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PERCURSO METODOLÓGICO

No documento Uma professora pomerana e sua comunidade (páginas 32-36)

1 PROFESSORA POMERANA E SUA COMUNIDADE: A CONSTRUÇÃO DE UM

1.3 PERCURSO METODOLÓGICO

1.3.1 A entrevista narrativa como recurso metodológico

O grupo de pesquisa Culturas, Parcerias e Educação do Campo ao qual esta dissertação se vincula, amparado em processos colaborativos de pesquisa sobre culturas, dialética e hegemonia (FICHTNER et al., 2013) busca trabalhar de modo articulado com os sujeitos. Nessa perspectiva, Brandão (2003) em ―A Pergunta a Várias Mãos‖, procura instituir a prática de pesquisa como um trabalho cooperativo e solidário, discutindo questões relacionadas ao campo teórico e prático da educação e da pesquisa. Entre elas, a identidade profissional do professor/a e seu papel diante das realidades contemporâneas, tema que de certa forma também se examina nesta pesquisa.

Entre as questões propostas pelo autor estão: ―Como tornar a prática de pesquisa na educação um trabalho cooperativo e solidário?‖ ―Como tornar tantos estilos de pesquisa o mais participante possível?‖ ―De que maneira viver a investigação científica como uma experiência séria e confiável, e ao mesmo tempo plural, criativa e sempre aberta ao diálogo?‖

A partir desses questionamentos, senti necessidade de fortalecer a relação de colaboração entre pesquisador/a e sujeitos/as da pesquisa. Foi o momento em que passei a frequentar mais assiduamente a comunidade. Porque até então, a minha relação limitava-se aos estudantes e pais/mães atuais. Mas muitos dos que contribuíram significativamente para a pesquisa, vasculhando suas memórias para trazer à tona fatos e acontecimentos dos quais já não falam mais, hoje já têm netos/as na escola.

Senti essa necessidade de aproximação porque Brandão (2003), ao problematizar modelos de investigação científica, procura pensar as diferenças e escolhas dos estilos de pesquisa. E ao fazê-lo, coloca-nos diante do desafio de superar a solidão de uma objetividade, em favor da pesquisa solidária, partilhada e vivida entre sujeitos/as que dela participam, os/as quais, conforme sua visão, não devem estar em lados opostos, mas em convergência, cooperação, parceria.

Ao se referir ao método de pesquisa, Brandão (2003) sustenta que prefere perguntar ―que diferentes estilos de trabalho de pesquisa estão sendo exercidos aqui e agora, entre nós e outras pessoas?" (p. 14) percebeu-se que essa é uma questão central para o pesquisador. Foi nesse autor que se encontrou o recurso para que os sujeitos da pesquisa pudessem, de fato, ter liberdade de participar. Compreendeu-se também, que a finalidade não era fazer uma pesquisa unilateral, fechada com perguntas prontas e respostas presumidas. O objetivo era extrair dos participantes relatos que emergissem naturalmente. O que já vinha acontecendo, mas faltava base teórica.

O passo seguinte foi encontrar o modelo teórico-metodológico que abarcasse cientificamente a intenção da pesquisa. Inicialmente acreditava tratar-se de História Oral. Porém, conversas com o orientador e as sugestões da banca do Exame de Qualificação foram cabais para desconstruir o que se havia entendido como ―O‖ percurso da pesquisa. A banca de qualificação contribuiu significativamente ao sugerir que se repensasse a metodologia utilizada até então. E ao fazê-lo, compreendeu-se que na verdade o que já vinha sendo realizado era exatamente o que a banca havia proposto: um trabalho com entrevistas narrativas.

De acordo com Jovchelovitch e Bauer (2011), este tipo de método serve para reconstruir acontecimentos sociais e investigar representações a partir do ponto de vista do entrevistado. Desta forma, o entrevistado/a, que na verdade é parceiro/a na pesquisa, sente-se mais instigado/a e estimulado/a a contar a sua versão dos fatos a respeito do tema proposto.

Antes mesmo de iniciar o trabalho de campo, conjeturava-se que não haveria dificuldades em estimular a professora Marineuza a relatar sua relação com a comunidade devido à sua personalidade espontânea. Porém, obter generosamente palavras vindas de uma Comunidade Tradicional Pomerana, até mesmo para uma pesquisadora pomerana, não seria tão fácil devido ao receio em relação ao fato de eu ser uma pessoa letrada e morar na cidade. E foi justamente conhecer essa característica que me levou a buscar maior aproximação com os colaboradores/as, antes de retornar a campo.

Essa aproximação aconteceu por meio de participação em eventos fora da escola. Acheguei-me de ex-alunos/as, já adultos/as, de seus familiares, visitei propriedades

orgânicas, frequentei assiduamente as feiras onde são comercializados produtos orgânicos da região e interagi através de redes sociais. Isso estabeleceu relações mais próximas entre pesquisadora e comunidade, fazendo com que os sujeitos/as do estudo ficassem mais à vontade em narrar suas histórias.

Segundo Jovchelovich e Bauer (2011), a entrevista narrativa pressupõe que o informante revela-se melhor ao usar sua linguagem espontânea. Por isso a comunicação coloquial descontraída, caracterizada por contar e ouvir histórias é a que melhor incorpora a entrevista narrativa. Desse modo, há nas entrevistas narrativas uma importante característica colaborativa, uma vez que a história surge a partir da interação, do diálogo entre entrevistador/a e participante. Decorre daí a necessidade de uma aproximação durante o processo investigativo.

