• Nenhum resultado encontrado

Os movimentos da modernidade e as perspectivas do hibridismo cultural na ótica de Canclin

4. CULTURA POLÍTICA EM REDE: NETNOGRAFIA COM OS NOVADS E INTERSEÇÕES POLÍTICO-CULTURAIS

4.2. Os movimentos da modernidade e as perspectivas do hibridismo cultural na ótica de Canclin

Por caminhos diferentes, mas na trilha da crítica à noção de cultura e de modernidade, no rastro dos estudos culturais, Néstor García Canclini (1998) foca sua análise nos papéis dos agentes sociais envolvidos na construção dos produtos culturais ditos cultos, populares ou massivos, ligados à produção da indústria cultural e suas relações com a modernidade. Ele apresenta as estratégias de diversos setores, artísticos, literários, da museologia e das ciências sociais, da mídia e das classes políticas, na abordagem do que é tradicional e do que é moderno, no sentido de reforçar a ideia de que, na América Latina, há uma história de construção de culturas híbridas, em que a modernidade é sinônimo de pluralidade, ao mesclar relações entre hegemônicos e subalternos, tradicional e moderno, erudito e popular.

A abordagem de Canclini apresenta relações quanto ao sentido e ao valor que a modernização deriva, na medida em que separa nações, etnias e classes, mas também dos cruzamentos socioculturais em que o tradicional e o moderno se misturam, considerando que as ciências sociais podem gerar outro modo de conceber a modernização, como tentativas de renovação a partir da heterogeneidade e diversidade cultural. Também defende que o olhar transdisciplinar sobre os circuitos híbridos tem consequências que extrapolam a investigação sobre o universo da cultura.

Para Canclini quatro movimentos ou projetos básicos constituem a modernidade: um emancipador, um expansionista, um renovador e outro democratizador. O projeto emancipador é identificado com "a secularização dos campos culturais, a produção autoexpressiva e autorregulada das práticas simbólicas, seus desenvolvimentos em mercados autônomos" (1988, p. 31). Por projeto expansivo Canclini compreende a "tendência da modernidade que busca ampliar o conhecimento e a posse da natureza, produção, circulação e consumo das

mercadorias" (ibidem). O projeto de renovação abrange dois aspectos, frequentemente complementares:

de um lado, a busca de um melhoramento e inovação incessantes próprios de uma relação com a natureza e a sociedade libertada de toda prescrição sagradas sobre como deve ser o mundo; por outro lado, a necessidade de reformular constantemente os signos sinais de distinção que o consumo massificado desgasta (CANCLINI, 1988, p. 32).

O quarto movimento da modernidade preconizado pelo autor como o projeto democratizador baseia-se na educação e na difusão da arte e do conhecimento especializado, para alcançar uma evolução racional e moral.

Canclini defende que a modernidade já não é mais uma via sem saída, sendo possível entrar nela, assim como é possível (e necessário) sair dela. Como estratégia de saída da modernidade, o autor desenvolve as categorias analíticas de "pós-modernidade", "hibridação", "poderes oblíquos", "descoleção" e "desterritorialização", configurando sua análise desde o processo de modernização tardia na América Latina. Canclini entende a pós-modernidade "não como uma etapa ou tendência que substituiria o mundo moderno, mas como uma maneira de problematizar os vínculos equívocos que ele armou com as tradições que quis excluir ou superar para constituir-se" (1998, p. 28).

As relações e trocas simbólicas entre as nações, as diásporas, as novas tecnologias e seu impacto sobre a tradição, os cruzamentos entre o popular e o erudito, as culturas de fronteira, são analisadas no sentido de elaborar estratégias de entrada e saída da modernidade, partindo do princípio de que na América Latina não há uma firme convicção de que o projeto moderno deva ser o principal objetivo ou o algo a ser alcançado (1998, pág.17).

A convicção da necessidade de modernização na periferia do capitalismo tardio, tão presente e relevante para o crescimento econômico dos países centrais, desestabilizou-se com a intensificação das relações culturais com países independentes, na medida em que se cruzaram etnias, linguagens e formas artísticas. Canclini prefere chamar essa nova situação intercultural de hibridação em vez de "sincretismo" ou "mestiçagem":

porque abrange diversas mesclas interculturais - não apenas as raciais, às quais costuma limitar-se o termo 'mestiçagem' - e porque permite incluir as formas modernas de hibridação, melhor do que 'sincretismo', fórmula que se refere quase sempre a fusões religiosas ou de movimentos simbólicos tradicionais (1998, p. 19).

