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Os Objetivos Nacionais

No documento 2007AnaPaulaLimaTibola (páginas 48-52)

II ESG E DOUTRINA: Fundação da Escola e desenvolvimento da doutrina esguiana

2.2 A doutrina da ESG

2.2.1 Os Objetivos Nacionais

Segundo a ESG existem dois pressupostos para a ação política de uma Nação. Primeiramente seria necessário “definir objetivos” e em seguida “conhecer os meios a empregar para atingi-los”. Dito de outra forma, “trata-se, no primeiro caso, de estudar os Objetivos Nacionais e, no segundo, de analisar o Poder Nacional”72. Nesse sentido, passaremos a tratar dos Objetivos Nacionais e suas conceituações, visto a importância e significado destes para a DSN. Segundo Sheguenoli Miyamoto:

“Voltada, em tese, para a necessidade de se dotar o país de condições necessárias à proteção e à segurança, não só do território, mas da própria coletividade, a Segurança Nacional vai encontrar nos Objetivos Nacionais as suas bases. Esses Objetivos Nacionais correspondem às necessidades da Nação, tanto em um prazo mais longínquo, quanto àquelas relativas às situações conjunturais. Logo, os Objetivos Nacionais existem em dois níveis: os Objetivos Nacionais Permanentes e os Objetivos Nacionais atuais.”73.

Os Objetivos Nacionais, no entender da DSN, são definidos a partir de um conjunto de necessidades e aspirações da Nação. Essas necessidades e aspirações se encontram dentro da comunidade nacional e caracterizam os interesses comuns à população. Nesse sentido, ao se atingir os Objetivos Nacionais estaria sendo conquistado aquilo que a ESG chamou de “Bem Comum”. Para o sucesso desse processo, no entanto, é imprescindível o conhecimento do desenvolvimento histórico-cultural da Nação.

Os Objetivos Nacionais se dividem em Objetivos Nacionais Permanentes (ONP), Objetivos Nacionais Atuais (ONA) e Objetivos de Governo (OG). Os ONP seriam “as necessidades, os interesses e as aspirações vitais” da sociedade, em um longo espaço de

72ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA (BRASIL).Fundamentos da Escola Superior de Guerra.Rio de Janeiro:

A Escola, 1988; p. 37.

tempo, ou seja, objetivos de caráter estrutural, relativos ao desenvolvimento histórico-cultural da Nação. Os ONA também pretenderiam o alcance do “Bem Comum”, porém em espaços mais curtos. Eles tratariam das demandas conjunturais, podendo alcançar mais de um período de governo, podendo ser considerados etapas dos ONP. Já os Objetivos de Governo, seriam estabelecidos por um único governo, e deveriam estar em sintonia com os ONP. Para a doutrina:

“O descompasso ou o conflito entre os objetivos estabelecidos pelo governo e as autênticas aspirações nacionais comprometem a legitimidade e as ações do governo e contribuem para a desagregação nacional”74.

Segundo a DSN, para que se identifiquem e se estabeleçam os Objetivos Nacionais é preciso que se leve em consideração os “condicionantes internos” e os “condicionantes externos”. Esses condicionantes, entretanto, apesar de se converterem em pressupostos básicos para a maioria das políticas nacionais, precisam respeitar as peculiaridades em relação aos recursos e processo histórico-cultural de cada Nação. Nesse sentido, embora o bem comum seja um objetivo universal, existem variáveis que condicionam os objetivos das diferentes Nações. Para a ESG,

“A identificação dessas variáveis deve ser buscada em duas vertentes. A primeira diz respeito a essa mesma evolução histórico-cultural da comunidade nacional; a segunda, a presença do País na comunidade internacional, possibilitando compreender a forma como tal realidade interage com os interesses e aspirações nascidos dentro da cultura nacional.”75.

Os condicionantes internos destacados pela doutrina seriam “humanos”, “físicos” e “institucionais”. Entre os condicionantes humanos estariam o “caráter Nacional”, resultado do processo de formação da Nação, que compreendia a interação de diferentes aspectos culturais, e as “elites”. É interessante perceber que a doutrina, assim como o positivismo, delega às elites o poder decisório dentro da sociedade global. É válido lembrar, que as Forças Armadas, assim como Alberto Torres, não estavam satisfeitas com as elites brasileiras, fruto do modelo político-econômico liberal que vigorava no Brasil. Isso mostra a própria razão de ser da ESG, que era formar uma elite pensante e capaz de identificar e conduzir o “Bem Comum” da Nação. Sobre as elites a doutrina diz o seguinte:

74ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA (BRASIL).Fundamentos da Escola Superior de Guerra.Rio de Janeiro:

A Escola, 1988; p. 40.

“Elites são conjuntos de pessoas que, seja no Governo, seja nos diferentes segmentos da sociedade nacional, exercitam papéis de condução ou representação das necessidades, dos interesses e das aspirações coletivas.”76.

Assim, no entender da ESG, se estabeleceria uma ordem democrática, pois as elites deveriam pautar suas ações guiadas pelos Objetivos Nacionais, emanados pela Nação, os quais precisariam estar aptas a identificar. Caso contrário, ou seja, se as elites ignorassem os Objetivos Nacionais e conduzissem a política nacional de acordo com seus próprios interesses, perderiam a sua legitimidade e, conseqüentemente, seriam substituídas pela vontade da comunidade nacional “restabelecendo assim uma perfeita identidade de propósitos”77.

