio da Prata: a questão dos escravos libertos. In II Encontro “Escravidão e Liberdade no Brasil Meridional”. Organizadora Regina Célia Lima Xavier.

Porto Alegre: UFRGS, 2005. Caderno de Resumos. p. 7.

Além da seleção, e da divisão por cor, estudo, classe social, o recrutamento também possuía uma peculiaridade. Caso um senhor de terra fosse recrutado para servir o exército, e não quisesse participar da guerra, poderia em seu lugar colocar um escravo, desde que desse a ele a carta de alforria, ou seja, enquanto o “liberto” lutava na linha de frente do exército, o seu antigo dono era isento do serviço em campanha. Muitos estancieiros alistavam seus escravos nas frentes de batalhas com o objetivo de eles mesmos não precisarem ir à luta. Os negros deixavam de cuidar das estâncias onde trabalhavam para lutarem contra os caramurus.

Dessa forma, os negros tiveram uma significante participação junto às tropas farroupilhas contra o império. Chegando a compor no período da Revolução Farroupilha um terço de exército farrapo. Atuaram nas áreas da cavalaria e a infantaria, nas tropas militares criadas em setembro de 1836 e agosto de 1838 respectivamente, as quais foram chamadas de Corpo de Lanceiros Negros.

O Corpo de Lanceiros Negros era composto de negros livres e escravos alforriados, pela nova República, com a promessa de liberdade ao fim da Revolução Farroupilha. A formação do corpo de lanceiros, segundo Moacyr Flores (2004), não surgiu por acaso. Desde o início da Revolução Farroupilha, os índios, os mulatos e os negros, eram usados para compor a 1ª Brigada.

De acordo com Calvet Fagundes (1984), durante o cerco a Porto Alegre, Bento Gonçalves ao avançar contra as tropas imperiais contava com 400 soldados “quase todos de cor preta e com igual número de montaria”32, essa afirmação, indica que as tropas farroupilhas não eram compostas apenas pelos “valorosos” estancieiros, que tanto estavam indignados com os altos impostos cobrados sobre o charque, mas sim pelo Corpo de Lanceiros por falta de homens para a luta armada.

O Governo Imperial, ao reconhecer a importância dos negros para a Revolução Farroupilha, elabora em novembro de 1838, a “lei da chibata”, como forma de coibir o alistamento dos negros no exército revolucionário. Segundo a lei, todo escravo que estivesse participando da Revolução Farroupilha ou fosse preso por defender as causas do inimigo deveria receber de 200 a 1000 chibatadas. Ao mesmo tempo, o governo oferecia carta de alforria a todos os escravos que incorporassem as tropas imperiais. Em represália à lei, os rebeldes farroupilhas divulgaram um ofício no jornal O Povo,

32 FAGUNDES, Morivalde Calvet. História da Revolução Farroupilha. Caxias do Sul: EDUSC, 1989. p. 225.

Caçapava, 11 de maio de 1839 4º da Independência e da República Rio-Grandense.

Tendo o tirânico Governo do Brasil, por aviso da repartição da Justiça, de 15 de novembro de 1838, determinado ao intruso e intitulado Presidente da Província do Rio Grande de São Pedro, a aplicação de 200 a 1000 açoites a todo homem de cor, que livre do cativeiro, em conformidade com as leis desta República, tiver feito parte de sua força armada e vier a cair prisioneiro das tropas chamadas legais, despreza aquele imoral governo toda a espécie de processo e formalidade judiciária para a qualificação daquele suposto crime. Foi em obediência às sagradas leis da humanidade, luzes deste século e aos verdadeiros interesses dos cidadãos de Estado, é que o Governo [da República Rio-Grandense] passou a libertar os cativos aptos para a profissão das armas, oficinas e colonização, a fim de acelerar, de pronto, a emancipação dessa parte infeliz do gênero humano. E, isso, com o grave sacrifício da Fazenda Pública, pois os que exigiram a indenização desses cativos, a receberam de pronto ou receberam documento para indenização oportuna. O Presidente da República para reivindicar os direitos inalienáveis da humanidade, não consentirá que o homem livre rio-grandense, de qualquer cor com que os acidentes da natureza o tenham distinguido, sofra impune e não vingado, o indigno, bárbaro, aviltante e afrontoso tratamento, que lhes prepara o infame Governo Imperial. Em represália à provocação decreta: Artigo Único: Desde o momento em que houver notícia certa de ter sido açoitado um homem livre de cor a soldo da República, pelo Governo do lutando pelos seus senhores em busca de uma vida mais digna e da tão sonhada liberdade. Os Lanceiros Negros eram disciplinados, guerreiros corajosos e aguerridos, afirmando assim a imagem de homens valorosos. No entanto, embora lutassem por liberdade e igualdade, os republicanos conservavam uma afinidade duvidosa com a escravidão. Visivelmente diziam-se partidários da libertação de todos os escravos, porém não compartilhavam totalmente desses ideais, visto que a ideia de liberdade para os escravos tinha força e convicção desde que os negros viessem a participar da Revolução. Ou seja, os escravos seriam merecedores da liberdade, desde que lutassem pela Revolução Farroupilha. Pereira (2012) reforça a ideia de que o negro só teria a liberdade no Rio Grande do Sul, caso lutasse ao lado dos farroupilhas,

No Rio Grande do Sul houve uma pequena diferença, em relação ao negro e sua conquista da liberdade, perante as demais Províncias do Brasil. Longe dos pampas gaúchos, muitas eram as formas de se conquistar a liberdade, seja pela compra da mesma, seja pela “bondade” de seu dono, entre outras. Contudo o Rio Grande do Sul, neste determinado período, de 1835 a 1845, os negros somente poderiam almejar a sonhada liberdade, incorporando-se à Revolução Farroupilha, uma vez que as outras formas de negociação foram suprimidas totalmente [...]. (PEREIRA, Rodrigo José, 2012, p.248).

33 JORNAL O POVO, Porto Alegre: Editor Luigi Rosseti, fev. 1839, p. 27.

Segundo o autor, se o negro não estivesse engajado às causas farroupilhas não teria a liberdade de outra forma, “ficando a mercê da própria sorte.” (p.248). Caso contrário, deveriam continuar no comércio do charque. Já que, com a vitória do Rio Grande do Sul, os impostos sobre o produto cairiam e os estancieiros necessitariam de mão-de-obra escrava para dar continuidade aos seus negócios.