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Com a Lei do SINASE, maiores investimentos estão sendo realizados para a formação profissional dos educadores sociais e crescem os convênios com Instituições de Ensino Superior e instituições do mercado de formação para a criação de cursos de capacitação para o SSE. A revisão de estudos realizada indica, entre as atividades de formação destinadas ao SSE, a ênfase nas contribuições da Pedagogia da Presença, elaborada por Antônio Carlos Gomes da Costa (Costa 2001a; 2001b; 2006a; 2006b). O autor coordenou diretamente, por meio da sua empresa, ou prestou consultoria a diversas dessas atividades de formação.

A Pedagogia da Presença, inspirada na Pedagogia da Libertação de Paulo Freire, é um referencial teórico-prático a qual propõe que o educador exerça presença construtiva e significativa na vida do educando. No âmbito das MSEs, a terminologia empregada na Pedagogia da Presença refere-se ao educador social como socioeducador e ao adolescente atendido como socioeducando. Chama-se de socioeducador os “profissionais de níveis distintos (fundamental, médio e superior) e de diversas áreas que atuam no campo da execução das medidas socioeducativas impostas a adolescentes a quem se atribua o cometimento de atos infracionais” (Costa, 2006a, p.12).

A Pedagogia da Presença tem sido patrocinada oficialmente como método central de ação socioeducativa a ser trabalhado nas práticas de formação profissional, privilegiando o estabelecimento de vínculos afetivos e de mútuo comprometimento entre adolescentes atendidos (socioeducandos) e adultos que atuam na unidade (socioeducadores). Essa presença educativa se pauta em princípios de empatia, sensibilidade, atenção à singularidade, emancipação e respeito mútuos, que convergem

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com nossa visão do educador social como importante promotor do desenvolvimento dos adolescentes e é compatível com o referencial relacional e dialógico assumidos por nós.

Dentro do referencial da Pedagogia da Presença, Costa (2006a) organizou 7 macrocategorias de parâmetros para a formação profissional dos educadores sociais que executam as diversas MSEs no país, a saber:

 Parâmetros Jurídicos: por exemplo, Constituição Federal, ECA e Regras Mínimas das Nações Unidas para os Jovens Privados de Liberdade;

 Parâmetros Políticos: por exemplo, as lutas dos movimentos sociais em favor dos direitos humanos e as políticas sociais de Assistência Social;

 Parâmetros Sociológicos: por exemplo, dinâmicas sociofamiliares e comunitárias e reprodução de mitos sobre violência juvenil pela mídia;

 Parâmetros Éticos: por exemplo, cosmovisão dos direitos humanos e diversidade de modos de resolução de conflitos;

 Parâmetros Históricos: por exemplo, as Doutrinas da Situação Irregular e da Proteção Integral; e o histórico do sistema de atendimento socioeducativo; e  Parâmetros Pedagógicos: Educação Básica, Educação Profissional e Educação Social.

A construção do próprio perfil profissional do educador social brasileiro é um desafio, por conta das indefinições de tarefas, da diversidade de contextos em que atuam e do histórico de des-profissionalização desses trabalhadores. Concordamos com Romans e cols. (2003) e com Teixeira, Mezêncio e Fuchs (2010) que, para uma atuação profissional de qualidade como educador social, não é suficiente possuir boa vontade, boa fé e/ou conhecimentos do senso comum; ao longo do tempo, essa premissa por nós questionada dispensou a profissionalização desse grupo.

O trabalho como educador social demanda conhecimentos teóricos, legislativos, técnicos, políticos e éticos, bem como o desenvolvimento de características pessoais adequadas a esse trabalho (Canastra, 2009); além disso, esse trabalho é perpassado por antinomias (sanção/educação; autonomia/ heteronomia), dilemas éticos e fortes demandas emocionais. Consideramos que todos estes elementos devem dialogar em qualquer atividade de formação, a fim de potencializar mudanças institucionais e subjetivas que favoreçam a garantia de direitos dos trabalhadores e dos usuários do SINASE.

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Ao longo da revisão da literatura, identificamos diferentes características associadas a um perfil para o educador social, que podem colaborar em processos de seleção e de formação profissional. Essas características se fundamentam na Pedagogia da Presença (Costa 2001a; 2001b; 2006a; 2006b), em experiências de formação em diferentes estados brasileiros (IASP, 2007; SDH, 2010b) e em trabalhos da Pedagogia Social (Romans & cols., 2003) e da Psicologia (Canastra, 2009; Caro & Guzzo, 2004; Teixeira, Mezêncio & Fuchs, 2010).

