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5.2 ENCONTROS COM SUBJETIVIDADES EM PROCESSO DE

5.2.7 Os sentimentos das professoras

A inclusão ainda é vista como uma ação direcionada a estudantes que possuem alguma deficiência e que no ato da matrícula ou após algumas observações são orientados a buscar acompanhamento médico e apresentar laudo.

Durante os debates, as perguntas sempre se desdobravam e seguiam outros caminhos. Ametista, a professora auxiliar que atua no 1º ano com a professora Ônix, deu início a uma fala que vem carregada de angústia sobre o trabalho do professor com estudantes em situação de inclusão.

O professor na sala de aula tem que dar conta de muita coisa da aprendizagem do aluno. Tem que dar conta da escrita, da leitura, de aprender as 4 operações, a preocupação do aluno aprender o conteúdo que existe, mas tem o lado humano, o desenvolvimento humano. Você tem que trabalhar isso e acho bem difícil. Você tem que ter uma percepção muito boa pra poder ajudar. Eu me sinto dividida de dar conta dessa aprendizagem. Precisar aprender a ler escrever o aluno precisa, mas o aluno precisa desenvolver outras coisas. Por mais que ele não aprenda a ler e escrever, ele está aprendendo outras coisas. Igual ela falou do menino que já entra na fila, senta na sala e fica com a turma dele. Talvez outras pessoas não reconheçam aquilo, mas você sabe que evoluiu (Informação verbal, Professora Ametista em Roda de Conversa I).

A fala de Ametista é uma fala confusa que apresenta uma angústia da cobrança de que o estudante tem que aprender e que as pessoas não observam o quanto ela já aprendeu sob o ponto de vista da socialização. Seu medo vem ao encontro dos discursos que estão presentes desde o início da entrada do paradigma da inclusão nas escolas, a responsabilidade da aprendizagem do estudante e que aprendizagem é essa.

E como em toda roda de conversa, os assuntos foram ficando mais soltos e as professoras davam continuidade sem escolherem as frases que estavam sobre a mesa. Parecia que eles queriam alguém para ouvir sobre seus sentimentos.

A professora Rubi relatou sobre o sentimento de ter se aproximado do campo da inclusão e sobre a primeira criança que foi matriculada em sua turma em outra época:

A melhor coisa que aconteceu antes da minha aposentadoria foi eu conhecer e conviver com essas crianças. Na minha formação eu não sabia nada disso. Na minha época não tinha, ninguém falava disso, nem citava sobre inclusão. Eu tinha medo, medo mesmo. A primeira vez que eu peguei a Isa eu chorava. Chegava em casa e falava eu vou entregar tudo, não vou ficar. Ela provocava muito, qualquer coisa ela jogava em cima do outro. Eu fiquei muito apavorada. Eu colocava ela para segurar na minha blusa. Eu comecei a dar aula com ela assim. Eu tinha medo. Eu ficava no quadro, cansada de ficar com ela pertinho de mim. Punha ela perto de mim. Até que veio a mediação. Aí eu já respirei mais aliviada e deu pra levar (Informação verbal, Professora Rubi em Roda de Conversa I).

Os sentimentos da professora se confundem, ao mesmo tempo que sente o medo e a ansiedade de receber o estudante, surge o desejo de encontrar um caminho para que a criança possa de fato estar incluída.

Safira, a orientadora, continuou sobre o assunto:

A rede não oferece nada. Você estuda, você tem sua formação antes de trabalhar como se a sala de aula fosse homogênea, fosse uma coisa só, você vai ensinar e que todos vão aprender da mesma forma ao mesmo tempo. Só mesmo na prática que você percebe que cada um tem seu tempo, cada um vai ter sua limitação. Até aquele que é considerado normal, ele pode ter uma dificuldade de leitura que vai impedir que avance no mesmo momento que o outro que lê perfeitamente, que interpreta perfeitamente. É a necessidade de cada criança. O medo e a insegurança vêm a partir do momento que você não teve contato com aquilo. A partir do momento que você tem o primeiro contato é um choque da realidade ali e você vai pesquisar o assunto pra trabalhar. É o reaprender. Como vou trabalhar é minha

responsabilidade. O que eu vou fazer é minha responsabilidade (Informação verbal, Professora Safira em Roda de Conversa I).

