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OS SUJEITOS DA PESQUISA

No documento Uma professora pomerana e sua comunidade (páginas 132-136)

4 A PESQUISA

4.1. OS SUJEITOS DA PESQUISA

Os sujeitos ―selecionados‖ para compor esta pesquisa são indivíduos cujas narrativas a respeito da educação na comunidade de Alto Santa Maria se entrelaçam e encontram-se com as narrativas da professora Marineuza. São eles:

Guerlinda Berger, 71, é professora aposentada que atuou como superintendente da

Educação no município de Santa Leopoldina durante as décadas de 1970 e 1980 e como secretária de Educação no município de Santa Maria de Jetibá, logo após a emancipação política, no final dos anos 1980. A entrevista foi realizada em sua casa no dia 18 de junho de 2015, com o auxílio de aparelho de gravação. Entre as principais dificuldades narradas sobre sua vida educacional, ela se recorda da discriminação que sofria por ser pomerana ―da roça‖. A Sra. Guerlinda se formou no

curso Normal em nível de Ensino Médio (1963) em uma escola privada no município de Vitória, e recorda de humilhações que sofria pelos colegas, e de se calar diante delas, porque ―o simples fato de falar já era motivo de chacotas devido ao sotaque pomerano‖.

Entretanto, toda discriminação, que hoje provavelmente seria chamado de bullying, não a impediu de prosseguir os estudos e se tornar referência perante os demais professores/as. Ao se tornar supervisora, foi também o alicerce pedagógico dos professores/as emergenciais que, com pouca instrução, viam nela uma possibilidade de intermediação entre os conteúdos e a prática da sala de aula. Isso porque, de acordo com a Sra. Guerlinda, em alguns casos era necessário ensinar aos professores a matemática básica e a gramática normativa para que entrassem em sala com mais segurança. Foi o que aconteceu com o professor Emílio Schroeder que recebeu ―aulas‖ da então jovem professora Guerlinda. Não que estes não soubessem, mas era necessário oferecer um mínimo de conhecimentos nas áreas de didática e de metodologia do ensino, e como supervisora a Sra. Guerlinda sempre esteve à frente desse processo.

Com relação à comunidade de Alto Santa Maria, participou ativamente de todo o processo de construção da escola. Primeiro como supervisora, por residir em Santa Maria de Jetibá, à época, distrito de Santa Leopoldina, prestava assessoria às escolas aí localizadas. E após a emancipação política, como secretária municipal de educação, acompanhou administrativamente a educação escolar. Foi nesse período que se iniciou a luta pela ampliação e funcionamento em Alternância da Escola Fazenda Emílio Schroeder. Ela se recorda, em detalhes, do processo de escolarização na comunidade de Alto Santa Maria, e frequentemente usa a expressão ―lembro-me como se fosse hoje‖.

Daniel Plaster, 50, agricultor orgânico, mudou-se do município de Itaguaçu (ES)

com a família paterna para Alto Santa Maria em 1978, ainda jovem. Casou-se e constitui sua própria família na comunidade. Pai de quatro filhos, foi um dos líderes do movimento pela Pedagogia da Alternância na comunidade. Seu filho mais velho, Jair, estudou na Escola Família Agrícola de São João de Garrafão, junto com outros jovens da comunidade. Daí surgiu o anseio de se conquistar uma escola também em Alternância para Alto Santa Maria, com o intuito de que os jovens em idade escolar pudessem estudar sem ter de necessariamente sair da comunidade para isso.

A emoção é tamanha que desborda pelos olhos ao narrar sua participação na construção da escola: ―17 de fevereiro de 1994, foi o primeiro dia de aula lá em cima, eu nunca me esqueço disso...‖, disse em entrevista gravada em sua casa.

Lourival Haese, 63 anos de idade. ―Tenho medo que acabe a água do Rio Doce,

mas não tenho medo que acabe aqui na minha propriedade‖, profetizou esse sábio agricultor orgânico, morador da região de Alto Santa Maria, no dia da entrevista, em setembro de 2015. Pai de seis filhos, um dos líderes do movimento pela educação na comunidade, foi um dos primeiros presidentes da associação de Pais e Alunos da então Escola Família Agrícola Fazenda Emílio Schroeder. Defende vigorosamente a agroecologia, gosta de receber em sua propriedade grupos de alunos interessados em aprender a respeito. Defensor da Pedagogia da Alternância, as escolas que a adotam tem em Lourival um parceiro nos estágios realizados pelos alunos, inclusive escolas de todo o Estado.

Selene Hammer Tesch - Agricultora, 53, percebeu, em 1992, que era necessário

modificar a forma de cultivar alimentos em sua propriedade. Preocupada com a saúde dos filhos, compreendeu que deveria evitar os agrotóxicos e trabalhar com a agricultura orgânica. Decidiu então buscar informações sobre o método, e em 1993 participou da primeira feira de produtos alternativos e sem agrotóxicos, implantada em Santa Maria de Jetibá e em Vitória.

