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CAPÍTULO III A RECRIAÇÃO AFETIVA DO NORDESTE E ESTRATÉGIAS DE

3.1 O ritmo “arretado”

Apesar do grande número de nordestinos residentes em Uberlândia (segundo a ANUDI49, cerca de 25 a 30.000), a cidade possui pouquíssimos

pontos expressivos da cultura nordestina, onde essa população possa confraternizar com outros conterrâneos e matar um pouco a saudade do Nordeste. Dentre eles podemos citar o programa “Canta Nordeste”, apresentado pelo radialista Alcides Melo da Silva50. Nesse programa, são apresentados cantores nordestinos, músicos, repentistas, com apresentações ao vivo, que, ao

49 Associação de Nordestinos em Uberlândia.

50 Alcides Melo tem 57 anos e a 25 mora em Uberlândia. É natural de Aracajú, no estado do

mesmo tempo, incentivam novos talentos e levam a música típica nordestina para seus ouvintes.

Tenho dois programas de rádio, o “Canta Nordeste” na Rádio Universitária, e o “Aurora Nordestina” na Rádio Aurora. Faço ao vivo porque quando faz gravado você perde audiência sabe. E é bom que a gente tem contato com o povo nordestino”51.

A figura 2 traz a foto do radialista Alcides Melo e o Trio Sucupira. Esse trio foi criado no final do ano de 2007, seu estilo é o Forró Pé-de-Serra. Esse é um dentre vários grupos que o programa “Canta Nordeste” apresenta aos ouvintes, nas manhãs de sábado.

Figura 1 Alcides Melo, radialista com o Trio Sucupira, em apresentação no “Canta Nordeste”52.

Na reportagem do Jornal Correio de Uberlândia53, o programa “Canta Nordeste” é apresentado como uma “forma de se preservar a identidade nordestina”.

51 Entrevista concedia por Alcides Melo da Silva, no dia 17 de maio de 2008.

52 Foto Disponível em: <http://triosucupira.blogspot.com/>, Acesso dia 30 de maio de 2008. 53 TIBURCIO, Luciana. Um pedacinho do Nordeste aqui. Jornal Correio de Uberlândia. 28 de

A comunidade nordestina é tão forte na cidade que foi criado até um programa de rádio para tocar apenas músicas do Nordeste — e matar a saudades de muitos. O "Canta Nordeste" vai ao ar todos os sábados, das 9 às 10h, na rádio Universitária, e toca desde Lenine, Caetano Veloso, Djavan, Caju e Castanha até um forró bem "arretado" para preparar para as Festas Juninas. "Pego os discos nas minhas viagens ao Nordeste. Tem cada raridade! E os ouvintes sempre têm espaço para conversar, discutir sobre nossos assuntos. Falo sobre como está o emprego, recados, quem está vindo para cá, quem está voltando para o Nordeste, onde vende comida típica. É um espaço nordestino em Uberlândia", conta o apresentador Alcides Mello da Silva, natural de Aracaju, no Sergipe, e que está há 23 anos trabalhando em Uberlândia. (TIBURCIO, 2006).

Alcides Melo, além de apresentar os programas nas rádios, é o idealizador do CTCN54, que segundo ele, “ainda está engatinhando”. Esse centro, tem cadastrado os nordestinos para saber quantos são e quem são eles, quem canta, compõe, faz artesanato etc. Também recebem ali coleções de discos, fitas, escrevem para as universidades para saber quais trabalhos acadêmicos estão sendo produzidos sobre o Nordeste, não somente sobre a cultura, mas sobre a culinária e tantas outras tradições da região nordeste.

O objetivo nosso é formar aqui no Sudeste um centro de irradiação da nossa cultura nordestina tá, mas assim, uma coisa bem parceira com a cidade, não é impondo, nada fechado só para nós não. E por isso, nós queremos começar a organizar, para que daqui 20, 30 anos a gente comecemos a participar do projeto político da cidade, certo. Mas antes disso, nós temos que começar a liderar movimentos nos bairros, fazendo associações, sindicatos também. Depois vamos partir pras regiões, pois já estamos cansados de ser massa de manobra dos políticos que tem aí. Essa é uma forma da gente acabar com o preconceito, é por meio do poder que também a gente vai mudar as coisas. Mas esse é um projeto político à longo prazo, é pros filhos da gente. Outro objetivo nosso é organizar a comunidade para que ela consciente de suas tradições, ela preserve essas tradições, ela divulgue essa suas tradições, ela lute contra a questão do preconceito né, e que também ela dê oportunidade, e aí é um papel que tá à frente do movimento todo, dá condições para que profissionalmente, ele melhore também de vida sabe 55.

54 Centro de Tradições Culturais Nordestinas.

Alcides, que veio a Uberlândia para visitar um amigo em 1983, decidiu ficar na cidade e se tornou uma das figuras mais empenhadas e dedicadas em manter e defender a cultura nordestina. Apesar de que, no início ter sido atraído para Uberlândia pelo emprego estável, ele não consegue ficar muito tempo longe dos movimentos culturais da cidade.

Cheguei aqui para visitar um amigo que tinha trabalhado na campanha do Zaire. E ele me convidou para conhecer a cidade. Cheguei na sexta-feira e na segunda já estava com minha carteira assinada e aqui fiquei com a roupa do corpo56.

Como muitos dos migrantes que chegam a Uberlândia, a busca por “estabilidade” financeira é algo almejado e quando isso ocorre, contribui para a decisão de permanência nesta cidade. Apesar de Uberlândia não possuir “locais expressivos de encontros culturais e nem as praias maravilhosas do Nordeste”, o que atraiu esse sergipano a se instalar na cidade foi justamente a oportunidade de um trabalho estável.

O que me levou a vir pra cá foi o seguinte. O nordestino ele “é ninguém” né, não migra por esporte, migra por necessidade. Necessidade de mudar de vida, melhoria de condições de vida. Então foi o que ocorreu. Eu vim pra ver uma cidade, gostei e fiquei e aí, batalhei. Uma coisa que nordestino traz na migração é a questão da força de trabalho, da honestidade, graças a Deus. E também a parte cultural. E aqui eu me identifiquei com muita coisa. É uma cidade boa, batalhadora, aberta, 60% da população é migrante, né, e aqui nós nos estabelecemos. Quando eu vim pra Uberlândia em 83, eu vim olhar a cidade e tomei a decisão de ficar aqui. A intenção era vim e voltar, porque lá (Aracajú) eu estava com a vida artística intensa, mas ao mesmo tempo muito esgotado da vida noturna. Eu queria dar um tempo nisso, e já tinha casado então ..., tinha que mudar. Então foi bom ter vindo pra cá porque aqui a gente deu uma virada na página disso tudo e a gente se concentrou mais no trabalho de sobrevivência

Na fala de Alcides, observa-se que o ideário de cidade “aberta” ao migrante, que foi por muitos anos disseminada tanto pela elite local como pela imprensa, ainda persiste.