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Os limites da democracia liberal no Estado do Maranhão: as sete vidas

2 Palafitas serão apartamentos: participação popular e seus limites

2.3 Os limites da democracia liberal no Estado do Maranhão: as sete vidas

A campanha vitoriosa de Lula da Silva à presidência da república, em 2002, marca a adesão do senador Sarney ao petismo. Em visita ao Maranhão, no dia 23 de agosto de 2002, em plena campanha, o ex-deputado federal João Paulo Cunha (PT/SP), com o objetivo de ratificar a adesão do oligarca ao lulismo, disse o seguinte, em entrevista ao Jornal O Estado do Maranhão49 (24/08/2012):

[...] as conversações com o ex-presidente José Sarney estão sendo feitas pelo próprio Lula e pelo presidente do partido, José Dirceu. Segundo João Paulo, o diálogo envolve apenas Sarney – os demais membros da família, a ex-governadora Roseana Sarney e o ex- ministro e deputado federal José Sarney Filho, não se posicionaram sobre o assunto sucessão presidencial [...] O líder do PT na Câmara mandou um recado duro às alas mais radicais do PT no Maranhão que estão criticando o apoio de Sarney à candidatura Lula. “Se qualquer militante do PT deixar de considerar a direção do partido, a condução da campanha, dentro do padrão ético, ele tem que sair do PT. Se há um patrimônio que a gente não põe em discussão é a questão ética [...]50

Quem também criticou a adesão foi a CNBB, em nota pública. Depois do episódio do “mensalão”, em 2005, o PT e Lula da Silva, ficam mais reféns da chantagem do oligarca. Essa circunstância política vai substanciar e explicar a situação de fragilidade do PT maranhense no período de 2002 aos dias atuais.

Uma das hipóteses que comprova essa servidão é que, como presidente do Congresso Nacional, é prerrogativa no exercício cargo, de acordo com regimento da casa, colocar na pauta ou arquivar qualquer pedido de CPI. Entretanto, no caso da “CPI do mensalão”, o Senador Sarney tomou a decisão de arquivá-la. Com tal situação, o Partido dos Trabalhadores no Maranhão acabou sendo o maior

49 É de propriedade da família Sarney.

50 Passado 10 anos desse fato histórico, João Paulo Cunha, que na época era líder do PT na Câmara Federal e integrava a coordenação da campanha de Lula, foi condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no processo do “mensalão”.

penalizado. Ficou rebaixado aos interesses do dito “projeto nacional”. Passando, então, a não mais ter autonomia nas suas deliberações, sendo que qualquer decisão política que contrariasse interesse da oligarquia não tinha aval da direção nacional do PT e do presidente Luís Inácio Lula da Silva e seus apoiadores. Se a seção estadual do Partido dos Trabalhadores já não tinha tanta importância para o projeto de poder do lulismo, depois que Sarney o salvou de uma CPI do “mensalão”, a gratidão ficou muito maior. Com isso, a interlocução da cúpula hegemônica do PT com o Maranhão passou a ser com o grupo da oligarquia, e não com a direção estadual do partido, cuja fragilidade tornou-se evidente.

Apesar da aliança do lulismo, do petismo e do sarneyismo, a situação de desigualdade do estado não foi alterada nestes oito anos de governo Lula. A despeito de possuir um PIB pujante, o Maranhão continua com um IDH baixo, e condições sociais de mais desigualdade.

Em sua análise sobre as raízes do lulismo, diz Singer (2012, p. 20-21):

A singularidade das classes no Brasil consiste no peso do subproletariado cuja origem se deve procurar na escravidão, que ao longo do século não consegue incorporar-se à condição proletária, reproduzindo massa miserável permanente e regionalmente concentrada. O norte e o nordeste têm índices de pobreza bem maiores que os do sul e do sudeste. O populoso nordeste, em particular, é o principal irradiador de imigrantes para regiões mais prósperas. Por isso, entendo que, ao tocar na questão da miséria, dinamizando, sobretudo, a economia nordestina, o lulismo mexe com a nossa “questão setentrional”: estranho arranjo político em que os excluídos sustentavam a exclusão [...].

A questão é que Singer vê o lulismo superando a miséria, o que, no Maranhão, pouco aconteceu. De acordo com dados do censo do IBGE (2010), é o estado nordestino que continua entre os mais pobres do país. Seu IDH figurava como o antepenúltimo no censo 2000, à frente de Piauí e Alagoas. Já no de 2010, passou a ser o último.