Apesar das dificuldades iniciais, D. Selene participou de diversas capacitações, palestras, seminários, buscou a parceria de outros produtores e em 2001 foi fundada a Associação de Agricultores e Agricultoras Orgânicos Familiares de Santa Maria de Jetibá – AMPARO FAMILIAR, da qual é presidente. Foi esse engajamento com a agricultura orgânica que contribuiu para que D. Selene lutasse pela Pedagogia da Alternância na Comunidade de Alto Santa Maria, pois via nesse tipo de escola uma possibilidade de parceria pela agricultura sustentável, e ao mesmo tempo, um meio de evitar, ou pelo menos diminuir o êxodo rural, segundo ela, já muito presente na comunidade na década de 1990.

Jorge Schneider, 31, ex-aluno da professora Marineuza, graduado em Matemática,

disciplina que leciona na EEEFM Fazenda Emílio Schroeder, onde também cursou todo o Ensino Fundamental, foi um dos primeiros alunos da Pedagogia da

Alternância na escola. Nasceu e cresceu na comunidade de Alto Santa Maria, foi auxiliar de secretaria na escola e membro constante do conselho de escola.

Cibilhe Waiandt, 35, nascida e criada na comunidade, foi auxiliar de secretaria na

EEEFM Fazenda Emílio Schroeder. Ex-aluna da professora Marineuza, exerce liderança na comunidade especialmente por sua participação na Igreja Luterana. E por ter atuado durante muito tempo na secretaria escolar, seu nome ainda é associado à escola pelos membros da comunidade. Muito respeitada e admirada, fez o papel de introduzir a pesquisadora nos locais de ―mais difícil acesso‖.

Ingridy Plaster, 27, ex-aluna da professora Marineuza, tal como Jorge Schneider,

integrou uma das primeiras turmas que concluiu o ensino fundamental completo na Escola Fazenda Emílio Schroeder. Sua generosa espontaneidade contribuiu expressivamente para a compreensão do que significou ter uma professora pomerana na comunidade, sob o ponto de vista dos estudantes.

O culto no cemitério: Objetivando ouvir sujeitos que não exerceram liderança na

luta pela educação na comunidade, mas que, de alguma forma, dela se beneficiaram, participei de um momento de culto realizado no cemitério da comunidade, no dia de Finados.

Encerrado o culto, iniciei uma conversa com um senhor sobre sua experiência com a educação escolar na comunidade. Em pouco tempo se aproximou outro senhor e uma senhora, que se juntaram a nós. Em aproximadamente 40 minutos de conversa em pomerano, eles narraram suas experiências com a educação.

Os integrantes dessa conversa permitiram o registro de suas falas, mas solicitaram que suas identidades não fossem reveladas. Mesmo receosos, assinaram o termo de consentimento, diante da confiança que sentem em Cibilhe Waiandt, que me acompanhou nesse dia. Das falas que surgiram, interessa para esta pesquisa a de H, 51 anos, agricultor, que mora na comunidade desde a infância. Narra sua própria trajetória como aluno e as transformações que sentiu a partir da vida escolar de seus filhos, alunos da professora Marineuza.

Marineuza Plaster Waiandt: A professora relata que, ao iniciar a docência era

comumente confundida com os alunos, crianças e adolescentes entre 7 e 14 anos de idade, pois contava com apenas 15. Com esse depoimento inicial, Marineuza

remete a Moura (1978, p. 61), que ao apresentar o pensamento de Paulo Freire, enfatiza o fato de que o professor não trabalha para os alunos, mas com os alunos. De forma que ao agir assim ele pratica e aprende a partilha. O professor/a torna-se, deste modo, um sujeito que procura com os alunos/as e com a comunidade uma relação horizontal baseado no diálogo. E o professor/a que age com esse princípio não aplica simplesmente uma técnica aprendida, mas assume uma atitude diante da educação (Id. ibidem, p. 61).

No caso da professora Marineuza, a relação horizontal partia no começo de sua carreira profissional de tenra idade. Mesmo sabendo de sua posição de professora, nos momentos do intervalo virava criança e brincava com os alunos. Na sala de aula assumia uma postura que sugere o equilíbrio entre a amizade que nutria, especialmente com os alunos/as de idade próxima à sua, e a docência dialogada. Na sua relação com a comunidade era preciso demonstrar ser merecedora do voto de confiança, e corresponder às expectativas de quem lhe confiou a importante missão de alfabetizar e oferecer instrução primária. Por isso, apresentava uma postura firme, participando ativamente da Igreja, do Ensino Confirmatório (crisma), das reuniões de associações, entre outras.

No documento Uma professora pomerana e sua comunidade (páginas 132-136)