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2.2 – Os prédios e as novas formas da cidade.

O movimento físico-urbano, entendido aqui como modificações arquitetônicas de Belém, sobretudo na segunda metade do século XX com a retomada de crescimento demográfico, momento em que se firmaram na cidade as construções dos primeiros arranha-céus12.

As propostas dos desenhos arquitetônicos vigente em Belém, principalmente depois da criação da escola de engenharia, estiveram inseridos num caudaloso confronto de linguagens absorvidas e traduzidas em diversas construções do meado do século XX, na capital paraense. Mas, já se encontram, a partir dos anos 40, as linhas verticais que aproximaria a linguagem arquitetônica dos traços vigorante da Arquitetura Moderna Brasileira.

Entre 1930 – época da criação da primeira escola de engenharia – e 1964 – ano da fundação da Faculdade de Arquitetura na Universidade Federal do Pará (UFPA), com jovens professores gaúchos já filiados ao modernismo dominante – a produção arquitetônica de Belém foi marcada pela convivência entre o ecletismo tardio, o neocolonial, o Art Déco, o racionalismo clássico, ecos do modernismo internacional e obras já filiadas àquela que seria conhecida como Arquitetura Moderna Brasileira (SARQUIS et al, 2003, p. 30).

Uma dessas edificações que marcariam a modernidade nas construções belenense nos anos 60 foi o Edifício Manuel Pinto da Silva, que começou a ser construído entre 1948 a 1950, portanto, antes da implantação da Escola de Arquitetura. Primeiramente foi construído o primeiro bloco, a partir de 1952 começou a construção do segundo e terceiro bloco, sendo inaugurado em 1960 (SOBRAL, 2002, P 35). O empreendimento imobiliário era entendido como: “O edifício que retrata um caráter – em linha reta para o alto, da planície para o céu – aonde chega o ideal, quando a fé o sustenta e o trabalho realiza – e Belém ganhou um custoso adereço útil para exibir-se nos festivais do progresso”, afirmava o jornal da época. 13

12 O jornal O Liberal, Domingo 17 de abril de 1960. pg. 04, apresenta o Convite de Inauguração do Edifício Manuel Pinto da Silva. Publicado num domingo de páscoa, na época ficava entre as 12 torres mais altas do mundo e era entendido como “símbolo de uma idade nova que se anuncia para esta cidade, cidade da Planície Amazônica, ansiosas as duas de galgar planos superiores de civilização”.

O edifício Manuel Pinto da Silva foi projetado pelo arquiteto paraense Feliciano Seixas e ficava entre as 12 torres mais altas do mundo e era apresentado como símbolo de uma “idade nova” que se anunciava para cidade de Belém, cidade da Planície Amazônica; ambas (cidade e planície) ansiosas para galgar planos superiores de civilização, conforme dizia um periódico da época14.

De qualquer forma tornou-se indiscutível em Belém a importância das transformações construtivas de cunho racionalista, enquanto signatárias do processo de verticalização (tardio) da cidade, ainda que sem uma orientação artística claramente definida. Obras e profissionais engajados num espírito de modernidade pragmática trouxeram inovações e avanços projetuais para a cidade, mesmo sem a organização de grupos ou publicações, e sem uma completa identificação com as formas e idéias das vanguardas internacionais e brasileiras. Os profissionais belenenses ainda transitavam entre o autodidatismo pessoal e o desejo coletivo por algo novo, que abriria caminho para a consolidação de iniciativas e preceitos associados ao modernismo propriamente dito (SARQUIS et al, 2003, p. 40-41).

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Feliciano Seixas, arquiteto contemporâneo de Oscar Niemeyer na Escola de Nacional de Belas Artes em Rio do Janeiro, declarava sua gratidão à arquitetura e a “filosofia” de Le Corbusier, arquiteto modernista, que defendia as questões relacionadas à economia e funcionalidade da construção arquitetônica. No entanto, a forma sinuosa surge como um elemento exterior de seu edifício. Seixas dinamiza as fachadas desse edifício, de forma plástica, uma vez que concebeu suas sacadas espaçosas, impactando a forma construída em uma área desprovida de grandes construções (VIDAL, 2008, p. 153).

Ergue-se a torre entre casas construídas no século XIX e árvores que delineavam a planície da cidade. Belém a partir de então estava pronta para viver sua tragédia de modernidade, num sentido bermaniano (confrontos dramáticos de intermináveis mudanças). Não se sabe quantas pessoas se jogaram do prédio, se for considerar a morte natural. Mas talvez, aqui caiba pensar morte daqueles que não conseguiram continuar vivos no turbilhão da modernidade. Não foram poucos, alguns ainda continuaram a encenar os

14 Os anúncios apresentavam referências detalhadas da construção do Edifício Manuel Pinto da Silva, assim como convite a todos para a inauguração. Jornal O Liberal, Domingo, 17 de abril de 1960

limites da tensão interior. É muito perigoso saber que não se tem para onde fugir, pois a vida é um jogo diabólico sem trégua.

Foi Walter Benjamin que escreveu que a modernidade contrapõe obstáculos desproporcionais ao entusiasmo e força produtiva natural do ser humano. Entende-se que haja fracasso, e muito vão se refugiar-se na morte (1991, p. 99).

