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3. Procedimentos teórico-metodológicos

3.3. Os instrumentos metodológicos

3.3.3. O trabalho de campo com cada aluno

a sala de aula é um lugar muito importante pra gente” (R. 11 anos). E quando retirei os fantoches e disse que a partir daquele momento quem falaria eram elas, o discurso mudou para a mesma aluna “eu queria que a gente pudesse sair da sala de aula toda hora”.

Esses instrumentos auxiliam o pesquisador que investiga a criança porque servem para complementar os dados obtidos através da entrevista e da observação. De uma maneira mais indireta obtêm-se informações que por um motivo ou outro a criança possa omitir no momento da entrevista, porque, como afirma Cruz (s/d), aos cinco anos de idade a criança já acumulou conhecimento suficiente para saber o que um adulto prefere ou não ouvir. Dessa forma, a criança pode escolher o que quer ou não dizer ao pesquisador. O que ocorreu foi o oposto, em todos os casos os alunos pareciam ser mais objetivos quando eram eles mesmos a falar e não os fantoches.

Além dessas atividades, foi importante ainda o contato com os responsáveis pela criança (pai, mãe ou outro parente com quem a criança viva), no sentido de entender o que a criança fala a respeito da escola em casa ou se oferece resistência em ir e o porquê de tal resistência. Nesse sentido, realizei uma breve entrevista com os mesmos (ver apêndice H), em suas residências e com os professores que com eles mantiveram ou mantinham contato.

3.3.3. O trabalho de campo com cada aluno .

Michele–11 anos – o único caso de desistência

O caso da aluna Michele é bastante específico porque ela não chegou a participar de todas as atividades da pesquisa, sendo possível retratar aqui apenas os momentos de observações tanto do contexto da sala “problemática”, onde a menina era uma aluna que se recusava a fazer as atividades, reclamava de tudo seja por gestos, expressões ou palavras, e não gostava de participar, quanto do contexto da sala de aula de 2009, onde ela se mostrou uma aluna participativa, que gostava de ajudar os colegas e parecia ter conseguido uma liderança em sala.

No dia 8 de junho de 2009, registro: “a Michele grita na sala, chama os colegas. Parece que ela percebe que chama atenção, põe o pé em cima da cadeira. Os alunos dão importância a ela, solicitam sua presença. Ela pede o tempo inteiro pra sair de sala. Ela gostou

desse novo contexto porque nele é o centro das atenções, é temida pelos estudantes, pela professora”. Ela gesticula dizendo que não vai entrar na sala e realmente não entra. Exerce liderança. No contexto anterior ela se relacionava bem comigo, estava sempre se aproximando de mim, mas a partir de então se recusava a estar perto de mim, ela não queria que os colegas soubessem que eu estava ali por sua causa?

Michele não participou das atividades de entrevista e história imaginária; chegou a registrar as fotografias, mas não quis comentá-las.

Guilherme – 11 anos

O trabalho de campo com esse aluno se deu em dois momentos: em um primeiro momento fizemos o registro de fotografias no contexto da escola onde em 2009 o aluno estava matriculado; a segunda parte da observação também se deu no contexto dessa escola. No segundo momento foi feito o registro de fotografias e a atividade referente à história imaginária, no contexto da escola Ensinando e Aprendendo, onde o aluno estudava em 2008. O trabalho aconteceu assim porque notei que o aluno ainda não havia construído uma identidade com a nova escola e se recusava a falar, permanecendo em silêncio a maior parte do tempo da entrevista inicial que fiz sobre o registro das primeiras fotografias. O único aspecto que mais destacou na nova escola foi a relação com os amigos. Os espaços que fotografou despertavam-lhe curiosidade apenas. Na escola onde já tinha maior inserção teve maior expressividade. Comparando os dois contextos, ele diz: “lá tinha uns amigos l ...lá tinha quadra, aqui não, lá podia arrodear o colégio, aqui não pode...gostava de ir pra diretoria porque tinha brinquedo...mas era proibido subir no palco”. Guilherme participou de todas as atividades que solicitava quando imerso no contexto da antiga escola e registrou espaços que lhe traziam lembranças dos amigos, das brincadeiras, de ex-professores (especialmente do professor Carlos).

