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3.3 DIMENSÃO TECNOLÓGICA: A ESCRITA E O LIVRO

3.3.2 Os suportes de inscrição da obra literária

Após ser abordada a escrita como uma tecnologia aplicada às necessidades da área da literatura, é ainda preciso comentar de forma breve os suportes que comportam o texto escrito, assim como as mídias envolvidas nesse processo. Neste estudo, três suportes literários recebem destaque nas discussões propostas: (i) o livro impresso; (ii) o livro digital, no formato e-book; e (iii) os sites situados no ciberespaço que comportam o texto literário. Um suporte literário é considerado, no espaço deste trabalho, o local no qual uma obra literária é transmitida, ou seja, o meio pelo qual a obra existe materialmente ou virtualmente.

Adiciona-se também às discussões as principais mídias atuantes na propagação da literatura. A primeira das mídias explorada é a internet, na qual o texto literário original se manifesta por espaços como blogs, sites de redes sociais e sites voltados à publicação e compartilhamento de obras literárias. É ainda possível encontrar digitalizações de textos impressos, enormes repositórios de textos em formatos de aquivos diversos, entre outros.

Do outro lado, está a mídia impressa e alguns de seus principais produtos de divulgação do texto literário. Ponto central das discussões, o livro está aqui sendo pensado em sua presença contemporânea, realizada pelo texto impresso e pelo formato padrão de publicação digital, em muito derivado do seu precedente, o códex.

A questão dos suportes aos quais o texto literário se associa também está no campo da tecnologia. Muitos deles, assim como a escrita, são tecnologias atreladas às necessidades de determinado período histórico e que, quando em contato com a a literatura, exercem diferentes funções e incidem sobre ela realizando mudanças nos modos de leitura, escrita, e outras caraterísticas.

Ainda que a apresentação de um panorama histórico dos caminhos traçados por esses suportes possa parecer interessante aos propósitos da dissertação, limita- se aqui a realizar uma pequena e breve introdução a respeito do trajeto dessas tecnologias até a contemporaneidade, contemplando apenas os pontos mais essenciais dessa discussão, uma vez que o foco está concentrado na atuação desses suportes e mídias hoje.

Para que se possa alcançar a temática dos suportes nos quais a literatura se propaga e permanece, é essencial compreender que a mudança de suporte, além

de fundada nas necessidades sociais de um período diante do uso de uma tecnologia, também tem impacto sobre a forma como a literatura é consumida. Como principais momentos de ruptura nas interfaces entre literatura e outras tecnologias, apresentados por Chartier (1998, p. 77), estão quatro:

do rolo antigo ao códex medieval, do livro impresso ao texto eletrônico, várias rupturas maiores dividem a longa história das maneiras de ler. Elas colocam em jogo a relação entre o corpo e o livro, os possíveis usos da escrita e as categorias intelectuais que asseguram sua compreensão.

A literatura inscrita no rolo manuscrito é uma das primeiras formas de registro que permitiam o armazenamento do texto literário. Relembrando que na civilizações antigas, tal ocorre com algumas das civilizações gregas, o registro escrito de histórias em livros surge como uma possibilidade de preservação do texto original da maneira como o autor o havia pensado (CAVALLO; CHARTIER, 2002).

Desse modo, a escrita como uma tecnologia é empregada a favor da conservação de uma obra, uma vez que aqueles que haviam tido contato com a obra não precisariam contar apenas com a memória para recordar da narrativa exata, podendo fazer uso do material escrito para recuperá-la (CAVALLO; CHARTIER, 2002).

