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Os programas politicistas do PT

No documento JOANA DARC VIRGÍNIA DOS SANTOS (páginas 44-49)

Participantes do Estado Social, os membros petistas foram paulatinamente “civilizados” e integrados à reprodução sóciometabólica do sistema do capital. Embora o PT, durante seu processo de formação, tenha adotado discursos em defesa da transformação social e de caráter anticapitalista, na prática, pela própria condição da estratégia politicista, se aninhou nas estruturas do poder realizando reformas para a manutenção do estado capitalista, alcançando benefícios possibilitados pelo acesso ao aparato institucional (OLIVEIRA, 2008).

Durante o longo processo histórico de consolidação do PT como partido governista, houve grande variação na relação entre as categorias identidade e estratégia, conforme Oliveira (2008). Decorre desta análise que a derrocada do Estado de Bem Estar Social, na Europa, as sucessivas derrotas do partido nas eleições federais e a implantação do processo Reestruturação Produtiva no Brasil, trouxeram mudanças significativas para a definição de estratégias do PT no alcance de seus objetivos político-partidários. Ao mobilizar as organizações de lutas sociais para realização das demandas populares no interior da estrutura

44 estatal, os representantes do governo petista desmobilizaram as organizações populares autônomas e reprimiram seu âmbito de ação.

O período de formação do PT, 1979-82, conforme Souza (2004), foi profundamente marcado pelas experiências dos movimentos sociais. Os programas estabelecidos neste período trazem formulações que propõem a realização das demandas sociais de diversos grupos via Estado.

Durante o período 1982-87 o conteúdo dos programas do PT sofreu mudanças substâncias, provocadas pelos impactos das derrotas eleitorais municipais. A necessidade de alcançar o poder político via eleições, durante a “redemocratização”, levou os membros do partido a institucionalizar progressivamente sua organização e atuação, diminuindo a influência das lutas sociais, cuja força não se traduziu em votos no processo eleitoral. Tornou-se necessário, aos membros do PT, ajustar-se à nova ordem política e reorientar o partido para seu papel dirigente disputando a hegemonia, ocupando os espaços institucionais e estabelecendo alianças com outros setores da sociedade brasileira, como a “classe média”. Neste sentido, a democracia participativa, proposta assumida nos programas pós-1982, apresentou-se como uma institucionalização das demandas sociais, combinando elementos da democracia direta e indireta. Tais fatos trouxeram novos interesses ao rol de representação do Partido (SOUZA, 2004).

Apesar dos graves conflitos com os representantes do PT que estavam à frente das prefeituras de Diadema e Fortaleza, segundo Souza, a direção nacional pouco escreveu oficialmente sobre estes embates. Tal fato expressa as dificuldades dos membros, que compunham a direção do partido, em enfrentar as incongruências e divergências entre o programa de governo e as experiências das gestões municipais.

A primeira vez que a prefeitura de Diadema foi citada nos documentos oficiais do PT foi em 1987, por ocasião da eleição de 36 prefeituras municipais em todo o Brasil. Neste documento é possível identificar: o fortalecimento das prefeituras petistas como elemento de sustentação para as lutas no âmbito nacional, a cobrança para que estas administrações se pusessem como exemplo de um modo eficiente de governar diante das limitações do sistema capitalista e a

45 identificação de poucas mudanças efetivamente implementadas durante a gestão petista (SOUZA, 2004).

Importantes subsídios para a compreensão das propostas de atuação do referido partido, frente às crises que assolaram o país nas décadas de 1980 e 1990, foram destacados por Árabe (1998), em análise sobre os projetos políticos elaborados pelos membros do Partido dos Trabalhadores no âmbito nacional. Em momento de acentuada crise econômica, dos fracassos das reformas e dos planos econômicos instituídos pelos representantes do Estado brasileiro, deu-se a primeira eleição direta para presidente da República do Brasil. Neste sentido, o programa do PT, para as eleições presidenciais em 1989, apresentou-se como uma crítica ao estado capitalista, propondo um novo tipo de desenvolvimento, que se constituiria como uma fase de transição para o socialismo. Dentre os elementos estratégicos deste tipo de transição, são destacados no programa: desenvolvimento econômico nacional, redistribuição do poder político a partir da instituição da reforma agrária e fortalecimento da democracia e autonomia nacional. A fim de superar os limites impostos pelo sistema de dominação sobre as classes trabalhadoras, propôs-se o alcance da hegemonia política, para coordenação de um projeto de desenvolvimento econômico com justiça e equidade.

Neste sentido, a proposta de desenvolvimento econômico, declarada em oposição à prática “imperialista” dos mercados internacionais, caracterizou-se pelo fortalecimento de um projeto de desenvolvimento econômico autônomo e nacionalista.

A análise sobre o Estado brasileiro, descrita no programa de 1989, expressa a compreensão dos principais articuladores do PT a respeito da estratégia de luta para o fim da dominação capitalista sobre os trabalhadores. Tomada como principal linha de ação, a conquista do poder político pelos representantes dos trabalhadores organizados em um partido, objetivou o alcance do poder através das eleições “democráticas”. Uma vez no poder, os representantes dos trabalhadores teriam acesso ao aparato burocrático do Estado e poderiam transformá-lo colocando-o a serviço dos interesses da classe que representam.

Diante da crise suscitada pelo impeachment do primeiro presidente eleito por voto popular pós ditadura militar, e da assunção de Itamar Franco à presidência

46 com parcos resultados em termos de crescimento econômico, Lula passou a despontar nas pesquisas de intenção de voto com vantagem significativa em relação ao seu potencial oponente, Fernando Henrique Cardoso39. Todavia, às portas das disputas eleitorais de 1994, o sucesso das políticas de estabilização econômica adotadas pelos representantes do governo Itamar Franco, conhecidas como Plano Real, alinhadas à economia internacional, passam a interferir decisivamente sobre as intenções de voto do eleitorado.

