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3 A FORMAÇÃO DE PROFESSORES E OS SABERES DOCENTES

3.1 PROFISSÃO DOCENTE: OS SABERES

3.1.1 Os saberes da formação

O processo de formação docente tem levantado muitos questionamentos sobre quais os saberes que devem ser enfatizados, quais devem ser mais bem explorados na formação inicial para que ao fim dessa etapa aconteça uma formação integral desse sujeito, cuja função social será formar cidadãos.

A formação inicial dos professores já passou por diferentes etapas e configurações. Afinal, em diferentes momentos da história, deu-se ênfase a um determinado tipo de saber. Segundo Lima (2004, p. 15), é possível distinguir, do curso de Pedagogia, três fases, quais sejam:

[...] a primeira vai do seu nascimento em 1939, na Faculdade Nacional de Filosofia, da Universidade do Brasil até a Lei nº 5.540 (Brasil, 1968) – mais conhecida como “Reforma Universitária”; a segunda, da Lei nº 5.540 até a LDB, instituída pela Lei nº 9.394 (Brasil, 1996), e a terceira, dessa época até os dias atuais.

Na primeira fase, segundo a autora (1999 apud LIMA, 2004, p. 16), o curso era organizado em duas etapas constituídas da seguinte forma: três anos pra formação do bacharel e mais um ano de estudos de didática para formação do licenciado nas disciplinas que formavam o curso de bacharelado. A segunda fase foi o momento da instituição de habilitações profissionais, pois a partir de um determinado momento do curso, os alunos optavam em se especializar em uma determinada área do trabalho escolar. Ou seja, essas duas etapas da formação inicial do pedagogo tinham como base o domínio dos conteúdos das disciplinas e da técnica para transmiti-los. (LIMA, 2004)

Essa formação era considerada como fragmentada, haja vista que na primeira fase preparava-se o bacharel para somente depois formar o licenciado e na segunda a formação se dava de acordo com as funções a ser desenvolvidas na escola, tais como docência, supervisão, administração, orientação escolar, dentre outras. (LIMA,

2004) Nessas etapas não havia a preocupação de uma formação integral do professor, havia uma ênfase na formação especializada do profissional.

Segundo Lima (2004, p. 16), essas duas fases do curso foram influenciadas pelo paradigma da racionalidade técnica, no qual o conhecimento científico era visto como nocional e imutável, “[...] o saber escolar estritamente como conjunto de conhecimentos eruditos, valorizados pela humanidade [...]”. Dessa forma, ao profissional em formação, cabia “saber” e “transferir”.

A terceira fase do curso foi iniciada em 1996 e se estende até os dias atuais. Essa é caracterizada pela substituição da concepção de conhecimento científico como nocional e imutável pela compreensão de que o homem e sua interação com o meio e com os outros homens é responsável pela construção do conhecimento. De acordo com Lima (2004, p. 17)

Tal mudança vem acompanhada de outras, principalmente as referentes ao papel da escola e à concepção de conhecimento escolar, de profissão docente e de formação de professores. A demanda das classes populares pela instituição escolar mudou o sentido outrora atribuído à educação para a vida. São outras vidas que agora correm à escola – além daquelas oriundas das classes média e alta, clientela por excelência dos períodos anteriores -, exigindo um novo projeto que atenda a essas diferentes vidas e que tenha, portanto, como norte, a superação das desigualdades sociais.

Dessa forma, a formação do profissional não poderia mais ser pautada em conhecimentos absolutos e em saberes irrefutáveis, pois dele passou a ser, a partir de então, exigida a compreensão de que o conhecimento está sempre em construção –não é mais imutável –; a análise da educação como um compromisso político, carregado de valores éticos e morais; a consideração sobre o desenvolvimento da pessoa e a colaboração entre iguais; além da capacidade de conviver com a mudança e com a incerteza. (LIMA, 2004)

Assim, a formação do professor não poderia continuar ajustada a um aparato de conhecimentos e de técnicas de ensino. Essa formação passou a estar atrelada a um aprender a ser professor, a um conjunto de saberes que constituem esse profissional enquanto docente que desenvolve sua prática de maneira competente e reflexiva. Essa formação diz respeito também a uma compreensão de que sua formação é um continuum, ou seja, uma formação que não se dará apenas no curso de formação inicial, mas se estenderá durante sua vida.

Nesse sentido, os saberes da formação profissional são aqueles relacionados às ciências da educação e da pedagogia. São os conhecimentos mediados pelas instituições de formação de professores, como as escolas normais e as faculdades de ciências da educação, mas também são saberes que emergem da vida cotidiana em sala de aula, saberes esses que são formulados na prática docente. Tais saberes são divididos por Tardif (2010), como saberes curriculares, saberes experienciais, e saberes disciplinares. Passemos aos saberes caracterizados por Tradif (2010), considerando também as contribuições de outros autores.

