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I.4 Visão geral e estrutura da dissertação

2.2.1. Os referenciais de análise: Vygotsky e Bakhtin

parcialmente, construtivista. Apesar do início do curso contar com a participação dos estudantes e corresponder às expectativas da professora, essas foram quebradas depois de algumas aulas, devido à redução da participação dos alunos e reclamações referentes ao método utilizado. Depois disso a professora, num momento chamado pela autora do artigo de trégua, cede um pouco e começa a trabalhar também com os alunos algumas atividades mais tradicionais, envolvendo fórmulas e resolução de exercícios, sem com isso abandonar completamente seu planejamento. Depois disso, acreditando ter “acalmado” os estudantes, volta ao seu planejamento antigo, com as discussões em sala, que agora são realizadas com boa participação dos estudantes. No entanto, no final do projeto, antigas concepções dos estudantes, que ela esperava que tivessem sido abandonadas reaparecem, mostrando que as concepções dos estudantes não foram significativamente modificadas.

A conclusão é que, apesar da forma dinâmica e participativa que a professora tenta imprimir às aulas, os alunos, mesmo sendo participativos, o foram apenas para terminar as tarefas, tentando corresponder às expectativas da professora, sem que a experiência fosse significativa para os mesmos. Faltou envolvimento real dos alunos com a proposta, o que acreditamos que só poderia ser conseguido se fossem convencidos de que essa nova forma de ensino é melhor que a anterior.

Da mesma forma, nossa SD, por criar tensões com o currículo da escola e promover quebras no contrato didático, cria dificuldades para o professor. Uma das formas de reduzir essas tensões é deixando claro as vantagens da abordagem, seus objetivos e como será desenvolvido o curso. É preciso, antes de utilizá-la, convencer os alunos que essa é a melhor (ou pelo menos uma boa) forma de ensinar e aprender o mencionado conteúdo.

2.2.1. Os referenciais de análise: Vygotsky e Bakhtin

A elaboração e desenvolvimento dessa sequência de ensino, junto a seu objetivo de desenvolver nos alunos uma postura crítica perante as relações entre ciência, tecnologia e sociedade, indicam-nos certos caminhos na escolha do nosso referencial de análise dos dados. Segundo Freitas (2007, p.32), “a escolha de um referencial teórico tem a ver com a visão de homem e de mundo do pesquisador”. Então, nessa perspectiva de pesquisa em que procuramos identificar os sentidos atribuídos pelos alunos e professores ao desenvolvimento

da referida sequência didática, o homem não pode, sendo objeto de pesquisa, ser analisado separado de seu meio. O homem, desde a infância, se desenvolve a partir das interações com seus pares e com o meio social em que vive. Num outro dizer, é um ser histórico-cultural, definição que detalharemos mais adiante e que nos permite justificar a escolha de Vygotsky e Bakhtin como referenciais com os quais dialogaremos na pesquisa.

Os referenciais de análise representam, numa certa analogia, as “lentes” com as quais observaremos os dados. Ora, a lente de um microscópio utilizada para se observar um microrganismo não deve ser a mesma utilizada numa luneta para observar uma estrela distante, ou seja, cada lente permite observar um conjunto especifico de objetos. Da mesma forma, os referenciais de análise devem ser cuidadosamente escolhidos de modo a permitir analisar os dados e responder às questões iniciais da pesquisa, sob pena de, não sendo compatíveis, impossibilitar-nos de “enxergar” o que procuramos. Por isso, sendo o nosso referencial teórico o histórico-cultural, intencionamos aqui descrever um pouco a vida e a obra de nossos principais interlocutores desse referencial a fim de justificar a escolha dos mesmos, no caso, Vygotsky e Bakhtin. Em seguida explicitamos como as produções de cada um deles nos auxiliaram na nossa pesquisa.

Vygotsky e Bakhtin são dois autores russos, contemporâneos, mas que, a princípio, não parecem ter se encontrado em nenhum momento, exceto talvez por intermédio de seus textos. Vygotsky nasceu em Orsha, cidade da Bielo-Rússia em 1896 e Bakhtin em 1895, em Oriol, ao sul de Moscou.

Vygotsky, na área da psicologia, via com incômodo a separação entre mente e corpo nas análises realizadas por seus contemporâneos. Estes compreendiam as ações do homem como fruto dos fenômenos internos (ligados à mente) ou como produto de um reflexo passivo das influências do meio sobre o mesmo (ligados ao corpo). Vygotsky, então, propõe uma teoria psicológica na qual o homem se constitui através das relações sociais via linguagem (FREITAS 1994). Já Bakhtin, atuando na área da linguagem, critica as perspectivas vigentes na época que viam a linguagem somente como um sistema abstrato de normas. Nessas perspectivas a comunicação, muitas vezes, se dá de forma isolada e toda a expressão e forma de compreensão é definida unicamente pelo sujeito falante, independente do contexto. Bakhtin rompe com essa visão interpretando que todo texto é dialógico, “conversa” com outros textos e vai de alguém a alguém, ou seja, o falante, quando se expressa, o faz visando a

um interlocutor e isso já molda sua fala. As produções desses teóricos irão perpassar a análise dos dados pois adotamos nesta pesquisa a visão de sujeitos sócio históricos, que se constituem enquanto tal na sua relação com o outro e com os elementos da sociedade em que vivem, relações mediadas pela linguagem (FREITAS, 1994). Tal visão terá implicações teórico- metodológicas importantes na construção e análise dos dados das entrevistas com os sujeitos da pesquisa – professores e alunos – envolvidos na experiência de ensino que investigamos.

É instigante pensar como Bakhtin, um teórico da literatura e filósofo da linguagem, se justifica como um referencial da nossa pesquisa junto a Vygotsky, psicólogo ligado às questões educacionais (FREITAS, 1994). Na verdade, foi o contexto histórico-social de suas produções que parece tê-los aproximado, ante as experiências que tiveram. Viveram uma época (início do século XX) marcada por revoluções, como a Revolução de 1917, que promoveu uma efervescência intelectual nas duas décadas seguintes (FREITAS, 1994). Vygotsky criticou duas grandes linhas da psicologia da época, totalmente contraditórias: uma que enfatizava as funções psíquicas como manifestações da esfera interior do homem, independente do meio em que vive e outra que definia essas funções como reflexos diretos do meio externo. Para Vygotsky, as funções psíquicas do homem só podem ser compreendidas na sua relação como o meio. Bakhtin faz uma crítica às correntes filosóficos-linguistas da época e suas concepções de objetividade e criação individual da língua, ambas desconsiderando os contextos de produção dos discursos.

Na tentativa de aproximar as produções desses dois pensadores, podemos dizer que, de grande importância no nosso trabalho está a crítica comum feita por ambos a um modelo de homem separado da sua relação com o meio em que vive (no sentido das interações com a natureza e com outros homens). Enfatizavam, então, a existência sociocultural do homem. Ambos, então, vão significar as relações sociais como elementos constituintes das relações humanas e que, portanto, são base para compreensão do homem e de suas ações, tanto no sentido de ações externas (no meio em que vivem) como em seus processos psíquicos. Relações sociais que acontecem em certo momento da história, em certa sociedade, portanto em certa cultura, daí a importância de pesquisas educacionais fundadas nesta perspectiva histórico-cultural.