Compunha este cenário de incertezas os embates decorrentes da cisão interna da tendência petista Articulação. Os dissidentes da Articulação organizaram-se sob o nome Articulação de Esquerda e alcançaram hegemonia no partido com a vitória nas disputas pela direção do diretório nacional em 1993. Sob a tensão da disputa interna, o programa de governo de 1994 teve por principal elemento mobilizador a luta por um governo democrático e popular. As gradativas transformações nas diretrizes do partido estão concentradas no programa nacional do PT de 1994, com destaques para a subtração da proposta de controle operário do Estado e o abandono dos conselhos populares que foram substituídos pelos conselhos setoriais, com canalização das reivindicações sociais para a disputa de hegemonia na elaboração de políticas públicas.

Neste programa, a definição do papel dos representantes do Estado caracterizou-se pela coordenação e centralização das ações de intervenção nas áreas econômica e social. Tal conceituação difere do programa de 1989, pois põe o Estado como realizador das transformações democráticas no âmbito do aparato burocrático, por meio de reformas e instituição de legislação reguladora.

Havia um consenso interno sobre a necessidade de realizar alianças com vistas a fortalecer a proposta petista nas eleições40 e, em caso de vitória, a ampla intervenção nos poderes Executivo e Legislativo41. A questão era se articulariam uma frente estritamente de esquerda, proposta de parte dos membros da

39 Conforme a pesquisa publicada pelo Instituto Datafolha em 29/5/1994, Lula detinha 40% das

intenções de voto, contra 17% de Fernando Henrique Cardoso.

40

Sobre os debates acerca das alianças para as eleições em 1989, ver: FALCÃO, Rui. “Alianças e hegemonia”. Disponível em: http://www.teoriaedebate.org.br/materias/politica/debate-eleicoes-1994. Consultado em 20.5.2014.

41

Sobre os debates acerca das alianças para as eleições em 1989, ver: DUARTE, Ozeas. “Sem fantasias doutrinárias”. Disponível em: http://www.teoriaedebate.org.br/materias/politica/debate- eleicoes-1994?page=0,2. Consultado em 20.5.2014.

47 Articulação de Esquerda, ou se buscariam uma aliança de centro-esquerda, conforme ansiavam os ativistas da Articulação Unidade na Luta. Neste sentido, a decisão da direção nacional de estabelecer, como critério para as alianças políticas, o acordo em relação ao plano de governo do PT e a candidatura de Lula, colaborou para a composição de uma frente de esquerda. No processo de negociação para a estruturação das alianças, em consonância com os anseios de alguns petistas mais ao centro, uma série de mudanças programáticas foi imposta, na construção de um programa de caráter reformista e desenvolvimentista, a ser viabilizada através do Estado.

No contexto de estabilização econômica, alcançado com a implantação do Plano Real, sob coordenação do então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, o PSDB fortaleceu-se, na direção de uma aliança de centro-direita. Tal perspectiva, conforme Souza (2004), resulta de novas estratégias de conquista do poder após as derrotas nas eleições presidenciais no segundo turno, em 1989 e 1994. Se por um lado, isso propiciou a constituição do PT como principal partido de oposição ao governo, por outro, neste novo cenário político, a construção do programa do PT assumiu caráter governista propondo uma atuação democrática em oposição ao neoliberalismo42.

Os diferentes matizes ideológicos presentes no conteúdo programático dos programas nacionais do PT, entre 1979 e 2000, segundo Souza (2004), contribuíram para que as diretrizes sobre participação popular, Estado e inversão de prioridades, apresentassem significados diversos, ambiguidades e indefinições.

Desenvolvido de forma processual, de acordo com a interação dos membros do partido com as emergências de sua organização e atuação, a formação do corpo programático do PT padeceu de uma teoria integradora. Embora houvesse diretrizes gerais sobre a atuação dos membros do PT como governantes do Estado, as vivências individuais e coletivas dos petistas atribuíram novos significados às propostas formuladas, modificando o conteúdo-programático no decorrer da trajetória do partido.

42 Utilizamos o conceito neoliberalismo para explicitar a reorganização do capital em resposta à

crise de 1970, cujas características são a privatização do Estado, desregulamentação dos direitos do trabalho, reestruturação da produção e do trabalho. Os países que estavam fora do centro da economia capitalista foram incorporados de forma subordinada ao processo de reestruturação produtiva, lastreados pelo neoliberalismo como nova política de Estado.

48 Em confluência com as análises de Souza sobre os programas e atuação do PT nacionalmente, identificamos na atuação dos petistas em Diadema o abandono da perspectiva de classe, para a construção de uma identidade pluralista que atingisse o maior número de eleitores possível, a fim de propiciar o alcance dos objetivos do partido: ocupar os postos mais elevados da estrutura estatal.

A relação entre o programa nacional do PT e os programas municipais elaborados pelos diretórios petistas, em Diadema, e a análise sobre a operacionalização prática das gestões na cidade, nos possibilitam identificar as variações de diretrizes do partido no âmbito local e nacional; os dilemas, impasses e incongruências da proposta de governo chamada de democracia participativa e o crescente descolamento dos dirigentes petistas, ex-metalurgicos, de sua classe de origem.

Impelidos a uma nova função social: a construção de

No documento JOANA DARC VIRGÍNIA DOS SANTOS (páginas 44-49)