Vitória política do PT: “quem passou por cima da decisão dos núcleos, dos critérios, etc., passaria também por cima dos anseios da população 102 ( ) ”

Contrariamente, a polarização que aconteceu na maioria das cidades brasileiras e a vinculação de votos no pleito local, que obrigava o eleitor a escolher candidatos na esfera estadual e municipal do mesmo partido, propiciaram a disputa acirrada entre várias legendas partidárias em Diadema. A vitória do PT em Diadema nas eleições em 1982 evidenciou a capacidade do partido em catalisar as demandas sociais daquele município durante as campanhas eleitorais. Por outro

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Os resultados das eleições em 1982 constituem expressão do sucesso do pacto estabelecido entre os dois maiores partidos do período. Nas eleições para governadores daquele ano, o PMDB conquistou nove Estados, enquanto o PDS obteve vitória em treze. O único partido que conseguiu romper a hegemonia estabelecida pelo PMDB e PDS nas eleições para os governos dos Estados, foi o PDT com a vitória de Leonel Brizola no Rio de Janeiro. Além disso, o PMDB elegeu 9 senadores, 41,75% dos deputados federais e 42,66% dos deputados estaduais. O PDS elegeu 15 senadores e 49,6% dos deputados federais e 50,27% dos deputados estaduais (SEADE).

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Documento: Diretório do PT Diadema. “Ata da Plenária dos filiados do Partido dos Trabalhadores de Diadema”. 23.1.1983.

110 lado, trouxe dúvidas sobre que diretrizes conduziriam a administração municipal, pois a primeira vitória do PT no âmbito do Poder Executivo deu-se na cidade em que as tendências trotskistas exerciam grande influência. Havia uma enorme expectativa sobre o cumprimento da proposta de campanha, registrada na carta de compromissos, em que os eleitos renunciariam aos direitos de decisão em favor dos Conselhos Municipais de Base (CMB).

Embora Gilson Meneses tenha mantido proximidade com os trotskistas durante a campanha, depois de eleito e antes de tomar posse, passou a participar de encontros com os líderes estaduais da Articulação. Comissões compostas por membros da executiva estadual passaram a frequentar Diadema a fim de observar o funcionamento do aparato estatal e a relação com os núcleos de base, o que acirrou o clima de disputa entre as tendências internas, especialmente quando passou-se da observação para a composição de quadros administrativos, desconsiderando a proposta de consulta aos CMBs.

Os CMBs ou, como foram nomeados nos documentos estaduais do partido, núcleos de base, alardeado diferencial do PT em relação aos outros partidos, tinham caráter consultivo e possuíam em Diadema poucos membros ativos, devido ao processo de filiação em massa, para as eleições de 1982, que agregou pessoas com interesses e histórias de participação popular diferentes.

Segundo os estatutos do PT, indicativos do processo de organização dos núcleos de base, era intuito dos membros do partido utilizá-los como espaço de educação e mobilização política para a militância, o que acabou não sendo alcançado devido à necessidade de o partido cumprir as exigências para o processo de legalização e desmobilização dos núcleos de base, depois das eleições de 1982.

Sobre a descaracterização dos núcleos de base, Gadotti e Pereira (1989) afirmam que seu funcionamento limitou-se à função de comitês eleitorais e grupos de apoio a vereadores. Tal fato teria sido desencadeado por uma série de fatores, entre eles a lógica imediatista dos processos eleitorais, que demandava a organização de um grande número de pessoas para alcance dos votos necessários à eleição a cada dois anos. Essa organização se dava de forma desvinculada dos processos de luta e formação necessários ao entendimento das propostas

111 ideológicas do partido, prevalecendo a necessidade de conseguir votos da forma mais rápida e eficiente possível.

Após a conquista da Prefeitura de Diadema, em 1983, os CMBs se desarticularam e ficaram sem atuação. Inúmeras tentativas de reorganização destes CMBs foram realizadas, principalmente em momentos de crise de legitimação da administração política de Gilson Meneses, ocasionada por diversos conflitos entre as tendências internas. Tais conflitos versaram sobre os processos de filiações; e em relação à atuação da administração de Gilson Meneses, alinhado às propostas da Articulação, considerada em desacordo com as diretrizes propostas durante a campanha e em outros momentos divergentes dos princípios do partido. Porém, uma análise mais detalhada revela as disputas pelo uso dos poderes conferidos pelos cargos na conquista da Prefeitura de Diadema, em um momento em que o partido ainda não havia alcançado um número expressivo de representantes eletivos, com a eleição de apenas oito deputados federais, doze deputados estaduais, duas prefeituras e 117 vereadores (MENEGUELLO, 1989:125).

Um caso exemplar de discrepância entre o discurso de fortalecimento dos CMBs e as ações do PT em Diadema foi a definição da diretoria de assessoramento do recém-eleito prefeito Gilson Meneses, sem consulta às bases sociais. Neste episódio, conhecido como “o golpe de quatro de janeiro”, os militantes do PT de Diadema sentiram-se traídos pela instância estadual e pelo prefeito eleito, pois, depois de terem se empenhado para a vitória política do partido, em defesa da participação popular na prefeitura, tomaram conhecimento dos nomes que compunham a nova diretoria do governo pelos jornais.

Boni defendeu a autonomia dos núcleos, declarou que foi um golpe o acontecimento do dia 4/1, quando foi homologada, de forma estranha aos princípios do partido, a diretoria de assessoramento direta do Gilson; declarou também que ninguém deveria estranhar o fato de Gilson Menezes, prefeito eleito, não estar presente [nesta reunião], porque o PT de Diadema atualmente estava dividido; finalmente afirmou que o que interessava no momento, não era fazer um bom governo em Diadema, que para isso bastava ser “menos safado” que o Sr. Lauro Michels, falou que o que interessava realmente era a construção de uma sociedade justa,

112 pelo respeito mútuo e pelo respeito a quem sempre foi fiel ao partido e principalmente o respeito aos núcleos de base103_.

