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2.3. Enquadramento teórico

2.3.2. Os níveis de pensamento geométrico de van Hiele

A teoria de van Hiele foi desenvolvida por um casal de matemáticos holandeses nos anos cinquenta e foi aplicada para explicar porque é que os estudantes têm dificuldades com os processos cognitivos de ordem mais elevada, sobretudo a demonstração, que é requerida para o sucesso no desempenho da Geometria no ensino secundário. A teoria manifesta a ideia de que os estudantes devem progredir segundo uma sequência de níveis de pensamento, num determinado sentido, para evitar problemas de aprendizagem de um conteúdo que se situe num nível para o qual ainda não se encontram preparados, porque ainda não dominam o que lhe precede. São três os aspetos essenciais desta teoria: a existência de níveis, as propriedades dos níveis e o movimento de um nível para o próximo.

De acordo com a teoria de van Hiele, os estudantes progridem através de cinco níveis discretos e qualitativamente diferentes de pensamento geométrico. Os níveis são sequenciais e hierárquicos e para atingirem um nível mais elevado precisam de dominar os níveis mais básicos.

nível 0, visualização: os alunos aprendem nomes de figuras e reconhecem a forma como um todo (quadrados e retângulos parecem ser diferentes);

nível 1, análise: os alunos conseguem identificar propriedades de figuras (retângulos têm quatro ângulos retos);

nível 2, dedução informal: os alunos conseguem ordenar de forma lógica, figuras e relações, mas não raciocinam dentro de um sistema matemático (a dedução simples pode ser realizada, mas a prova não é entendida);

nível 3, dedução formal: os estudantes percebem o significado da dedução e o papel dos postulados, dos teoremas e da prova (as provas podem ser escritas com discernimento); nível 4, rigor: os estudantes conseguem efetuar deduções abstratas, trabalhar em diversos sistemas axiomáticos e as geometrias não euclidianas podem ser estudadas.

Na teoria de van Hiele está inerente que para entender Geometria um estudante deve percorrer ordenadamente os níveis. A esta sequência fixa, chama-se propriedades dos níveis. A primeira propriedade (sequência fixa) consiste em que um estudante não pode estar no nível 𝑛 sem ter passado pelo nível 𝑛 − 1; a segunda propriedade (adjacência) refere que o que é intrínseco no nível precedente, torna-se extrínseco no corrente nível; a terceira propriedade (distinção) consiste em que cada nível dispõe dos seus próprios símbolos linguísticos e a sua rede de relações entre esses símbolos; e a quarta propriedade (separação) diz que duas pessoas cujo nível de raciocínio geométrico é distinto não se entendem (Usiskin, 1982).

A progressão de um nível para o outro é determinada pelo ensino, em detrimento da teoria piagetiana, que defende a progressão do aluno em função da idade e do seu desenvolvimento cognitivo. Assim, o professor tem um papel fundamental ao definir as tarefas adequadas para os alunos progredirem para níveis superiores de pensamento. Sem experiências adequadas, o seu progresso através dos níveis é fortemente limitado. O pensamento geométrico desenvolvido por van Hiele apresenta uma visão diferente da de Piaget, porque acredita que o desenvolvimento cognitivo da Geometria pode ser acelerado pela instrução. Para van Hiele, o principal propósito do ensino é o desenvolvimento do insight (pode ser observado quando há uma adequada resposta a uma nova situação) no aluno. Contrariamente ao modelo de desenvolvimento de Piaget, o modelo de van Hiele centra-se no desenvolvimento de formas particulares de ensino e não no crescimento de estruturas mentais. Daí que van Hiele sugira que, na ausência de ensino sistemático, as oportunidades de as crianças desenvolverem a matemática do espaço enfraquecem e para muitos extinguem-se mesmo (Usiskin, 1982).

Pesquisas posteriores mostram que, embora a maioria dos alunos revele um nível dominante de pensamento geométrico, ao responder a perguntas abertas, um grande número

deles reflete claramente nas suas respostas a presença de outros níveis, e há alguns alunos cujas respostas mostram dois níveis dominantes consecutivos de raciocínio simultaneamente (Burger & Shaughnessy, 1986; Fuys et al., 1988; Usiskin, 1982). Burger e Shaughnessy (1986) e Fuys et al. (1988) sugerem que esses estudantes estavam em transição entre dois níveis, mas as suas abordagens para o problema foram diferentes. Por exemplo, Fuys et al. (1988) atribuíram a um aluno o Nível 1-2 para indicar que o aluno usou claramente os níveis 1 e 2 do raciocínio na resolução de uma atividade (Fortuny, Gutiérrez & Jaime, 1991).

Na transição de níveis do pensamento geométrico, van Hiele identifica cinco fases de aprendizagem sequenciais: inquirição (inquiry), orientação guiada (directed orientation), explanação, orientação livre (free orientation) e integração (integration). Para van Hiele, um ensino desenvolvido de acordo com esta sequência promove a aquisição de um nível (van Hiele-Geldof, 1984). Para atingir um determinado nível o aluno deve ter dominado o seu precedente, portanto, se o nível que o aluno domina é diferente daquele que o professor está a ensinar o progresso pode não ocorrer (Crowley, 1987).

Para Fortuny, Gutiérrez e Jaime (1991), os níveis de van Hiele não são discretos e estabeleceram mais profundamente a sua transição segundo uma proposta baseada nos seguintes argumentos: (a) ter em conta a capacidade dos alunos na utilização de mais do que um nível de van Hiele; (b) a continuidade nos níveis de Van Hiele significa que a aquisição de um nível específico pode demorar vários meses ou mesmo anos. Estes autores assumem que é mais importante observar o tipo de raciocínio dos alunos do que a sua capacidade de resolver certos problemas corretamente num certo intervalo de tempo. Além disso, uma resposta parcialmente correta (ou mesmo totalmente incorreta) também pode dar mais informações. Uma resposta incorreta pode, por si só, dar uma insignificante quantidade de informação, mas o caso é diferente quando é conjugada com outras respostas. Pontuando cada resposta, considera-se tanto os níveis de van Hiele refletidos pelas respostas, como a precisão matemática. Faz-se uma avaliação de cada resposta que leva em consideração o(s) nível(s) de pensamento refletido, bem como a sua precisão matemática e integridade. Para avaliar um grau de aquisição dentro de cada nível de van Hiele, os autores propõem um procedimento que consiste na avaliação da resposta dos alunos a uma série de itens e critérios. Para cada item é atribuída uma pontuação numérica relacionada com a escala usada para determinar os graus de aquisição. Ao calcular a média das pontuações