3.1.1.1 Os saberes curriculares

A palavra currículo contempla, em pedagogia, não apenas o que conhecemos cotidianamente e que chamamos de estrutura curricular. Ela diz respeito à organização do processo ensino-aprendizagem de modo que define abordagens, formas de ensinar e conteúdos a ser trabalhados nas salas de aula pelos professores.

Os saberes curriculares estão relacionados aos discursos, objetivos, conteúdos e métodos por meio dos quais a instituição escolar categoriza os saberes sociais. Segundo Tardif (2010, p. 38), esses saberes se apresentam “concretamente sob a forma de programas escolares (objetivos, conteúdos e métodos) que os professores devem aprender”.

São saberes muito específicos da profissão e do contexto escolar. Em todos os três momentos da formação docente, apresentados anteriormente, esses saberes se fizeram presentes, pois estão relacionados às atividades cotidianas da escola. Esses estão relacionados a como se constitui um plano de aula, um plano de ensino, um projeto político pedagógico dentre outros gêneros que circulam no contexto escolar.

Tais saberes estiveram e estão muito presentes na formação inicial do pedagogo em virtude da necessidade da preparação de um profissional que tenha um saber sobre currículo, ensino e organização da escola. Para Shulman (1986, p. 9-10 apud MONTEIRO, 2011), o conhecimento curricular “é o conjunto de programas elaborados para o ensino de assuntos específicos e tópicos em um nível

dado, a variedades de materiais instrucionais disponíveis relacionados a estes programas”.

3.1.1.2 Os saberes experienciais

Os saberes experienciais são aqueles desenvolvidos pelo professor no exercício da profissão, ou seja, “esses saberes brotam da experiência e por ela são validados” (TARDIF, 2010, p. 39). E, assim, incorporam-se à experiência individual e coletiva caracterizando-se como o saber-fazer e o saber-ser. Esse é, talvez, o tipo de saber mais valorizado pelos profissionais. Isso porque, para eles esse saber é decisivo para a prática docente e sem ele tal atividade se torna inexequível.

Tardif (2010) aponta algumas características do saber experiencial. Para ele, esse “é um saber ligado às funções dos professores, e através dessas funções que ele é mobilizado, modelado, adquirido”, pois é o saber que é ativado em uma prática, mas também é moldado por ela, “é um saber prático, ou seja, sua utilização depende de sua adequação às funções, problemas e situações peculiares ao trabalho”. (TARDIF, 2010, p. 109).

É em virtude dessa ligação às funções do professor e da adequação dele às situações do cotidiano desse profissional que esse saber se configura como interativo, haja vista ser concebido tendo como base a interação do professor com outros sujeitos participantes do processo educativo.

Dentre as características atribuídas por Tardif (2010) a esse saber, é possível dizer que ele é “sincrético”, “heterogêneo”, “existencial” dentre outras. Tal saber se configura como sincrético, em virtude de estar colocado sobre diversos conhecimentos e de um saber-fazer que se mobiliza e é usado de acordo com o que demanda a prática profissional. É heterogêneo porque se constitui a partir de fontes, lugares e momentos diversos, ou seja, é adquirido durante a vida, carreira ou mesmo no decorrer da experiência de trabalho. O fato de estar ligado à vida, à história do professor, faz com que ele seja existencial. Assim, esse saber não se apresenta como um saber simples, mas complexo, como um amálgama constituído por muitos saberes e de diferentes origens.

3.1.1.3 Os saberes disciplinares

Para Tardif (2010), os saberes disciplinares são aqueles que, como seu próprio nome já explicita, correspondem aos diferentes campos do conhecimento e são disponibilizados pelas instituições educacionais por meio de disciplinas específicas, por exemplo, Matemática, Literatura, Língua Portuguesa, dentre outras. Para Tardif, esse tipo de saber é incorporado à prática do professor, no entanto, não é um saber produzido e nem legitimado por ela.

Segundo esse autor,

A relação que os professores mantêm com os saberes é de “transmissores”, de “portadores” ou de “objetos” de saber, mas não de produtores de um saber ou de saberes que poderiam impor como instância de legitimação social de sua função e como espaço de verdade de sua prática. Noutras palavras, a função docente se define em relação aos outros saberes, mas parece incapaz de definir um saber produzido ou controlado pelos que a exercem. (TARDIF, 2010, p. 40).

