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1.2 Legitimidade e princípios do direito internacional

1.2.2 Os princípios do direito internacional na tradição dogmática de

Os princípios de direito internacional dizem respeito a outra ordem de fenômenos. A relação que se faz com a questão da legitimidade - e em especial com a questão da norma fundamental da teoria das normas de Hans Kelsen – deve-se em primeiro lugar à nomenclatura utilizada para explicar os princípios de direito internacional em língua alemã: regras fundamentais, constituição/estatuto fundamental e princípios fundamentais. Em segundo lugar, a relação entre princípios de direito internacional e a questão da legitimidade – e mais uma vez a também a norma fundamental na teoria das normas de Hans Kelsen – é a utilização das ficções e do sistema de crenças no campo das relações internacionais.

Atribui-se à Alfred Verdross o início da sistematização acerca dos princípios do direito internacional no seminal livro ‘Zur Konstruktion des Völkerrechts’ de 1914 no qual debate o conceito de Constituição da Comunidade de Direito Internacional.152 A sistematização de princípios de direito internacional, por ele denominada regras fundamentais de direito internacional (“völkerrechchtlichen Grundrechte”) perseveraram ao longo de suas obras e assumem versão definitiva na quarta edição do ‘Direito Internacional’ (“Völkerrecht”) de 1959. Nesta obra define que existem determinadas regras as quais se podem designar como regras fundamentais. Trata-se de um tipo específico de direito tendo em vista que falta no direito internacional uma sanção para expressá-lo. Verdross argumenta de duas

152

VITZTHUM, Wolfgang Graf (Hrsg). Völkerrecht. 4 Auflage. Berlin: De Gruyer Rechtsissenschaften Verlags, 2007. p. 33-34.

maneiras: apesar de não haver sanção, estas regras fundamentais são possíveis na comunidade de Estados. Além disso, existem direitos fundamentais no direito internacional geral que compreendem a base daqueles direitos (fundamentais) pertencentes à espontaneidade dos Estados sob o fundamento de sua subjetividade de direito internacional da qual os direitos posteriores são dependentes.153 Menciona

que existem cinco regras fundamentais no direito internacional: o direito à independência, à autodeterminação, à igualdade entre Estados, à honra e ao trânsito ao que enfatiza que são direitos fundamentais admitidos pela doutrina tradicional, ou literalmente, pelos ensinos antigos.154

Wolfgang Graf Vitzhum retoma as lições de Verdross e propõe que os conceitos de regras fundamentais ou princípios fundamentais do direito internacional esboçam o campo cérnico das regras de direito para as relações internacionais. Assinala também que as regras fundamentais do direito internacional estão dispostas na Carta das Nações Unidas por meio da qual existe uma vinculação geral espontânea. Sobre estes princípios manifestou-se a Resolução 2625, entitulada ‘Declaration on Principles of International Law concerning Friendly Relations and Cooperation among States in accordance with the Charter of United Nations’, aprovada pela Assembléia Geral em 24 de outubro de 1970 a partir da qual e possível trabalhar sete princípios: soberania, igualdade de Estados, defesa da paz,

153 Im VR gibt es einzelne fundamentale Rechte, die man als grundrechte bezeichnet. Dabei handelt

es sich aber weder um schwerer abändarbare Rechte, noch um Freiheitsrechte, da diese Rechte die Existenz einer zentralen Gezetzbungsgewalt zur Vorassetzunghaben, die im VR fehlt. (…) Dennoch gibt es auch nicht allgemeinen VR völkerrechtliche Grundrechte, wenn ma darunter jene rechte verseht, die den Staaten unmittelbar auf Grund ihrer Völkerrechtssubjetivität zustehen, während alle andere Rechte vom Vorliegen nochweiterer Voraussezungen abhängig sind.” (VERDROSS, Alfred. Völkerrecht. Vierte Neubearbeite und Erweiterte Auflage.Viena: Springer – Verlag, 1959. pp. 164- 165)

154 “Die ältere Lehre hat in der Regel fünf Grundrechte angenommen, nämlich die Rechte auf

Unabhängigkeit, Gleichheit, Ehre und Verkehr.” (VERDROSS, Alfred. Völkerrecht. Vierte Neubearbeite und Erweiterte Auflage.Viena: Springer – Verlag, 1959. p. 165).

não-intervenção, soluções pacíficas de controvérsias, autodeterminação dos povos e cooperação entre os povos.155

Hans Kelsen inicia a obra ‘Principles of International Law, justificando a utilização da nomenclatura ‘princípios’. Afirma que o livro não tratava somente das normas internacionais, mas também de teoria do direito internacional, o que significaria dizer um exame de sua natureza e conceitos fundamentais, uma análise de sua estrutura e a determinação de sua posição no mundo da lei156. Contudo, os

‘princípios do direito internacional’ em Kelsen possuem uma significação objetiva e isto pode ser percebido nos comentários à Carta de São Francisco. Nesta enfatiza que o primeiro princípio de acordo com o qual a ONU e seus membros irão agir é o da igualdade jurídica de seus membros, mas que a soberania neste caso (do artigo 2º) não significa a igualdade de direitos disposta no Preâmbulo. Kelsen quis também registrar que os privilégios conferidos aos Estados membros permanentes do Conselho de Segurança eram incompatíveis com os princípios da ‘igualdade de direitos’ disposto no Preâmbulo bem como com o princípio da igualdade jurídica157.

