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CAPÍTULO III A RECRIAÇÃO AFETIVA DO NORDESTE E ESTRATÉGIAS DE

3.2 Os sabores do Nordeste

Outro ponto de encontro dos nordestinos está localizado no Bairro Presidente Roosevelt, no Mandacaru, restaurante tipicamente nordestino cuja proprietária tentou fazer deste recinto “um pedacinho do Nordeste”, além da culinária típica do Nordeste como “buchada de bode”, “baião de dois”, “tapioca” e vários outros pratos.

O restaurante é todo decorado com temas nordestinos, a proprietária procura ainda sempre trazer músicos nordestinos para tocar ao vivo. Dessa forma, além de alegrar o ambiente e agradar aos clientes que buscam nesse local matar um pouco da saudade da terra natal, ela procura valorizar a questão cultural, incentivando os músicos que vivem dessa profissão57.

Figura 2 - Apresentação do Trio Sucupira no restaurante Mandacaru

57Trio Sucupira se apresentando no Restaurante Mandacaru. Disponível em:

Além da culinária e da música, no restaurante, Fátima mantém uma mini loja com artigos do nordeste, artesanatos, condimentos e alimentos específicos da região, como a manteiga de leite e o feijão de corda. Além de preservar a cultura nordestina, ela também a divulga na “Feira Gastronômica58” onde vende sua tapioca. Destacamos que, nesse caso, o comércio desses produtos nordestinos desempenha a função de importância social, vai além da tradicional atividade comercial, pois pode representar um lugar de saudosismo, de trazer para o presente lembranças que correm o risco de se perder na memória. Com a intenção de demonstrar aos moradores de Uberlândia o valor da cultura nordestina, Fátima teve a idéia de homenagear artistas nordestinos, colocando nome de músicos e artistas nas tapiocas que comercializa na feira gastronômica.

Ontem me perguntaram na feira: porquê você coloca nome de cantor nas tapiocas? Aí eu falei: primeiro porque eu quero que o meu povo seja lembrado por algo de bom que eles fizeram, eles levaram músicas que estão tocando até hoje aí pra vocês. Como Fagner, Gilberto Gil que é ministro. Inclusive, a tapioca dele é de chocolate, (risos). E todas elas tem a biografia da história de cada um desses artistas. Quando a fila pra comprar tapioca tá grande, eu entrego as biografias pra eles irem lendo, escolhendo. Assim, suportam a fila enquanto se educam. É nesse sentido. Meu restaurante também é cultural, meu cardápio é educativo também, é nesse sentido, mostrar para as pessoas que os nordestinos fizeram algo de bom59.

Com o restaurante Mandacaru, ela tentou criar um “clima” de Nordeste por meio da decoração, do artesanato, da culinária, das músicas típicas e das fotografias expostas, fazendo com que migrantes nordestinos, matem um pouco da saudade da sua terra natal. Quando questionada se apesar de morar em Uberlândia há mais de 27 anos, se ela ainda se sentia nordestina, Fátima responde:

58 A Feira Gastronômica é realizada desde 2003, toda terceira quinta-feira de cada mês no pátio do

Mercado Municipal. Nela, são comercializadas comidas típicas de vários países como Itália, França, Espanha, Portugal, Arábia Saudita, Japão, México, Chile, e regionais como a goiana, mineira e nordestina.

Sim, claro, aqui no restaurante por exemplo você tem um pedaço do Nordeste em Minas. Porque você aqui vê o povo falar, “Nossa Fátima, obrigado!”. Pessoas que vem de longe, ouvem os músicos, comem a comida, ficam muito felizes. Então, à medida que você tá resgatando isso pra cá, onde você está, é porque você é mesmo nordestino60.

Mandacaru chegou assim... Pedindo pra ficar Pra fazer parte da sua vida E de quem quiser chegar Mandacaru chegou assim... Com gostinho de Nordeste Do Lampião até a rede Aqui tem cabra da peste61

Figura 3 - Fátima no Restaurante Mandacaru62.

60 Idem.

61 Poema escrito por Sol Bitercutys, ex-funcionária do restaurante Mandacaru. 62 Fotografia de Eudes Arduini de Araújo, Uberlândia, 01/06/2008.

Assim, a culinária também é um ponto bastante expressivo para observarmos o encontro entre a cultura nordestina e mineira. Ela pode em muitos momentos, se transformar em uma maneira de resistir às suas tradições, pode aproximar pessoas de uma mesma região, ou pode ser sinônimo de estranhamento, de recusa a uma determinada cultura. Segundo Certeau, (1996),

As práticas culinárias se situam no mais elementar da vida cotidiana, no nível mais necessário e mais desprezado. [...] Em cada caso cozinhar é o suporte de uma prática elementar, humilde, obstinada, repetida no tempo e no espaço, com raízes na urdidura das relações com os outros e consigo mesmo marcada pelo “romance familiar” e pela historia de cada uma, solidária das lembranças de infância como ritmos e estações (CERTEAU, 1996, p. 218).

A culinária, para Wilton, é uma prática simbólica que permite reviver sensações do passado e manter ligações de identidade. Cria-se um espaço no qual ele e seus familiares se reúnem para uma festa. Preparam pratos típicos nordestinos para, como ele mesmo diz, “matar a saudade lá do Nordeste”.

Aqui em Uberlândia às vezes eu me reúno com meus irmãos e a gente faz umas comidas lá do nordeste, pra matar um pouco a saudade de lá. A gente faz uma comida que aqui se chama “dobradinha”, mas lá é “panelada”. Panelada é feita das tripas do bucho do boi e tem a buchada também, ela é feita do bucho mas é do bode. Eu já fiz muito, vixi, inclusive aqui mesmo em Uberlândia uma três vezes a gente já fez. Uma vez meu irmão comprou um bode, aí matou e já aproveitou e fez a buchada. Já fez “panelada” também. Aqui em casa mesmo eu nunca fiz, a mulher não gosta, (risos), é mineira (risos)63.

A culinária também simboliza o estranhamento, pois, às vezes, sente-se impedido de cozinhar algo que não é do agrado da esposa, que é mineira e não está habituada com determinados alimentos.