No estado está o maior percentual de pessoas identificadas como miseráveis. Tem-se, proporcionalmente, a maior concentração de pessoas em condições extremas de pobreza. Do total da população de 6,5 milhões de habitantes, 1,7 milhão está abaixo da linha de miséria (ganham até R$ 70 por mês). Isso representa 25,7% dos habitantes – mais que o triplo da média do país, que é de 8,5%. (IBGE, 2010).

O conceito de miséria foi estabelecido oficialmente pelo governo federal, que resolveu considerar em estado de pobreza extrema quem ganha até R$ 70 por mês. O Estado do Piauí figura como o 2.º pior, com 21,3% dos moradores ganhando até R$ 70 mensais. Em 3.º, vem Alagoas, com 20,3%. Portanto, é na região nordeste onde o PAC tem suas principais intervenções e onde há o maior percentual de miseráveis.

Com a força do lulismo aliado ao sarneyismo no estado maranhense, tal indicador não se alterou. Conforme descreveu Singer (2012, p. 15):

[...] O lulismo que emerge junto com o realinhamento, é, do meu ponto de vista, o encontro de uma liderança, a de Lula, com uma fração de classe, o subproletariado, por meio do programa cujos pontos principais foram delineados entre 2003 e 2005: combate a pobreza, sobretudo onde ela é mais excruciante tanto social quanto regionalmente, por meio da ativação do mercado interno, melhorando o padrão de consumo da metade mais pobre da sociedade, que se concentra no Norte e Nordeste do país, sem confrontar os interesses do capital [...]

Singer (2010), quando estuda as almas do PT, explicita que o partido mudou sua concepção da primeira alma, a da fundação, em 1980, no colégio SION (SP), para a segunda alma, chamada de “o espírito do Anhembi”. Esse momento está associado à divulgação da “Carta ao Povo Brasileiro”, em junho de 2002, quando a campanha de Lula da Silva decidiu fazer as concessões exigidas pelo capital. Tal mudança vai ser central no campo da política de alianças. Veja-se o que diz Singer (2010, p. 106):

[...] Enquanto a alma do Sion primava pela ênfase ideológica, não aceitando juntar sequer a partidos de centro, a [alma] do Anhembi aprovou uma chapa formada por Lula e um empresário filiado ao Partido Liberal (PL) [...] Sinal dos tempos: diferentemente do que ocorrera em 1998, quando a aliança com um partido de centro- esquerda (PDT) obrigou o Diretório Nacional a intervir na seção carioca do PT, a ligação com a direita em 2002 passou ilesa [...].

Situação semelhante aconteceu no Maranhão em 2010, quando houve novas eleições para o governo do estado. Lago, já cassado, decide concorrer novamente ao cargo de governador; Flávio Dino manteve uma disputa acirrada para ter o PT/MA em sua coligação, que foi aprovado pelo encontro estadual do partido com uma diferença de dois votos. Porém, a direção nacional interveio em favor da candidata Roseana Sarney, mudando o resultado do encontro que aprovou aliança com o PCdoB (partido também da base aliada do lulismo). Conforme descrito por Singer (p.106): “Em 2010, a oposição ao acordo com a seção maranhense do PMDB, dominada pela família Sarney, em nome dos velhos princípios, foi derrotada na direção do partido”51.

Esse fato provocou a resistência do setor petista maranhense considerado antioligarquia, o qual levou o deputado federal petista Domingos Dutra e o histórico militante Manoel da Conceição, fundador nacional do Partido dos Trabalhadores, a fazerem uma greve de fome52 no plenário da Câmara dos Deputados, em Brasília.

51 Segundo Lopes (2009, p. 127) [...] Não foi sem razão que um dia depois de anunciado o resultado das eleições, no documento Compromisso com a mudança, Lula reconheceu a relevância dessas alianças para sua vitória ao afirmar que “parcelas importantes do empresariado, dos movimentos sociais e das entidades sindicais (...) compreenderam a necessidade de combater a pobreza (sic) e defender o interesse nacional”. Além disso, ressaltou como fundamental que um partido de esquerda (sic) como o PT “tivesse sabido construir uma ampla aliança com outras forças partidárias“: PL, PCdoB e PMN no primeiro turno; depois PSB, PDT, PPS, PDT, PV, PTB, PHS, PSDC e o PGT, no segundo turno. No mesmo documento não se esqueceu de agradecer nominalmente a José Sarney, Itamar Franco, Ciro Gomes e Antony Garotinho [...].

52 Em junho de 2010. Em protesto contra intervenção da direção nacional do PT em favor de Roseana Sarney.