E Jade lembrou que:

A gente tem que entender que ele tem o limite dele e trabalhar respeitando a limitação de cada um. A gente não teve essa formação porque eles tinham uma casa especial chamada APAE. Meu filho tem problema vai para a APAE. A escola não recebia criança assim. Depois de um tempo pra cá que apareceu a lei que tinha que frequentar a escola é que começou a vir pra escola. Aí deu o medo no professor (Informação verbal, Professora Jade em Roda de Conversa I).

E as falas foram surgindo. As professoras queriam falar, colocar para fora o que sentiam e precisavam que alguém as ouvisse.

Safira lembrou-se das questões instituídas, como as metas, as provas externas que são impostas pelo governo: “A gente tem uma meta pra alcançar. Na hora que o aluno vai fazer uma prova ninguém quer saber da vida do aluno. Quando vêm essas provas externas isso vai contar na hora da estatística. Eles estão no censo” (Informação verbal, Professora Safira em Roda de Conversa I).

Ametista e Jade mais uma vez levantam questões sobre medicalização da educação.

Tem aluno que é gritante, mas tem também aqueles que não conseguem sentar. Não é problema social. Tem um probleminha que acaba sendo de fator psicológico, neurológico que às vezes precisa de um especialista pra ajudar a criança se acalmar. Isso atrapalha (Informação verbal, Professora Ametista em Roda de Conversa I).

“Tem alguns que tomam medicamento. A Alfa, o Roger usam medicamentos” (Informação verbal, Professora Jade em Roda de Conversa I).

Ametista, a professora auxiliar demonstrou seu sentimento ao receber o estudante com deficiência:

De repente você pega um aluno de inclusão e pensa: o que eu vou fazer o que eu vou poder fazer pra ajudar essa criança. No início você leva um choque. E você tem que fazer alguma coisa. Você não pode deixar a criança jogada de lado. Aí você tem que começar a pesquisar, estudar pra você poder ajudar aquela criança a avançar (Informação verbal, Professora Ametista em Roda de Conversa I).

A reunião já estava chegando ao fim devido ao horário de saída da escola e a professora Ônix pediu pra falar sobre o que o professor precisa pensar sobre a inclusão de crianças com deficiência:

Acho que a gente deveria se especializar mais no assunto. As professoras de educação especial já fizeram isso. Elas têm uma bagagem a mais, mas elas também têm dificuldades. Mas é a prática mesmo porque por mais que não tenha uma formação, por mais que você estude não está preparado para aquela necessidade. É muita teoria. É tudo no campo da teoria, o que a medicina diz sobre aquele comportamento, o que o teórico pensou, observou sobre aquele comportamento. Você vai observando, é a prática e você com aquilo não funcionou. Aí você vai lendo, estudando e vendo o que não funcionou. A gente vai lendo, porque eu gosto muito de ler. Eu trago uma atividade e o teórico diz uma coisa e eu vejo que às vezes não funciona assim. Tudo quanto é curso que aparece eu faço. A prática é tudo. Eu tenho que pesquisar porque a nossa formação não trouxe isso pra gente. O caminho a gente vai construindo no dia a dia. É um trabalho de observação e construção diário (Informação verbal, Professora Ônix em Roda de Conversa I).

Ônix já frequentou reuniões do PIBID. Ela possui uma visão da necessidade do professor rever sua prática e traçar um novo caminho.

Rubi antes de sair disse que “é bom falar, alguém ouvir a gente porque só de falar já alivia”. Suas palavras demonstram a necessidade de falar e ser ouvido, de escutarem o que acontece no ambiente escolar que muitas vezes passa despercebido e outras tantas são taxadas de erradas por incapacidade do professor.