Recorreu-se também à análise de documentos que, segundo Ludke e André (1986), se constitui em técnica importante na pesquisa qualitativa, seja complementando informações obtidas por outras técnicas, seja desvelando aspectos novos da pesquisa.

Neste estudo, a função principal desse tipo de análise foi possibilitar a triangulação com as entrevistas narrativas, tanto dos sujeitos da comunidade quanto da secretaria de educação. Os principais acervos consultados foram documentos da escola: diferentes materiais didáticos (cadernos e atividades mimeografados), registros de professores/as e estudantes, enfim, toda a documentação que permitiu recuperar dados que pudessem ser confrontados com as narrativas.

1.3.2 Procedimentos para produção de dados

As entrevistas foram realizadas com sujeitos/as que corresponderam aos seguintes critérios: terem sido alunos/as do professor Emílio Schroeder, de Marineuza, terem sido moradores/as da comunidade no período em que esta se organizou para construção e/ou ampliação da EEEFM Fazenda Emílio Schroeder (1968/69), terem participado de alguma forma no processo da movimentação pela educação em Alto Santa Maria; terem participado de algum momento da história da educação.

O gênero entrevista narrativa é compreendida por Jovchelovitch e Bauer (2011) como sendo uma entrevista com perguntas abertas e uma forma de encorajar os

entrevistados. As perguntas desta pesquisa seguiram o critério de abrir possibilidade para o entrevistado/a relatar seus pensamentos, princípios e opiniões. Os autores aconselham que o entrevistador utilize perguntas que deem subsídios para estender o assunto, de maneira a permitir que o entrevistado/a narre o que tem a dizer.

Seguindo esse critério, as perguntas que foram dirigidas à comunidade relacionavam-se inicialmente ao processo de construção da história da educação em Alto Santa Maria, com a finalidade de obter respostas para compreender como aconteceu a inserção dos professores/as na comunidade. As questões subsequentes foram direcionadas para a compreensão da importância da professora Marineuza integrar a vida social da comunidade.

Os entrevistados/as foram selecionados/as de acordo com critérios já mencionados. Usamos o termo ―selecionar‖ por concordarmos com Gaskell (2011), que sugere ―seleção‖ ao invés de ―amostragem‖. A autora entende que a amostragem se utiliza em contexto de pesquisa quantitativa, em que se extrai uma amostra sistemática da população cujos resultados podem ser generalizados. O mesmo princípio, no entanto, não pode ser aplicado na pesquisa qualitativa. Partindo desse pressuposto, recorreu-se primeiramente à escola para que a direção sugerisse as pessoas mais apropriadas para os objetivos propostos. Algumas indicações procederam da própria professora Marineuza.

Porém, foi necessário diversificar a ―seleção‖, pois de acordo com Gaskell (2011) a finalidade real da pesquisa qualitativa não é exibir opiniões e sim explorar as diferentes opiniões sobre o assunto. Dessa forma, para obter informações mais consistentes, além de recorrer a fontes sugeridas pela escola (por meio do diretor, das secretárias, serventes e professores/as) e pela Marineuza, recorreu-se também a indicações de outros possíveis participantes, utilizando ―amostra de conveniência‖, procedimento de constituição do conjunto de participantes por bola de neve (TURATO, 2003). Esse consiste basicamente em seguir orientações dos próprios entrevistados/as, que em suas falas sugerem as possibilidades de continuidade no trabalho.

A ex-supervisora, D. Guerlinda Berger, foi sugerida dessa forma. Entrevistá-la e a Marineuza, não foi problema, em razão das experiências que acumularam com este tipo de pesquisa. No entanto, senti mais dificuldade com membros/as da

comunidade, devido ao receio que demonstram em relação ao gravador ou em assinar o termo de consentimento (apêndices E e F). Por isso, no intuito de avaliar como os entrevistados/as se portariam diante do aparelho de gravar, e para adequar a linguagem, realizou-se entrevista piloto. A experiência profissional na escola contribuiu para a pesquisa. Quando se realizavam visitas às famílias, em muitas ocasiões predominava o silêncio diante de uma ficha a ser preenchida. Silêncio ocasionado pela dificuldade de compreender o motivo da visita.

Porém, o motivo das entrevistas agora era outro. Eu não estava ali como professora, por isso não podia simplesmente me valer da experiência com as fichas de visitas. Por isso, optou-se por fazer a entrevista piloto, que consistiu, na verdade, em uma roda de conversa donde foram ―selecionados‖ os ex-alunos/as que contribuíram para a pesquisa. O critério foi simples, embora todos tivessem experiências semelhantes em relação à professora Marineuza, nem todos manifestaram a mesma facilidade em narrar suas recordações. Por isso, do grupo inicialmente formado por nove integrantes, foram selecionados três (narradores) que falavam mais espontaneamente, aos quais retornou-se sempre que necessário; e duas que guardavam material didático do qual fez-se a análise documental.

Tomou-se sempre o devido cuidado no sentido de explicar a finalidade do trabalho, tanto com os documentos quanto com as entrevistas. Solicitou-se permissão para gravar as falas, o que foi formalizado a partir da assinatura do termo de esclarecimento (Apêndice E e F). No capítulo IV relata-se essa etapa da pesquisa com maior riqueza de detalhes.

No documento Uma professora pomerana e sua comunidade (páginas 32-36)