Do ponto de vista do posicionamento filosófico-político do educador social, é desejável um comprometimento com uma visão de mundo, de educação e de adolescência que o permita reconhecer as próprias necessidades formativas e lidar com as contradições e tensões presentes no trabalho socioeducativo, em especial, a antinomia dialógica que envolve a natureza sanção/educação da MSE e o dilema de educar na ausência da liberdade.

No que se refere a competências técnicas, o educador social precisa ter conhecimentos específicos sobre o fenômeno socioeducativo, a incluir a legislação da área, os processos de desenvolvimento humano, as múltiplas determinações que participam do processo de envolvimento de um adolescente com atos infracionais, bem como deve conhecer as metodologias privilegiadas na área (ex: entrevistas, visita domiciliar, coordenação de atividades em grupo).

Também existiriam características pessoais que participam do perfil desejado para um educador social, por exemplo: persistência; empatia; boa autoestima; autocontrole emocional em situações de tensão; boa resolução das próprias questões pessoais em relação a figuras de autoridade; habilidades de trabalho em equipe; presença educativa; habilidades comunicativas; respeito à diversidade humana; resistência à frustração; habilidades de resolução de conflitos; autocuidado; e atitude reflexiva e ativa na busca de melhorias na sua prática profissional. Do nosso ponto de vista, estas características de um perfil profissional para educadores sociais devem ser valorizadas nas rotinas de uma equipe de trabalho e na cultura institucional, não sendo consideradas características intrínsecas a cada educador social. A subjetividade, do ponto de vista dialógico e narrativo, é lida de modo pragmatic e circunscritor culturalmente.

A formação profissional/ pessoal de educadores sociais tem interessado alguns pesquisadores de Psicologia, do ponto de vista teórico e metodológico, mas esse ainda é um movimento tímido e expressivas lacunas perseveram. Consideramos a necessidade de

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ampliação das abordagens teórico-metodológicas que têm sustentado atividades de formação de educadores sociais do SSE, por meio do investimento em perspectivas contemporâneas do desenvolvimento humano, como o enfoque dialógico aqui adotado. Após encerrarmos nossa Revisão da Literatura com a breve apresentação dos principais referenciais empregados no país para a formação de profissionais socioeducativos, apresentamos os objetivos da nossa pesquisa e, em seguida, o seu delineamento metodológico.

38 CAPÍTULO 3: OBJETIVOS

A pesquisa se delineou a partir da fundamentação da Psicologia Sócio-Cultural articulada à perspectiva dialógica sobre a subjetividade. Compreende-se que o desenvolvimento profissional dos educadores sociais que atuam no SSE é orientado pela articulação entre diversos elementos que dialogam entre si, dentre os quais se destacam os circunscritores institucionais, as concepções de mundo e de sujeito e os posicionamentos profissionais promovidos no cotidiano de trabalho. Além disso, as atividades de formação são consideradas como contexto potencializador de transformações nas identidades profissionais e na cultura institucional do SSE.

Nesta pesquisa, estamos investigando fenômenos circunscritos por grande tensão dentro do SSE, em relação aos trabalhadores, aos adolescentes, aos colegas de trabalho e a diferentes estilos de gestão. Tomamos a decisão metodológica de tratar os dados de modo coletivo, no intuito de cuidar pelo sigilo das identidades dos participantes e das instituições; com isso, as enunciações dos participantes da pesquisa funcionam como indícios coletivos para o levantamento de indicadores de formação profissional/ pessoal. Assim sendo, a presente pesquisa foi norteada por três objetivos:

 Investigar enunciações associadas aos processos de desenvolvimento profissional de educadores sociais que atuam no sistema socioeducativo, com foco na articulação entre processos de subjetivação e de institucionalização;

 Analisar concepções dos educadores sociais em relação a sua trajetória, atuação, identidade e formação profissional; e

 Identificar indicadores de formação que possam subsidiar futuras propostas de formação profissional e pessoal orientadas a profissionais que atuam no sistema socioeducativo, de caráter crítico, dialógico e reflexivo, que trabalhem no nível subjetivo e no nível da cultura institucional das unidades socioeducativas.

Na sequência, apresentamos o delineamento metodológico do estudo, considerando a epistemologia crítica-interpretativa e os diferentes procedimentos de construção das informações da pesquisa.

39 CAPÍTULO 4: METODOLOGIA