A modernidade deve estar sob o signo do suicídio, que apõe o seu selo a um querer heróico que não faz concessões à atitude que lhe é hostil. Tal suicídio não é desistência, mas heróica paixão. É a conquista da modernidade no âmbito das paixões (BENJAMIN, 1991, p.99).

Figura 3 - Convite de Inauguração do Edifício Manuel Pinto da Silva. Publicado dia 17 de abril

de 1960, domingo de páscoa no Jornal O Liberal.

Deve-se pensar o suicídio quase como uma alegoria da modernidade em Belém, não como provocação contra a vida natural, mas uma ruptura contra

a própria experiência do fazer artístico. Muitos artistas que experenciaram inscrever trabalhos em Salões de Artes desde os anos de 1940 desapareceram nas décadas seguintes, tomaram outros rumos, suicidaram-se. Para se ter uma idéia, o primeiro Salão da Universidade em 1963 classificou sessenta e cinco (65) artistas, enquanto que dois anos depois, o mesmo Salão da Universidade classificou apenas trinta e cinco (35). Se não foi uma morte voluntária, ou seja, uma autoconsciência artística clamando para que não continuassem, pode ter sido a chegada de novas perspectivas se impondo como modelo rígido. Deste modo, um prédio moderno de quase cem metros de altura afincado no meio da cidade de casarões do século XIX pode ser entendido como uma alegoria do terrível presságio de coisas catastróficas.

A fundação do edifício Manuel Pinto da Silva marcou simbolicamente o fim da geração (nascida nos últimos decênios do século XIX) que havia usufruído da opulência econômica belenense, minguada em nos anos 10. Como a modernidade oferecia novos desenhos em novas linhas, os móveis e imóveis passaram a ser refutados. Quem comprava seu novo apartamento recusava a levar seus móveis antigos para a nova vida e no bojo iam também as velhas bibliotecas, as obras de artes, registros fonográficos etc.15.

As modificações na paisagem urbana tomaram fôlego com a implantação da Escola de arquitetura da Universidade Federal do Pará, em 1964, o ensino se interligará aos saberes e aos fazeres da engenharia, da pintura, da arquitetura, contribuindo para que as artes plásticas, também, comecem a viver um novo momento na região.

Para compor a primeira equipe de professores foram convidados cinco (5) profissionais oriundos do Rio Grande do Sul, quem relata esse fato é o professor Jorge Derenji: “Era, fomos cinco os arquitetos que vieram inicialmente de lá: Amilcar Montenegro, Enio Wolf Livi, Bohdan Bujnovski, Hélio Veríssimo, Baldur Krapf e eu. (...) Não! Nós éramos cinco (5) inicialmente o Helio Veríssimo veio um pouquinho depois, foi o sexto. Depois, no ano seguinte teve aqui mais o Cristiano Miranda16.

15 Cf. com a prática dos leilões em Belém, na página 20.

Figura 4 Inauguração da Escola de arquitetura na Universidade Federal do Pará em 1964.

Fonte: Biblioteca Central da UFPA

Figura 5 – Alguns nomes que marcaram essa época: 01 - Antônio Boez, 02 - Lúcia Daltro de

Viveiros, 03 – Milton Montes, 04 – Enio Wolf Livi, 05 – Roberto de La Rocque Soares, 06 - Bohdan Bujnovski, 07 – Rosa Tavares, 08 – Alcyr Meira, 09 – Jorge Derenji.

A primeira turma de arquitetos no Pará se formou em 1966. Integraram esse grupo: Alcyr Meira, Camilo Porto de Oliveira, Lúcia Daltro de Viveiros, Milton Montes, Roberto de La Rocque Soares e Rui Vieira (PINTO, 2008, p. 134). Havia na formação desses novos profissionais a vivência trazida pelos professores gaúchos na área das artes plásticas, pois, como disse Derenji:

É preciso considerar que, minha formação foi numa faculdade em Porto Alegre, cuja ênfase eram as técnicas e a prática projetual. Em Porto Alegre havia uma escola de Belas-Artes, onde se deu inicialmente, o ensino de arquitetura. Posteriormente foi criada a faculdade de Arquitetura na UFRGS. Portanto, a interação da arquitetura com as artes plásticas, aqui aconteceu de forma diferente, as coisas se entrelaçaram por muito tempo, até que as artes plásticas seguiram seu caminho.17.

As aulas práticas de arte na Escola de Arquitetura, assim como a promoção de salões de arte, que traziam em seus programas e o trânsito de experiência artística por meio das trocas de ideias em palestras, cursos livres, exposições estimularão, sobremaneira, as discussões sobre a atualização artística ao longo da segunda metade do mesmo século na região; grande parte dos artistas que se projetarão nas três últimas décadas do século XX estudou na Escola de Arquitetura, como é o caso de: Dina Oliveira (1951), Emanuel Nassar (1949), Osmar Pinheiro (1950-2006), Valdir Sarubbi (1939- 2000) etc.

Portanto, o movimento físico-urbano trata das modificações da cidade, suas novas proposta de moradia, seus novos ângulos de contemplação urbana, novas linhas retas verticais a partir das novas ideias dos projetistas paraenses agitados pelas inquietações da modernidade.

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