Para o autor, os saberes disciplinares são postos aos professores e não construídos por eles. São saberes que não são selecionados pelos docentes, são apenas executados por esse profissionais. Dessa forma, podemos dizer que os currículos escolares são revistos, reelaborados, redimensionados ao passo que surgem novas abordagens teóricas, novos saberes. No entanto, ao professor, caberia apenas uma constante busca pelos saberes mais atualizados, pois suas aulas devem se adequar às atuais expectativas, às abordagens teóricas em evidência, ou seja, estar em constante adequação às atualidades.

Tardif (2010) nomeia um dos saberes docentes como disciplinar, mas não desenvolve muito claramente como esses saberes estão presentes na formação profissional desses docentes, nem como esses profissionais se relacionam com eles. Para tratarmos dessa especificidade do saber disciplinar, levaremos em consideração o que nos explica Shulman (apud MONTEIRO, ano) a respeito da disciplinarização dos saberes. Segundo esse autor, há, na escola, uma organização dos conteúdos em disciplinas os quais devem ser trabalhados no cotidiano escolar. Essa disciplinarização diz respeito à separação dos conteúdos a ser trabalhados em sala de aula nas diversas disciplinas.

A preocupação com esse tipo de saber é mais freqüente em professores que trabalham com disciplinas específicas, como Matemática, Biologia, Língua Portuguesa, dentre outras. Tal preocupação não se mostra tão presente nos professores polivalentes. Isso acontece, talvez, em virtude da diversidade de saberes com os quais esse professor tem contato. Diversidade que é uma característica marcante desse docente, já que não ensina uma disciplina específica, mas várias.

Entre essa variedade de disciplinas com a quais o professor polivalente trabalha, está a que trabalha com a linguagem, a disciplina de Língua Portuguesa que traz nos PCN cerca de dez objetivos a ser alcançados pelos alunos ainda no Ensino Fundamental. Além desses objetivos, há também uma listagem de conteúdos que devem ser trabalhados (saberes curriculares), ou melhor, no dizer de Shulman (1986 apud BORGES, 2010), didatizados.

Shulman acredita que esses profissionais devem saber os conteúdos das disciplinas de modo que sejam capazes de didatizá-los. A didatização, para esse autor, diz respeito à capacidade de o professor tornar tais conteúdos em algo ensinável, compreensível, ou seja, em um saber capaz de ser aprendido. Dessa forma, o professor precisa saber a respeito do tema que tratará em suas aulas de tal maneira que possa tornar esse saber apreensível.

Shulman (1986 apud BORGES, 2010), ao tratar dessa didatização dos saberes referentes às disciplinas, convenciona chamar essa pratica de “conhecimento pedagogizado da matéria”. Isto é, ao professor cabe saber os conhecimentos de sua disciplina para poder organizá-los de maneira que possam ser compreendidos pelos discentes. A partir dessa concepção de Shulman, os saberes disciplinares “didatizados pelo professor” passam a ser saberes reformulados, se tornam saberes transformados em ouros saberes, em saberes pedagogizados.

Para Shulman (1986 apud BORGES, 2010), há três tipos de categorias de conhecimento de conteúdo que se desenvolvem nos professores, são eles: conhecimento do conteúdo da matéria ensinada, conhecimento dos conteúdos pedagogizados e conhecimento curricular. Nesta parte do texto trataremos apenas dos dois primeiro, haja vista que já abordamos o terceiro em um tópico anterior.

O conhecimento construído da matéria diz respeito ao saber do professor sobre o conhecimento a ser abordado.

Mais do que saber, é preciso compreender a matéria que vai ser ensinada para se poder criar formas para o seu ensino. Além disso, a maneira como essa compreensão é comunicada, faz os alunos perceberem o que é essencial e o que é periférico de tudo aquilo que é ensinado, o que é verdadeiro e válido no campo, bem como expressa um conjunto de atitudes e valores que influenciam a compreensão dos alunos. (MONTEIRO, 2011)

O conhecimento construído da matéria pode ser considerado a base do conhecimento dos conteúdos pedagogizados, que

é um segundo tipo de conhecimento de conteúdo que vai além do conhecimento da matéria do assunto por si mesma, para a dimensão do conhecimento da matéria do assunto para ensinar. Inclui as formas mais comuns de representação das idéias, as analogias mais poderosas, as ilustrações, os exemplos, explicações e demonstrações, ou seja, os modos de representar e formular o assunto de forma a torná-lo compreensível para os outros. Inclui também aquilo que faz a aprendizagem de um determinado assunto fácil ou difícil, possível. (MONTEIRO, 2011)

Sobre os conteúdos pedagogizados, é possível afirmar que não se configuram como técnicas de ensino, pois são construções pautadas em um domínio do conteúdo disciplinar. Esse saber não se configura como técnica porque é sempre reelaborado à medida que é ensinado.