Caio – 10 anos

Nas observações, tanto do contexto da “sala problemática” quanto do contexto da turma de 2009, fiz o registro de muitos comportamentos relacionados a esse aluno que estão sempre direcionados ao não cumprimento das tarefas escolares, à vontade constante de sair da sala, às brincadeiras com os colegas e à afronta com relação às solicitações da professora.

No que diz respeito ao trabalho com as fotografias, história imaginária e entrevista, Caio se dispõe facilmente a realizá-los até mesmo porque, como ele mesmo relata, seria uma

oportunidade de sair da sala de aula. Com relação ao registro das fotografias, chama atenção o fato de somente esse aluno ter registrado algumas fotografias que “fogem” ao que comumente fora selecionado pelos outros alunos: um cartaz que o faz recordar a mãe, o Dia das Mães: “Me representa quando eu nasci- “mãe: escola da vida...; um desenho na parede que o faz lembrar brincadeiras: “minha vó vinha pra reunião e eu vinha pra cá, ficava brincando no pátio” ; se referindo a todos os espaços: “a escola tem espaço pros alunos tudim, dá pra gente brincar, tem sala pra gente estudar”. Os espaços mais significativos para ele são aqueles que pode brincar e fazer tudo que queira. Na visita que fiz à sua residência, compreendi porque esse aluno quer ser atendido em todas as suas necessidades, os avós revelam que ele sai à hora que quer e que eles -os avós- não controlam isso. Caio registrou também o globo na parede da escola, que o faz recordar coisas que lá estão escritas: paz, amor, sabedoria, participação, fé e harmonia, e ele afirma que os demais alunos não costumam se atentar para essas coisas, ele sim: “não, eles nunca olharam não, só eu”. “Eu gosto de olhar”. Os espaços negativos para ele são aqueles que gosta mas não costuma frequentar: “todo mundo não pode coisar, não é todo mundo que pode vir pra quadra”. “O professor Carlos fez torneio com a gente, torneio legal.”... “a gente pode jogar, a gente pode brincar, a gente tem um espaço só pra nós”. Ele registrou objetos para lembrar de algumas pessoas; o birô: “porque antes do professor (Carlos) entrar, a professora, eu não gostava da professora, a professora era ruim, não gostava dela”.

Com relação ao trabalho a partir da história para completar, Caio se recusou a trabalhar em grupos, preferiu estar comigo em uma sala de aula da escola e não permitiu que a conversa fosse gravada. Durante a exposição de suas falas, preferia brincar com os fantoches e criar situações que se distanciassem da conversa sobre a escola. Nesse momento o aluno revela suas impressões sobre a escola, suas rotinas e sobre as relações de poder, inclusive criando situações que esclarecem a dinâmica do poder e da relação que estabelece com o mesmo. “Vou levar você pra diretoria”, “diretor é tipo um professor que dá carão.”

Paula – 9 anos e Roberta – 11 anos

No caso do trabalho de campo realizado com essas duas estudantes, é mais conveniente que seja discutido em uma mesma lauda, por dois motivos: primeiramente porque nas observações, tanto de um contexto quanto de outro, notei a proximidade das duas meninas mesmo que essa proximidade significasse intrigas e desavenças que aconteciam porque as duas queriam sempre estar em situações de liderança. Em segundo lugar porque preferiram trabalhar juntas nas entrevistas a respeito das fotografias e na história imaginária.

No registro das fotografias, mesmo sem uma combinação prévia, acabaram fotografando praticamente os mesmos espaços (quadra, pátio, informática, sala de vídeo, sala de aula, coordenação), ainda que alguns dos registros tenham sido intencionados a objetivos diferentes de uma aluna a outra. Por exemplo, no caso de Roberta, que fotografou a biblioteca porque a fazia lembrar das atividades da própria pesquisa, e não das brincadeiras ou atividades de leitura, como lembra Paula.

