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1.1 Os centenários – o grupo emergente

1.1.1 O crescimento da população centenária no mundo

1.1.1.2 Os mitos da longevidade extrema

Para se conhecer o número real de centenários nos países, a sua evolução ao longo do tempo, e tecer comparações, é necessário ir além do uso de equações que ponderam um conjunto de variáveis específicas e essenciais, conferindo-lhe a exactidão e precisão do cálculo matemático. É importante não descurar o conhecimento existente sobre a natureza humana e, confirmar, portanto, se as idades declaradas coincidem, efectivamente, com as idades cronológicas.

Ao longo da história, vários demógrafos e alguns cientistas anuíram algumas reivindicações de idades extremas, sem atestarem a veracidade dessas declarações, através de uma análise crítica ou a recolha de meios de prova, por motivações políticas, nacionais, religiosas e/ou outras. Os meios de comunicação social, na atualidade, continuam a divulgar histórias de

pessoas que ultrapassam o limite da idade cientificamente aceite para a vida humana, de 122 anos (Young et al., 2010).

A primeira iniciativa de verificação da idade extrema foi realizada pelo demógrafo Adolpho Quetelet, que investigou as presumidas idades centenárias observadas no primeiro censo belga, datado de 1846 (Poulain, Chambre, & Foulon,1999, cit. in Young, Desjardins , McLaughlin, Poulain, & Perls, 2010). Também o escritor e demógrafo britânico William Thoms, autor da obra Human Longevity: Its Facts and Fictions (1879) investigou as idades extremas reivindicadas em contos populares, algumas superiores a 110 anos, confrontando estas informações com os dados de empresas de seguros de vida. Nesta pesquisa não foram encontrados indivíduos com idade superior a 103 anos (Young et al., 2010). Face às continuadas reivindicações erróneas de presumíveis “pessoas mais velhas do mundo”, os editores do Guiness Book of World Records, em 1955, mencionaram a necessidade de autenticar essas declarações com registos suficientes (Young et al., 2010).

No final de 1980 e inícios de 1990, um grupo de demógrafos e gerontologistas reuniu-se para formular critérios de validação ou revogação de reivindicações de extrema idade, criando também, nesta data, uma lista de supercentenários, a International Database on Longevity (IDL). Foi, ainda, fundado o Gerontology Research Group (GRG) que reuniu um grupo de investigadores e leigos, interagindo através da Internet, para a manutenção de um banco de dados real e atualizado de supercentenários (com 110 ou mais anos), iniciado em 1999 (Young et al., 2010).

No estudo de Young, Desjardins, McLaughlin, Poulain, & Perls (2010), que teve como objetivo investigar as circunstâncias típicas ou fatores de motivação que fundamentam a declaração de uma idade errónea, foi comparado o número de centenários gerados pelo Social Security Death Index, com uma lista validada pelo GRG. Os autores concluíram que a taxa de validação declinava com a idade, cerca de 35% na idade de 110 a 111 anos, 2% na idade de 115 anos e de 0% na idade de 120 e mais anos.

A maioria destas alegações erróneas de idades extremas surge em áreas geográficas com um registo civil inadequado, onde este é recente ou onde foram destruídos pela guerra (Médio Oriente) (Young et al., 2010). Por exemplo, na China, o registo das idades é efetuado de acordo com o zodíaco chinês, em 12 anos, o que dificulta a confirmação da idade, e, para além disso, inicia-se no 1, em vez do 0, o que inflaciona a idade em um ano. No entanto, também existem em situações com registos completos, em que se encontram óbitos não são reportados, fraudes de pensões, problemas com a documentação de imigrantes, entre outras ocorrências. Young e os seus colegas (2010) identificaram onze mitos da longevidade associados a falsas declarações de idade excepcional, listados na tabela 1.