Além dos condicionantes humanos, outro aspecto fundamental são os condicionantes físicos. Eles também vão identificar os Objetivos Nacionais. Os condicionantes físicos seriam:

“A extensão territorial, o posicionamento geográfico, a suficiência, abundância ou escassez de recursos naturais, o clima e o relevo [que] limitam ou facilitam a formação da identidade nacional. [Além disso], conforme as nações sejam mediterrâneas, insulares, tropicais, temperadas ou frias, possuam grande ou pequena extensão territorial, abundância ou carência de recursos minerais, apresentarão Objetivos Nacionais distintos. A grande extensão territorial nunca é homogênea e a diversidade de suas regiões exige cautela no estabelecimento de autênticos objetivos nacionais.”.

A preocupação dos esguianos com os condicionantes físicos está expressa nos dois principais Objetivos Nacionais da doutrina da ESG, Segurança e Desenvolvimento. Nisso se pautaria uma série de outros objetivos – atuais e/ou de governo – como, por exemplo, o desenvolvimento da comunicação entre as regiões, bem como o povoamento das vastas áreas desertas do país, essenciais para garantir a segurança e o desenvolvimento. A própria construção de Brasília, um plano antigo dos militares em levar a capital do Brasil para o interior do Brasil, está relacionada com os condicionantes físicos. Seria uma estratégia de preservar a capital, já que o Rio de Janeiro por se localizar na costa do país seria alvo fácil em uma invasão estrangeira. Além disso, na visão dos militares, estabelecer a sede do Poder

76ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA (BRASIL).Fundamentos da Escola Superior de Guerra.Rio de Janeiro:

A Escola, 1988; p. 42.

Nacional no coração do Brasil permitiria o desenvolvimento das demais regiões atrasadas do Estado. A revista da ESG, em edição já citada, ainda expressa esse sentimento de progresso que julga ser creditado ao período das Forças Armadas no Poder. Segundo artigo da revista:

“São cinqüenta anos de realizações que têm como ponto de partida o entusiasmo de alguns idealistas. Os generais César Obino, Cordeiro de Farias, Juarez Távora e tantos outros pensaram com grandeza o futuro do Brasil. O que era o Brasil naquela época? Um grande país agrícola com imensas áreas despovoadas, desprovido de ligação terrestre entre importantes regiões, a população relativamente pequena e concentrada ao longo do litoral e rios, elevado analfabetismo e poucas escolas. Apesar do tamanho pouca expressão internacional, mesmo no cenário regional.”.

E segue o artigo,

“Como é o Brasil hoje? O crescimento foi notável! Estamos entre as maiores economias do mundo, com crescente importância no âmbito internacional e com enorme potencial ainda a se desenvolvido, ou seja, estamos gradativamente construindo o que pensadores do passado apontavam como destino de grandeza.”78.

Considerando todos esses condicionantes, o general Golbery do Couto e Silva elencou quais deveriam ser os Objetivos Nacionais Permanentes do Brasil. A partir dos objetivos que traçou, Golbery nos deu a idéia de como enxergava as potencialidades e necessidades do país. Para o autor, a “ação geopolítica”, ou seja, a política do Estado Nacional deveria considerar os seguintes ONP:

“– a salvaguarda intransigente de nossa independência política, admitidas, embora, autolimitações, nunca essenciais, da soberania nacional, em benefício da cooperação e da paz internacionais;

– a manutenção de um estilo de vida democrático, com bases cada vez mais amplas na participação efetiva e consciente do povo;

– a garantia das liberdades regionais (sentido federativo) e da autonomia local (municipalismo);

– a consolidação da unidade do grupo nacional, através de crescente integração social, com fundamentação nos princípios da justiça social e da moral cristã;

– a incorporação efetiva de todo o território nacional, humanizando- se e valorizando-se os largos espaços ainda vazios;

– o fortalecimento equilibrado da estrutura econômica, de modo a assegurar elevados níveis de bem-estar e cultura a todo o povo, em todas as regiões do país, e garantindo-se o grau de auto-suficiência realmente indispensável ao pleno exercício da própria soberania nacional;

– a manutenção do status quo territorial na América do Sul, contra quaisquer tendências revisionistas ou a formação de blocos regionais, políticos ou simplesmente econômicos, que possam vir a constituir ameaça à própria paz do continente;

– o robustecimento da solidariedade e cooperação entre os povos da América, para o progresso geral e a defesa continental;

– o fortalecimento do prestígio nacional no âmbito externo com base no princípio da igualdade jurídica dos Estados, e a crescente projeção do país no exterior com vistas a salvaguarda eficaz de seus próprios interesses e em benefício também da própria paz internacional.”79.

A atuação da ESG na política nacional se baseou nos ONP de Golbery. Para o general, os ONP são objetivos políticos, enquanto os Objetivos Nacionais Atuais são objetivos estratégicos. Esses objetivos estarão presentes no embate entre a doutrina esguiana e a conjuntura do governo João Goulart.

No documento 2007AnaPaulaLimaTibola (páginas 48-52)