Os princípios constantes na Carta das Nações Unidas podem ser considerados tanto de ‘relações internacionais’ quanto de ‘direito internacional. A aproximação que Kelsen faz dos princípios é acentuadamente jurídica: enfatiza

155 UNITED NATIONS. Resolution 2625 (XXV) ‘Declaration on Príncipes of International Law

concerning Friendly Relations and Cooperation among States in accordance with the Charter of United Nations. Disponível em http://untreaty.un.org/ilc/texts/instruments/english/ draft%20 articles/9_9_2006.pdf. Acesso em: junho de 2008.

156 KELSEN, op. cit., p. vii 157

O autor faz referência às dificuldades da negociação da Carta e reproduz ‘ipsis literis’ declarações de delegados contrários à utilização da palavra ‘sovereign’ juntamente com ‘equality’ no artigo 2º.. O assunto foi pacificado com o Relatório da Comissão o qual votou pela utilização a terminologia ‘sovereign equality’ com base no seguinte: “The Committee voted to use the terminlogy ‘sovereign equality’ on the assumption that it includes the following elements: (1) that states are juridically equal. (…) If the States are ‘equal’ in spite of the fact that some have privileges which others have not, the term ‘equal’ has lost its original sense. ‘Juridical’ equality means ‘equality before the law’, which the law and that means that everybody has the duties and rights which the law confers upon him, or that everybody shall be treated as the law providers; which is an empty tautology.” (KELSEN, op. cit.,pp. 50 a 53)

nomenclaturas, demonstra opções tomadas ao longo do processo de negociação e aponta para eventuais inconsistências ou conflitos normativos.158 A relação entre

princípios (na época dos comentários à Carta, somente princípios da Organização das Nações Unidas) e a questão da soberania consta na tradição da literatura jurídica internacionalista - na qual se destacam Oppenheim, Verdross e o próprio Hans Kelsen – de forma particular.

Em Kelsen o termo ‘principles of internacional law’ pode assumir mais de um significado – conforme foi mencionado no parágrafo anterior – mas um, contudo merece atenção especial por ter relação com a questão da legitimidade e com os fundamentos do direito internacional. A partir da crítica à teoria jusnaturalista, Kelsen sustenta que existe somente um princípio que é pressuposto e não positivado no direito internacional.

“It is only another version of the old natural-law doctrine (…) The so-called fundamental rights of the states are legal principles which are conditions on which an international law is possible at all, the legal principles on which the positive international law is built up. We can find these principles by an analysis of the nature of international law. In other terms, the fundamental rights of the state can be deduced from the nature of international law. (…) This version of the natural-law doctrine is logical just as impossible as is the classical version of that doctrine. Legal principles can never be presupposed by a legal order; they can only be created in conformity with this order. The only principle which may and must be pressupoed is the fundamental principle determining the first constitution of the legal order, ‘constitution’ meaning the rules determining the methods by which the law is to be created. These methods are custom, legislation, treaties.”159

A leitura dos comentários aos princípios da ONU de 1950 pode ser complementada por esta passagem do ‘Principles of International Law’ de dois anos

158

As críticas aos comentários de Hans Kelsen à Carta das Nações Unidas seguem diferentes opiniões. É verdade que a leitura dos comentários pode indicar que a pretense rigidez sugere o contorno das questões mais frágeis do texto. A este respeito: “Significantly, Kennedy, ‘for early criticisms in this mode’, points in his footnote to three reviews of The Law of the United Nations. Oscar Schachter disparages ‘Kelsen’s rigid analysis’, Louis Sohn complains that Kelsen ‘is seldom concerned with finding an interpretation which will remove the difficulties and facilitate the working of the United Nations’, and A. H. Feller asserts that the ‘real importance of this effort seems dubious.” (LANDAUER, Carl. Antinomies of the United Nations: Hans Kelsen and Alf Ross. In: European Journal of International Law. Vol. 14 No. 4, 2003, p. 771)

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depois. Para Kelsen, os princípios de direito internacional constantes na Carta não são pressupostos de formação do direito internacional e tão menos de validade de normas. Os princípios de direito internacional não exercem a função de norma fundamental. Kelsen rejeita as teorias do direito natural que vinculam os princípios aos fundamentos do direito internacional.

1.2.3 Princípios e legitimidade no direito internacional: à guisa de