O autor transita entre diferentes manifestações culturais e artísticas que vão desde ciclos de protestos, passeatas, expressões artísticas na pintura, arquitetura, música ou no grafite e nas histórias em quadrinhos até a semiótica simbólica dos monumentos públicos. Com base nesses elementos, procura refletir sobre o que denomina de migrações multidirecionais, que

questionam e relativizam o paradigma binário subalterno/hegemônico, tradicional/moderno, que tanto balizou a concepção de cultura e poder na modernidade.

4.3.O "território perdido" e as fronteiras da cultura em Homi Bhabha: uma perspectiva sobre diferenças culturais no mundo contemporâneo

Na perspectiva de Homi Bhabha um problema que seria algo como um “território perdido” nos debates contemporâneos é pensar as fronteiras da cultura como um problema relativo à expressão da diferença cultural, o que significa ir além do reconhecimento e do acolhimento das diversidades, bem como da crítica aos racismos, às discriminações e às exclusões. O conceito de hibridismo também é utilizado por Bhabha em estreita relação com as lutas, antagonismos e agonísmos no campo social e cultural, na medida em que "a articulação social da diferença, da perspectiva da minoria, é uma negociação complexa, em andamento, que procura conferir autoridade aos hibridismos culturais que emergem em momentos de transformação histórica" (1998, p. 20-1).

Para Bhabha, enquanto o conceito de diversidade cultural conduz, essencialmente, a uma discussão filosófica, a ideia de diferença cultural remete à enunciação da cultura, isto é, a um processo através do qual se produzem afirmações a respeito da cultura, que fundam e geram diferenças e discriminações, ao mesmo tempo em que estão na base da trama de relações de poder e de práticas sociais muito concretas, de institucionalização, de dominação e de resistência.

No âmbito do debate sobre o "pós" da contemporaneidade, Bhabha ressalta que a energia de uma atitude que aponte para além seja profunda e radical no sentido de transcendência das bases na medida em que estejam relacionados com a experiência e aquisição de poder:

Se o jargão de nossos tempos – pós-modernidade, pós-colonialidade, pós- feminismo - tem algum significado, este não esta no uso popular do "pós" para indicar sequencialidade - feminismo posterior - ou polaridade – antimodernismo. Esses termos que apontam insistentemente para o além só poderão incorporar a energia inquieta e revisionária deste se transformarem o presente em um lugar expandido e ex-cêntrico de experiência e aquisição de poder (BHABHA, 1998, p. 23).

Nesses termos, para o pensador inglês a real condição do "pós-moderno" deve compreender uma significação mais ampla que "reside na consciência de que os 'limites' epistemológicos daquelas ideias etnocêntricas são também as fronteiras enunciativas de uma gama de outras vozes e histórias dissonantes, até dissidentes" (ibidem).

A contribuição de Bhabha para a questão das estratégias de resistência aos modos de dominação cultural serve como baliza para questões centrais de que falam os discursos e

práticas dos movimentos de insurgência contra o capital na contemporaneidade na medida em que há uma colonialidade do saber e do poder nos mecanismos sociometabólicos e nos dispositivos da modernidade e do capitalismo sobre a questão identitária na forma cultural e simbólica. Nesse sentido Bhabha destaca que:

A pós-colonialidade, por sua vez, é um salutar lembrete das relações "neocoloniais" remanescentes no interior da "nova" ordem mundial e da divisão de trabalho multinacional. Tal perspectiva permite a autenticação de histórias de exploração e o desenvolvimento de estratégias de resistência (BHABHA, 1998, p. 26).

A autenticação das histórias de exploração e o desenvolvimento de estratégias no bojo agonístico das tensões e lutas simbólicas contra o capital implicam na necessidade de "ir além" do capitalismo e de suas consequências sociais. Isso exige dos ativistas um constante trabalho de revisão dos saberes em um processo de arqueologia do saber e do poder (Foucault), que também encontram ressonância na abordagem de Bhabha, ao afirmar que é preciso "residir 'no além' e ainda, como demonstrei, ser parte de um tempo revisionário, um retorno ao presente para redescrever nossa contemporaneidade cultural; reinscrever nossa comunalidade humana, histórica; tocar a futuro em seu lado de cá" (BHABHA, 1998, p. 27).