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Os modalizadores do agir professoral no contexto do ensino da Gramática

2 REFLETINDO SOBRE A GRAMÁTICA E O SEU ENSINO

3 O DISCURSO DO PROFESSOR NA REALIZAÇÃO DA INTERAÇÃO DIDÁTICA

3.4 Os modalizadores do agir professoral no contexto do ensino da Gramática

Ao se remeter à discussão sobre os saberes mobilizados pelo professor em sala de aula, Leurquin (2013) afirma que o professor em atuação no seu trabalho, mobiliza saberes e que esses saberes se constituem no que Cicurel (2011) denominou de repertório didático. Para Leurquin, todavia, tudo o que está disponível nesse repertório é, justamente, didático. Para esta tese, limitamos o interesse ao que de fato é de ordem didática. No trajeto de suas reflexões, a autora vem alimentando uma discussão que nos permite compreender que apenas os saberes mobilizados não asseguram uma aula produtiva, porque também é necessário considerar as condições de trabalho do professor. Tal posicionamento põe em evidência o agir professoral (CICUREL,2011). A pesquisa desenvolvida por Leurquin (2013)14 traz um olhar diferenciado sobre a sala de aula.

Segundo Leurquin (2013), esse repertório é constituído de saberes de diversas ordens e se realiza no saber-fazer. Mas, devido aos conflitos existentes em sala de aula, também entram em jogo as condições de trabalho do professor. Para a autora, decorrente deste conflito, o professor se vê diante de um poder-fazer, querer-fazer e dever-fazer. A esses termos, Leurquin (2013) denomina de “modalizadores do agir professoral”. Ela ratifica que tais modalizadores entram em jogo apenas quando o professor se mostra impossibilitado de realizar suas intenções, quando ele se localiza no plano dos impedimentos.

Para responder a sua questão de pesquisa (De que se constitui o repertório do professor?), a pesquisadora se ancora nos estudos de Schutz (1985) sobre o ensino e se baseia nos estudos de Cicurel (2011), Hofstetter e Schneuwly (2009) e Tardif e Borges (2009) para tratar dos saberes envolvidos no ensino e na formação. Portanto, no que diz respeito aos saberes mobilizados, esta pesquisa nos mostra os seguintes pontos bastante significativos:

a) as cenas de aula precisam ser vistas, analisadas e estudadas, não apenas por pesquisadores, mas, sobretudo pelos professores em formação; b) para além dos saberes para ensinar e dos saberes para o ensino, que cada professor analisado possuía (ou não), havia também os saberes informais como estratégia para sobrevivência de cada um professor; e c) o mais importante foi como os professores mobilizaram seu repertório didático para ensinar e formar; isso fez a diferença na compreensão, inclusive, de conceitos e concepções que entraram na pesquisa. (LEURQUIN, 2013, p.322)

14 Reflexões desenvolvidas no pós doutorado, financiado pela Capes, durante o Estágio Sênior, realizada na Sorbonne Nouvelle Paris III e na Université de Genève, em 2012 e 2013.

É nesse ponto de reflexão que a nossa pesquisa se aproxima do contexto da pesquisa desenvolvida por Leurquin (2013), ao analisarmos as reflexões do professor sobre o seu agir, no que diz respeito às suas intenções e aos seus impedimentos ao ensinar a gramática, considerando os modalizadores desse agir materializados no discurso.

É importante destacarmos que os conceitos apresentados por Leurquin (2013), passam por avanços através de suas investigações sobre o ensino e aprendizagem em contexto profissional. Nesta situação, a autora analisa “os impedimentos e intenções em jogo no agir professoral em sala de aula de português língua adicional, através dos modalizadores do agir professoral” (LEURQUIN, 2017)15. Acerca dos modalizadores do agir professoral, o trabalho realizado por Gurgel e Leurquin (2016) versa sobre as representações de professores de língua materna em formação inicial sobre o estágio, analisando as ocorrências das modalizações mobilizadas por oito estagiários, através de uma abordagem linguística e enunciativa, de acordo com os pressupostos teórico- metodológicos do Interacionismo Sociodiscursivo.

A autora avança, dando continuidade a pesquisa, também realizada em contexto da sala de aula do Português língua adicional (PLA), relacionada as suas reflexões acerca dos saberes dos professores. Para refletir sobre o agir docente, através das práticas linguageiras materializadas em textos no, como e sobre o trabalho educacional, a autora ancora-se em uma perspectiva do “ensino como trabalho”, de Machado (2004).

Neste sentido, ela se aproxima das reflexões desenvolvidas no campo da Clínica da Atividade (CLOT, 2010) e da Ergonomia da Atividade (FAITA, 2002) para tratar das condições de trabalho do professor e ancora-se em Bronckart (1999) para refletir sobre impedimentos e intenções em jogo, no conflito vivenciado no contexto de ensino e aprendizagem e de formação de professores, e para também refletir sobre as modalizações – mecanismos enunciativos, que se encontram no nível semântico, para propor as modalizações do agir professoral.

De acordo com Leurquin (2017, p. 124)

O poder-fazer está no âmbito do poder e observamos uma possibilidade de o professor ter as capacidades de agir podendo tomar decisões, cabendo-lhe a ação. O querer-fazer está no âmbito do querer e observamos muito mais forte o poder de decisão individual conferido ao professor. Enquanto que o dever-

15 Título da apresentação realizada pela Profa.Dra.Eulália Leurquin, na mesa-redonda intitulada “Políticas de Ensino e Aprendizagem de Línguas”, proferido no Programa de Conferência Internacional de Estudos Linguísticos, Educação (Linguística), Multiletramentos e Identidades, realizada na Universidade de Brasília, no período de 17 a 20 de outubro de 2017.

fazer está no contexto do dever e vemos uma cobrança profissional, um dever a cumprir.

Em nossa pesquisa, o conceito de modalização do agir professoral contribui para que possamos atingir o quarto objetivo a que nos propomos, isto é, de analisar de que ordem são as intenções e os impedimentos do professor de PLE frente às práticas de ensino de gramática em sala de aula de PLE. Para analisarmos estes aspectos (as intenções e os impedimentos) relacionados as práticas do ensino de gramática é que lançaremos mão do discurso produzido pelo professor em situação de autorreflexão.

Finalmente, cumpre-nos ressaltar que utilizamos, para desenvolver todos os objetivos da pesquisa, textos produzidos oralmente pelos professores que participaram da pesquisa, em diversas situações da geração de dados: na gravação audiovisual das cenas de sala de aula, na gravação em áudio da entrevista de explicitação e na gravação audiovisual da situação de autorreflexão. A materialização destes discursos orais em textos escritos (através das transcrições realizadas por nós) viabilizam nossas análises, que virão no capítulo 4.

A seguir, partimos para apresentação da metodologia da pesquisa, momento em que delineamos o caminho a ser trilhado para a geração dos dados, tendo em vista as nossas questões investigativas. Na oportunidade, definimos e justificamos a escolha de nossos instrumentos de geração de dados, considerando, para tanto, as especificidades que caracterizam este empreendimento.