Tabela 1 - Mitos da longevidade, identificados por Young et al. (2010)

Mito Descrição

Mito religioso, patriarcal e genealógico

Uma idade avançada, em algumas civilizações, confere status, sabedoria e é símbolo de uma distinção familiar. Neste mito incluem-se membros de uma elite da sociedade. Exemplos deste mito são algumas figuras bíblicas, como Abrão, que viveu 175 anos.

Mito da longevidade do ancião da aldeia

Este mito é frequente em lugares como Bangladesh, Nigéria, Indonésia e Paquistão. A motivação dos indivíduos que alegam uma extrema idade é constituir uma fonte de orgulho e de alegria local. Pode ser considerado uma versão localizada do mito patriarcal, que envolve pessoas comuns.

Mito da fonte da juventude

Alguém que testemunha, falsamente, o sucesso de uma determinada substância com presumíveis propriedades benéficas que concede uma longevidade excecional a quem a consome, e a publicita – um mito não menos usual entre os reivindicadores de uma idade extrema.

Mito da longevidade Shangri-Lá

Esta tipologia pressupõe a existência de um determinado lugar, uma aldeia ou uma região, que possui uma série de condições qualitativamente distintas de outros, que proporcionam, aos seus habitantes, uma vida até aos limites da longevidade humana. Shangri–La era o nome de um paraíso fictício de uma novela, no qual os seus habitantes viviam felizes, isolados e em contato próximo com a natureza. A região montanhosa do Cáucaso, a região montanhosa de Vilacamba, no Equador, e o vale Hunza no Paquistão, constituíram esses “paraísos”, até a investigação refutar esta informação. Em Vilacamba, por exemplo, verificou-se que, apesar de se tratar de uma população envelhecida, não existiam, à data, habitantes com 100 ou mais anos.

Mito da longevidade nacionalista

Esta tipologia foi comum com a ascensão e auge do nacionalismo, na antiga União Soviética, de algum modo, para ajudar a promover a superioridade das condições de vida comunista e a sua nação. Na guerra fria, nos EUA e na URSS, foram frequentes os relatos de casos de extrema longevidade, ora numa, ora noutra região.

Prática espiritual

Em algumas práticas religiosas ou filosofias, o seguidor, se cumprir os seus preceitos, poderá viver até ao extremo da velhice. Difere do conceito de “bênção religiosa”, característica nas religiões monoteístas, em que a longevidade é alcançada por “graça de Deus”.

longevidade familiar

viveram até uma idade muito avançada. Muitas dessas idades são aumentadas e não existem evidências documentadas que suportem a validade dessa informação. A idade do familiar tende a ser mais elevada, quanto mais antiga for a sua geração.

“A pessoa mais velha do mundo”

Este mito é mais frequente em locais onde o registo da população é impreciso, de forma mais ou menos consciente, induzida em erro ou por fragilidade cognitiva, a motivação para a alegação de posse de idade extrema é a procura da notoriedade pessoal ou familiar.

Idade militar incorrecta

Neste caso, a alegação de uma idade errónea tem a ver com o alcance ou a exclusão de um estatuto militar: ou para cumpri-lo precocemente ou para evita-lo. Como exemplo, Frank Buckles, o último sobrevivente veterano dos EUA da Primeira Guerra Mundial, afirmou ter 21 anos para se poder juntar ao exército, em 1917, tendo efectivamente 16 anos, e faleceu aos 110 anos (115 segundo os registos de recrutamento).

Erros

administrativos de registo

Estes correspondem a erros na anotação da data de nascimento ou da declaração de óbito. Na Bélgica, de acordo com o investigador Michel Poulain, a proporção de falsas alegações, por esta causa, é de 1% na idade de 100 anos, 5% em 105 anos, 50% em 110 e 100% na idade igual ou superior a 115 anos.

Mortes não registadas

As fraudes de pensões constituem uma das causas mais comuns das reivindicações etárias extremas, em casos em que familiares com nome semelhante continuam a receber a pensão, assumindo a identidade da pessoa falecida, ou a alegação de uma idade superior para, prematuramente, usufruírem deste benefício.

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