Para a história imaginária as próprias alunas montaram o cenário na sala de vídeo e encenaram com os fantoches com muita naturalidade. Na própria encenação elegeram o espaço de sua preferência dentro da escola porque imaginaram que seus bonecos estariam realizando uma atividade na sala de informática no momento exato em que o menino de outro planeta apareceria na cena. Durante a encenação as alunas descrevem a escola, seu papel e as rotinas diárias e parecem preocupadas em defender a escola e sua importância para o personagem principal (o menino do outro planeta): “eu amo toda a escola” (Paula). Ao mesmo tempo as respostas de uma acabam confundindo a outra que acreditava ter dito algo errado depois de ouvir a colega. Paula diz que gosta da escola do jeito que é e Roberta acaba tendendo a reproduzir isso, fazendo algumas ressalvas: “eu gosto mais ou menos, mas eu gosto do jeito que ela é, umas coisas (...) eu queria que a gente pudesse sair da sala de aula toda hora”. Na segunda parte da história imaginária pedi que largassem os fantoches e falassem por si mesmas, as alunas revelam nesse momento que gostariam que suas aulas fossem diferentes, com “poucas” atividades, que pudessem sair mais cedo, “eu queria que terminasse 10 horas” (Roberta). E nesse momento também confessam não gostar da permanência durante longo tempo em sala de aula e de esse ser o motivo de tantas conversas entre os alunos.

Dominique -12 anos

O trabalho de campo com esse aluno trouxe elementos bastante importantes para a pesquisa, especialmente no que diz respeito ao contexto, porque, ao observá-lo na “sala problemática” em contato com os colegas e professores que compunham aquele momento, percebi que ele era líder e estava à frente da organização de muitas ações de “indisciplina”. Entretanto, no novo contexto, em que outros alunos eram líderes, Dominique se mostrou concentrado nas atividades e a professora surpresa ao me ouvir explicar os motivos das observações naquela sala de 2009. Apesar do comportamento diferenciado do estudante, notei sua proximidade com aqueles classificados por alguns professores e integrantes do grupo

gestor como “piores” alunos da sala, especialmente nas brincadeiras que aconteciam no recreio.

No que diz respeito ao trabalho com as atividades específicas, o aluno se mostra mais centrado quando fala das fotografias que registrou do que quando participa da história imaginária. Ao notar um certo desconforto do garoto com o uso dos fantoches e com a presença de outro colega, o Guilherme, pedi que escolhesse como gostaria de falar e assim resolvi fazer o trabalho com um aluno de cada vez e para Dominique retirei os fantoches, conversamos livremente. O resultado é que o menino falou de suas inquietações com a escola, com as autoridades e com as rotinas.

4. “SERVE PARA O FUTURO”: O QUE AS CRIANÇAS PENSAM E DIZEM SOBRE O PROCESSO DE ESCOLARIZAÇÃO

Apresento nesse capítulo dados que caracterizam os vários momentos da pesquisa e as questões levantadas a partir desses dados. Os resultados revelam que a escola passa por um momento onde a dimensão do sentido é alterada, na medida em que o saber que a mesma tem por prioridade apresentar às crianças e jovens não aparece como elemento mais valorizado pelos alunos, que buscam na escola o espaço para o encontro com os amigos, e, em alguns casos, para não permanecer com a família.

Os estudantes reproduzem alguns discursos que a escola e a família lhes ensinaram, mas na vivência de sua escolarização parecem não compreender esses discursos. Na escola se deparam com um presente com promessas de futuro, mas esperam vivenciar experiências mais prazerosas no presente. Em entrevista, Roberta (11 anos) afirma: “a escola serve pra gente ficar inteligente, arranjar um bom emprego”. Em outro momento a mesma aluna diz: “eu queria que a gente pudesse sair da sala de aula toda hora”. Assim, as crianças revelam seu conflito com a escola na medida em que sabem definir a função a que ela se propõe e por outro lado reconhecem que o espaço dessa instituição, como bem coloca Charlot (2001), é um dos poucos lugares onde podem conviver com os amigos. Acabam em alguns momentos se posicionando contra as normas por ela colocadas que, de certa forma, limitam esse encontro, e quando não se colocam contra, apenas ultrapassam as barreiras dessas normas em nome de um maior espaço para a convivência com os amigos.

Segundo Perrenoud (1995, p.85), pode estar havendo uma crise de sentido dos saberes, da relação com o saber. A sociedade “colocou o domínio dos saberes no centro de seu sistema de valores e, ainda assim, não conseguiu dar-lhe outro sentido que não fosse o estratégico como trunfo na corrida para o sucesso social”. Não conseguiu mobilizar o aluno para o presente e, nessas condições, acabou gerando uma recusa dos estudantes (nem todos) pela escola e pela escolarização.