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3. Procedimentos teórico-metodológicos

3.2. Os sujeitos selecionados

Como já havia mencionado, selecionei inicialmente uma turma de terceiro ano do ensino fundamental e dentro dessa turma um total de seis43 alunos, baseado no critério que faz essa investigação, qual seja o de alunos que, de certa forma, estão fora dos padrões da escola e não se “comportam” dentro da “normalidade” defendida pela mesma. Passo agora a descrever um pouco cada um desses alunos, apresentando características de seu ambiente familiar, escolar e individual.

Guilherme44 (11 anos) mora com a mãe, um irmão e um padrasto em uma casa de quatro cômodos no bairro São José em Fortaleza. A mãe, que cursou até a quinta série do ensino fundamental, é dona de casa e o padrasto entregador de um supermercado. Segundo depoimento da mãe e dos professores, esse aluno é bastante acompanhado na vida escolar. A mãe atribui o mal comportamento do filho no ano de 2008 a um problema familiar que a impediu de estar presente na escola, mas diz que esse não é um comportamento constante dele por ser um estudante que geralmente é bem acompanhado, revela que o menino gosta de ir à escola e que ao chegar em casa relata os principais acontecimentos, especialmente os mais lúdicos (brincadeiras, atividades).

Paula (9 anos) mora com a mãe, o padrasto, um irmão de 10 anos e dois irmãos adolescentes no bairro Novo Mondubim em Fortaleza. A mãe, que cursou até a quinta série do ensino fundamental, é doméstica, o padrasto, que nunca estudou, é trabalhador autônomo e os quatro filhos do casal, incluindo ela, estão regularmente matriculados em escolas da rede pública. A casa onde moram é bastante pequena, os pais parecem não se entender (percebo isso quando o pai entra em casa e quer saber do que falamos e a mãe manda que saia com severidade) e o ambiente não pareceu favorável aos estudos, por conta da falta de espaço, ventilação e iluminação. Quanto à relação da estudante com a escola, a mãe conta que ela nunca mostra resistência em ir à escola mas que não gosta de fazer as tarefas escolares, ainda mais porque ela (a mãe) não tem paciência de ensiná-la.

Dominique (12 anos) mora com a mãe, o pai e uma irmã adolescente em um apartamento também no bairro Novo Mondubim. É o mais novo da casa e por conta disso,

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Vou lembrar novamente que uma das alunas desistiu durante a pesquisa o que me impossibilitou de obter maiores informações sobre ela ou de citá-la nesse momento. Portanto, apresento as principais características de cinco estudantes apenas.

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segundo depoimento dos professores, bastante protegido. Os pais e a irmã cursaram o ensino fundamental e médio. A mãe é dona de casa e o pai trabalha no comércio. Segundo depoimentos do próprio garoto e de seus professores, em 2008 ele resistia em ir à escola e acabou mudando de postura no ano seguinte por a mãe ter prometido presenteá-lo caso se saísse bem na escola.

Caio (10 anos) mora com os avós paternos e o pai em uma casa grande e espaçosa também no bairro Novo Mondubim. Foi abandonado pela mãe ainda bebê (com seis meses de idade). Ao todo, moram oito pessoas na sua residência: duas irmãs adolescentes que, assim como ele, foram abandonadas pela mãe, os avós, o pai, mais dois primos seus. Com relação à escolarização dos familiares que vivem com ele, o pai teve a menor escolaridade, pois cursou apenas, segundo informações da avó, até a terceira série do ensino fundamental (atual quarto ano). O avô cursou até a sétima série, a avó é estudante, cursa o sexto ano no EJA (Educação de Jovens e Adultos) na mesma escola de Caio e os irmãos e primos estão regularmente matriculados. A avó, que me pareceu ser a pessoa mais próxima do garoto, conta que ele não gosta muito das atividades escolares, exceto quando se trata do projeto Segundo Tempo, direcionado ao esporte, e revela ainda que o neto gosta muito de trabalhos manuais e diz querer seguir a profissão do pai, que trabalha em uma oficina de carros.

A avó conta ainda que durante os anos de estudo o menino nunca havia se interessado tanto pelas tarefas escolares e pela escola quanto durante a permanência do professor Carlos45 em sala de aula em 2008. De acordo com ela, Caio diz gostar dos professores que resolvem os assuntos em sala de aula, sem necessitar enviar os alunos para a Direção, e que o professor Carlos era assim.

Roberta (11 anos) mora com a mãe, a avó e cinco irmãos em uma pequena casa localizada no mesmo bairro da escola e da maioria dos alunos citados aqui. A mãe é solteira, cursou até a antiga quinta série do ensino fundamental e é costureira. A avó trabalha com sua mãe na costura e dois dos cinco irmãos, segundo informação da mãe, abandonaram a escola. Em conversa informal com sua mãe na visita que fiz à residência da aluna, ela (a mãe) revela que a menina não se interessa por nada, que só vive na rua e que ela bate mas não adianta, ela não se interessa pela escola. Quando tentei explicá-la o objetivo do trabalho com essa aluna e que para realizá-lo necessitaria que a menina me acompanhasse até a escola, já que devido à paralisação estava sem frequentar as aulas, a mãe não deu muita atenção ao que eu estava

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O professor Carlos substituiu a professora titular da turma de 2008 durante quase todo o período em que observei a turma e foi citado por muitos alunos e pais como um bom professor. Segundo o que pude notar nas observações, esses elogios podem estar relacionados ao fato desse docente incitar muitas brincadeiras e ser criativo na condução de suas aulas e, além disso, mostrar autonomia, segurança e afetividade pelos alunos.

dizendo, disse apenas que se era para levá-la até a escola já seria uma coisa positiva porque ela estava atrapalhando seu trabalho em casa.

Um aspecto comum em todas as entrevistas com os pais ou responsáveis foi o reconhecimento de que a escola serviria para o futuro de seus filhos e a afirmação constante que me fizeram de que dizem isso para eles o tempo inteiro. A mãe de Roberta confessa: “digo pra ela estudar, se não quiser ter o mesmo futuro que eu”. A escolarização, para esses pais tem a função que a mídia reproduz constantemente, de salvação para aqueles que pertencem a uma classe social economicamente desfavorecida.

O habitus familiar desses alunos em geral não lhes favorece um estímulo pelos saberes repassados pela escola, já que esses últimos estão distantes da realidade que vivenciam. Em alguns casos, percebo que as crianças até repetem o jargão de que a escola lhes oferecerá um bom futuro, como no caso de Paula que diz não desejar ter o mesmo futuro da mãe e que pretende estudar e ser doutora, mas que, na realidade, acaba não tendo um real interesse pela escola, suas práticas e saberes.

Nos casos que registrei, percebo que diferentes fatores levam à indisciplina e que nem todos os alunos vivem em condições socioeconômicas desfavoráveis não sendo esse o único agravante ou causador da indisciplina na escola. Dominique e Guilherme, por exemplo, vivem ambientes familiares de acompanhamento e entrosamento com a escola, entretanto, ao que constatei recebem superproteção da família. Caio tem problemas familiares porque o fato de ter sido abandonado pela mãe acaba gerando nos avós uma necessidade de suprir a carência, que é concedida através do excesso de liberdade dada ao garoto.