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OS PRAZERES E AS DESVENTURAS DE SER QUEM SE É

No documento Download/Open (páginas 98-100)

Com uma única vida, pode-se escrever mil autobiografias. Não é necessário mentir, basta deslocar uma palavra, mudar um olhar, para iluminar um outro aspecto da realidade enterrada. (CYRULNIK, 2009, p. 205)

No que diz respeito à educação das pessoas com deficiência, as Políticas Públicas brasileiras vêm cada vez mais se afinando com o que se convencionou denominar de educação especial na perspectiva da educação inclusiva. Tal conceito abrange em si a ideia que as pessoas com deficiência devem participar da escolarização em classes comuns de escolas regulares e ter acesso a um atendimento especializado que complemente e/ou suplemente suas necessidades educacionais.

Embora a legislação brasileira acerca dessas garantias seja contundente, frente à resolução das demandas escolares das pessoas com deficiência nem sempre a realidade o é. Percebemos que, em sua maioria, as condições para uma inclusão de qualidade não são favoráveis, devido a inúmeros fatores, dentre eles: a falta de profissionais especializados nas escolas e nas redes públicas de ensino, de forma geral; a escassez de material didático acessível; a inexistência de recursos técnicos apropriados; a ausência de investimentos na formação continuada dos profissionais da educação; a não participação das famílias e da sociedade na construção de um sistema educacional inclusivo.

Embora os dados do Ministério da Educação, como aqueles levantados pelo

Censo Escolar da Educação Básica, indiquem que o número de matrículas de alunos

com deficiência venha crescendo ano após ano, apenas o acesso aos bancos escolares não é suficiente para uma inclusão verdadeira. O desafio que se impõe é garantir a permanência e a saída exitosa destes estudantes das escolas regulares, por meio do estabelecimento de uma rede de apoio que possa sustentar sua presença na sala de aula com qualidade e de maneira equânime perante os alunos que não têm deficiência.

No que tange à educação técnica profissionalizante da Rede Federal de ensino, que serviu de pano de fundo para esta pesquisa, constatamos que a realidade não é diferente. Saímos, de fato, de um patamar assistencialista e caritativo, que muitas vezes desconsiderava as potencialidades das pessoas com deficiência, e passamos a um comportamento que tem como meta assegurar a plena participação desta fatia da população no contexto econômico, político e cultural brasileiro, mormente conduzido pelas vias acadêmicas.

Contudo, por vezes este processo torna-se embotado pelas discrepâncias entre aquilo que os documentos oficiais proclamam e a prática construída nos ambientes sociais, entre os quais a escola, que ora nos interessa de modo especial.

86 A presente pesquisa teve como objetivo geral caracterizar a construção do processo de ensino e aprendizagem de uma aluna com baixa visão, em cursos técnicos agrícolas subsequentes do IFMT Campus Cáceres, através da narrativa de seus itinerários de aprendizagem. Nesse âmbito, julgamos extremamente pertinente nos valermos da história de vida como sustentação para a nossa pesquisa. De que forma poderíamos perceber mais apropriadamente este processo de inclusão/exclusão, senão através da fala dos que a buscam em seus dia a dia por necessidades tão específicas?

O relato autobiográfico da pessoa com deficiência, a quem é dada a voz e a vez, para olhar para si mesma e para o outro com quem convive e que a ajuda a constituir seus itinerários escolares e de vida, mostrou-se um excelente caminho de descoberta. Foi por meio dessas escutas que despontaram aspectos relevantes no desenho do percurso da aluna de baixa visão em cursos técnicos agrícolas. Das falas desta aluna rebentaram dores e vitórias, paixões e desgostos, sonhos e realidades. Pudemos entrever em suas palavras nuances de seu relacionamento com a família, consigo própria, com os profissionais da saúde e da educação com os quais ela conviveu.

Deste modo, nossos objetivos específicos de perceber os elementos de construção da identidade da pessoa com baixa visão em sua inclusão escolar e averiguar as marcas sócio-culturais que influenciam o processo de inclusão escolar da pessoa com baixa visão foram contemplados.

Rememorar o passado trouxe à baila a reconstrução da história da nossa entrevistada, lembranças que ultrapassaram em muito o contexto escolar e, nele, o lado meramente pedagógico. O rompimento com a noção de pessoa estigmatizada e o desabrochar de uma pessoa resiliente, que conseguiu superar-se frente às agruras da vida, estabelecendo processos de enfrentamento e fortalecimento.

Aprendemos, com a história que nos foi contada, a respeitar mais do que nunca o olhar das pessoas com deficiência, as palavras que elas têm a nos dizer. Sem falso trocadilho, são elas quem mais sentem as deficiências da inclusão de pessoas com deficiência. O que na prática não funciona e que deveria funcionar, o que ainda não conseguimos atingir em nossas ações e nossos corações, o que não depende apenas da legislação para acontecer.

A escuta paciente dessas pessoas nos ensina a olhar com mais prazer para aqueles que conseguem conviver bem com condições físicas ou sensoriais peculiares, especiais, e a olhar com mais cuidado para aqueles que não conseguem. A escuta paciente dessas pessoas nos ensina também a construir junto com elas meios mais favoráveis à inclusão e ao enfrentamento das adversidades que as deficiências podem trazer consigo.

Portanto, ao identificarmos as estratégias adotadas por uma aluna de baixa visão e seus professores, para sua formação técnica agrícola no IFMT Campus Cáceres, e ao avaliarmos se tais estratégias consideram a perspectiva de educação inclusiva defendida pelas Políticas Públicas de Educação, estamos caminhando rumo às mudanças devidas, à adequação do contexto escolar às necessidades apresentadas.

Após a realização de uma pesquisa como esta, emerge o desejo de continuar ouvindo outras histórias de vida e de procurar descobrir, em suas entrelinhas, itinerários que possamos seguir juntos na caminhada em direção à inclusão plena.

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