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4.5. O curso da Atividade

4.5.3. Os modos operatórios

Considerando as contribuições teóricas da Ergonomia da Atividade, apontadas no capítulo II, compreendemos que a atividade é um processo complexo, centrado nos objetivos e desempenho das organizações tais como eficiência, produtividade, qualidade, mas que também se caracteriza por ser centrada nas pessoas, com foco na sua saúde, no seu conforto e na satisfação das mesmas (Falzon, 2007).

É importante novamente realçar que entre suas ações estão o acolhimento à comunidade, prestado pelo serviço de escuta terapêutica, o encaminhamento da demanda a exames ou consultas, a gestão do tempo para o atendimento dessa demanda, como exemplificado na fala:

“[...] aí a gente faz, escuta o paciente um a um, as suas queixas, os seus encaminhamentos e dependendo do que ele está sentindo, qual o problema dele, a gente ou agenda ou já é atendido no mesmo horário [...]. A gente faz esse acolhimento e essa demanda a gente organiza”.

Há ainda a realização de consultas, o preenchimento de fichas, livros e cartões, além da interação que mantém com os profissionais da própria equipe, como os de outras equipes profissionais, dentro da Unidade e fora dela.

Para, então, atender às solicitações dos diferentes usuários de seus serviços e também da gestão faz-se crucial às enfermeiras, recorrer à experiência pessoal, ao uso do corpo e da inteligência prática. Essa inteligência, no dizer de Dejours (2004), é produzida no desempenho do trabalho, da profissão, visto que é o trabalho que produz a inteligência e não o inverso. Os processos psíquicos, mobilizados pelas enfermeiras nos ajustamentos, na iniciativa, na inventividade e na criatividade podem estar combinados a uma maneira específica de inteligência prática: a austuciosa, que tem raiz no corpo, nas percepções e na intuição sensível, a qual leva em conta a necessidade de ajustamentos das relações entre as prescrições das tarefas, os impecilhos impostos pela organização do trabalho e a inteligência originada da experiência real do trabalhador e da sua concepção sobre a atividade. (Dejours, 1993; Dejours & Abdoucheli, 1994). Retomaremos esta questão mais adiante, visto a sua importância e destaque para o nosso trabalho.

Como ilustração, descreveremos, a seguir, algumas situações da atividade das enfermeiras. Inicialmente, apresentaremos informações acerca de uma manhã de trabalho de uma enfermeira que foi convocada a realizar uma atividade extra Unidade, ou seja, realizar uma ação educativa de imunização em escola municipal de bairro vizinho à Unidade. Às 08h40min, enfermeira e técnica de enfermagem encontram-se na escola a fim de contatarem, primeiramente a diretoria e, depois, os alunos. Às 08h53min iniciam as visitas às salas de aula. Pedem licença às professoras, apresentam- se e informam o objetivo da campanha de vacinação. Explicam o processo da doença hepatite, indagam acerca das idades dos alunos e da existência do cartão de vacina e se o mesmo encontra-se em ordem e atualizado. Às 09h15min inicia-se o recreio, dificultando assim a audição de suas falas; passaram, então, nesse momento, a falar em tom e intensidade mais fortes. Alguns alunos de uma das turmas reagiram à entrada das profissionais com conversas, gritos e brincadeiras, levando a técnica de enfermagem a intervir, falando de forma mais forte e, dirigindo-se pessoalmente a cada um desses alunos, aproveitando a fala deles e reforçando alguns aspectos, de forma que pudessem ser ouvidas por eles. E assim prosseguiram por mais salas. Às 09h25min, retornaram à sala da diretoria para explicações sobre a divulgação e realização das vacinas para o

turno da tarde. Abordaram assuntos diversos, compartilharam preocupações e aflições referentes às áreas de educação e saúde. Às 10h20min, finalizaram a conversa e se despediram.

Procedemos também à observação da atividade uma enfermeira do turno da tarde, que foi convocada a coordenar uma reunião do grupo de idosos. Às 14h15min, ao corredor, atende usuária, conversa com a técnica de enfermagem e, em seguida, chama o grupo de idosos para a sala destinada à reunião. Pelo motivo de mudanças para novas instalações, atualmente em uma Unidade Integrada, e estarem na primeira semana de atividades nesse novo local, iniciaram a reunião dando informações acerca do ambiente e sobre a retomada das reuniões do grupo para o ano em curso. Às 14h40min chega ao grupo, a médica da equipe e, juntas, abordam assuntos diversos referentes a eventos do ano e aos aniversários. Às 14h44min entra outra profissional da equipe. Às 14h56min realizam pausa para água, retornando às 15h, onde continuam os agendamentos para os ensaios e a programação dos eventos. A partir desse momento, houve discordância entre alguns integrantes do grupo a respeito de um tema específico abordado, passando- se, então, vários minutos até a conclusão deste. Às 15h50min, a enfermeira tenta fechar a questão, embora de difícil conclusão, a médica oferece ajuda, sugerindo pensarem em casa e voltarem na próxima semana com outras propostas. Às 15h55min, a enfermeira sugere ao grupo ficarem de pé, para uma oração, e despede-se até a próxima semana. Às 16h15min dirige-se à sala de atendimento, onde reclama a ausência de usuários para atendimento. Orienta a auxiliar de limpeza e de enfermagem acerca da limpeza de sua sala, conversa um pouco com a auxiliar, e às 16h15min conclui sua jornada.

A observação de diferentes situações de trabalho e profissionais, conforme expusemos no capítulo metodológico, teve como objetivo evidenciar o leque diferenciado de atividades que estas também desenvolvem, além das suas atribuições prescritas e usuais na Unidade. Na campanha de vacinação, a profissional tem como missão levar ao âmbito da escola, não só informações e explicações acerca da importância da imunização de doenças, mas a conscientização da saúde, da necessidade de cada um se cuidar, e isto se torna uma missão desafiante. Na observação da tarde, sob a gestão de um grupo de idosos, o objetivo é favorecer saúde e qualidade de vida a pessoas da terceira idade, ação também de difícil condução devido à multiplicidade de pensamentos e posicionamentos perante a vida, confirmado no exemplo da quantidade de horas gastas na discussão de um tema, levando praticamente todo o tempo do grupo

naquela tarde, demandando da profissional um jogo de habilidades para contornar as diferenças.

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