Indignado com o “golpe” executado em conluio pelo prefeito, apoiadores mais próximos e direção estadual do PT, Manuel Boni, ativista da tendência Causa Operária, afirmou que, para além da construção de um governo considerado eficiente, está uma questão ética definidora do tipo de partido a ser construído. Dentre os princípios-base do PT, destacados por Boni, estão a criação de uma sociedade justa e o respeito às demandas dos trabalhadores. Segundo sua análise, o desprezo por estes princípios está explícito neste episódio, pois aqueles que viabilizaram, através do seu trabalho, a eleição de Gilson Menezes foram traídos. Tornou-se prioritária a estruturação de uma equipe de governo a partir de critérios partidários, em detrimento da proposta de participação popular, alardeada durante as eleições.

Durante toda a reunião foram levantadas várias denúncias, como exemplos de desrespeito aos princípios do partido. Uma destas denúncias evidencia as dificuldades de implantação dos CPMs, diferencial do governo petista em relação aos outros partidos:

Cleuza de Oliveira, retomou o problema da divergência do dia 4-1; indagou sobre a representatividade dos núcleos, afirmando que os conselhos populares deverão ser criados, através da discussão dentro do partido, pois, do contrário, serão conselhos fantasmas, servirão de trampolim para politiqueiros (...) quem passou por cima da decisão dos núcleos, dos critérios, etc., passaria também por cima dos anseios da população104_.

Temerosa de que as propostas do governo petista fossem esvaziadas e os interesses dos trabalhadores suplantados por politiqueiros, Cleuza destacou a importância de fortalecer a representatividade dos CMPs nos debates internos do partido. Para que a proposta de participação popular fosse efetivada, os membros petistas deveriam estar conscientes do compromisso ético que os vinculava aos CMPs. Do contrário, o elo diferenciador do PT em relação a outros partidos seria desfeito, pois trair os próprios correligionários e os princípios básicos de sua atuação significava romper o compromisso estabelecido com sua base eleitoral.

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Documento: Diretório do PT Diadema. “Ata da Plenária dos filiados do Partido dos Trabalhadores de Diadema”. 23.1.1983.

113 Cinco meses depois da posse, os diretores da administração política de Gilson Meneses (1982-87) foram acusados, por alguns petistas, de agirem em desacordo com o estatuto, humilhando e perseguindo membros do partido que discordavam de suas práticas no cotidiano administrativo.

Adonel denunciou que foi humilhado no departamento do Zé Carlos (Carlão do Canhema) e depois de trabalhar apenas um dia pediu demissão. Boni propôs a discussão nos núcleos, da substituição dos seguintes diretores: Juracy, Jorge Flores, Pedro Luís e também em peso a família Silva, que ocupam cargos dentro da prefeitura. Linda colocou que se o Gilson e sua administração formar [sic] uma comissão, digo, uma, política junto com o partido e a população, tudo bem. Não ocorrendo isto, nós sairemos do PT ou exigiremos que eles saiam105_.

As avaliações sobre os primeiros meses da administração política 1983-87 indicam disparidades entre os princípios partidários e as ações empreendidas pela administração pública. As disputas políticas dentro do mesmo partido se traduziram no cotidiano em humilhações e nepotismo. Os representantes dos CMPs estavam temerosos quanto às ações de um governo que inicia seu mandato desrespeitando os acordos firmados antes da eleição. Alguns dos membros dos CMPs ameaçaram expulsar do partido aqueles que agiam em desacordo com os princípios partidários e, caso não conseguissem tal intento, sairiam da agremiação.

Já nos primeiros meses de administração política, alguns ativistas do partido perceberam que “a vontade geral” estava alienada ao Estado político, ou seja, mesmo teoricamente representados pelo PT, os trabalhadores continuavam impossibilitados de realizar suas necessidades a partir do Estado, estavam separados das condições de fazer do Estado uma expressão real da vontade popular. Embora Gilson e seus apoiadores pretendessem reformar o Estado, na instância municipal, e realizar as demandas sociais, estavam limitados pelas próprias características deste organismo, cuja gênese está visceralmente vinculada à necessidade de manter sob controle a vontade geral.

Resultante das condições materiais de existência, o Estado, conforme a compreensão marxiana (MARX, 2005), representa a oposição entre Estado político e Estado não-político. Neste organismo, o cidadão “membro imaginário do Estado”,

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Documento: Diretório do PT Diadema. “Ata da Plenária dos filiados do Partido dos Trabalhadores de Diadema”.13.5.1983.

114 despojado da sua materialiadade, do que é na realidade, dilui-se em um conjunto de indivíduos e perde sua universalidade.

À frente da administração municipal, os ativistas do PT foram obrigados a gerenciar antagonismos de interesses, a partir de princípios formais, vendo-se obrigados a desbotar as opiniões organicamente construídas para fazer prevalecer a solução possível dentro dos limites do Estado. Neste sentido, os administradores petistas consideraram imperativo estruturar seu corpo administrativo, com vistas a atender às demandas políticas do partido e se fortalecerem como governo. Porém em uma cidade repleta de desigualdades e carências, com orçamento parco e comprometido, Gilson Meneses e seus diretores viram-se diante da necessidade de cumprir a tarefa primordial do Estado, conciliar conflitos e tornar eficiente a ação estatal a partir de reformas, remediando seus problemas formais.

3. O politicismo na nova missão do PT: _{“a democracia até as últimas}