Na idade média, livros no formato códex introduziram a indexação como uma das praticidades do formato (CAVALLO; CHARTIER, 2002), algo que permanece relevante na produção literária contemporânea. Além disso, o modo de organização da leitura nesse suporte, a partir da separação em seções ou adição de numeração de páginas, por exemplo, deixou heranças que até hoje perduram na produção literária impressa e também na digital (CAVALLO; CHARTIER, 2002)

A literatura escrita sofre ainda outras modificações a partir do desenvolvimento de tecnologias como a imprensa, na qual a possibilidade de replicar e produzir de modo mais rápido uma quantidade de livros é atingida. O surgimento e a consolidação do uso da imprensa é um marco na história da literatura: é a partir da possibilidade de replicação dos impressos de modo mais rápido e eficaz que o livro impresso ganha espaço como sucessor do códex. De acordo com Eco (2011, p. 12):

[…] Gutenberg inventa os tipos móveis, e nasce o livro. Um objeto de série, que deve conformar a sua própria linguagem às possibilidades receptivas de um público alfabetizado, agora (e graças ao livro, cada vez mais) mais vasto que o do manuscrito. E não só isso: o livro, criando um público, produz leitores, que, por sua vez, o condicionarão.

Assim, a literatura impressa ganha força a partir do surgimento da imprensa pelo baixo custo de reprodução da obra no formato livro (CAVALLO; CHARTIER, 2002). Popularizada por Gutenberg, a imprensa permite a produção e a reprodução mais aceleradas do texto, de modo que o manuscrito como forma de disseminação do texto literário deixa de ser a única opção e o texto impresso passa a ganhar espaço como produto de comercialização em massa (CAVALLO; CHARTIER, 2002). Desse modo, pode-se dizer que: “a invenção de Gutenberg permite a circulação dos textos numa escala antes impossível. Cada leitor pode ter acesso a um número maior de livros; cada livro pode atingir um número maior de leitores” (CAVALLO; CHARTIER, 2002, p. 26).

No século XX surgem o computador pessoal e a internet (POE, 2011). O acesso progressivo da população ao computador pessoal resulta em outros tipos de texto, como o texto eletrônico e a literatura eletrônica (HAYLES, 2011). Já com a internet, vem a possibilidade de seu compartilhamento com outros indivíduos conectados à rede. Tal como expõe Poe (2011), a internet como mídia traz algumas especificidades em relação ao formato impresso, pelo qual a literatura se disseminou por um longo período.

A internet como mídia compreende uma série de práticas e relações sociais que sustentam e caracterizam a presença do texto literário no âmbito digital. Uma das características mais importantes consiste essencialmente na ideia dessa mídia como mobilizadora de ambientes propícios para a colaboração entre diferentes usuários da rede de forma mais imediata por meio do ciberespaço.

Um exemplo disso é o surgimento de interações mais imediatas entre usuários: por seu caráter dialógico (POE, 2011), a internet é um meio de alta velocidade, que permite respostas em um curto período de tempo e interações entre indivíduos que independem dos espaços físicos. De acordo com Poe (2011, p. 168): “the internet is a huge dialogic network made up of millions of smaller dialogic networks9”. É nessas pequenas redes e em suas ligações com redes maiores que a produção de conteúdo e de entretenimento na internet ganham força.

9 “a internet é uma grande rede dialógica feita por milhões de redes dialógicas menores” (POE, 2011, p. 168). Tradução nossa.

Na internet, um mesmo indivíduo pode tanto consumir conteúdo, quando produzir e publicar o seu próprio. Uma ideia de Poe (2011) que exemplifica a questão dialógica e interacional na internet está na possibilidade de se ler e posteriormente comentar conteúdos na internet, de modo a se estabelecer conexões que funcionam como diálogos, conversas entre indivíduos (POE, 2011).

Assim, essa breve apresentação de alguns dos principais suportes e mídias utilizados pela literatura na contemporaneidade teve como objetivo introduzir as discussões a respeito dos dois principais suportes de publicação e propagação do texto literário nas relações estabelecidas hoje entre mercado editorial da indústria do entretenimento e a escrita literária independente na internet.

3.4 DO LIVRO IMPRESSO À INTERNET: CONSIDERAÇÕES SOBRE A