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Os terminais de ônibus e o projeto expresso de integração

CAPÍTULO 01. PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO DE MANAUS PELA CIRCULAÇÃO DE VEÍCULOS: UM PROBLEMA DE SAÚDE AMBIENTAL?

1.4. Os terminais de ônibus e o projeto expresso de integração

No final da década de 1990 e início da seguinte, em Manaus dá-se início à implantação do projeto convencionalmente denominado Sistema Expresso. Este projeto busca implantar vias expressas separadas para os ônibus, junto ao canteiro central, construção de dois novos terminais de integração (T4 e T5), reforma e ampliação dos três já existentes à época (T1, T2 e T3), conforme ilustra a figura abaixo com a disposição dos terminais e o traçado do corredor que é implantado e colocado em operação no final de 2000 (SOUZA, 2009).

Figura 06. Terminais: integração e corredores do sistema Expresso. Fonte: SOUZA, 2009.

Souza (2009) aponta a falência deste “sistema expresso" ao evidenciar sua inconsistência sob vários aspectos e sua implantação como uma

sequência de improvisações sem precedentes. Primeiramente, o corredor leste não chega à área central da cidade – principal pólo de articulação, pois implicaria em atravessar áreas da cidade bastante consolidadas e de elevado padrão imobiliário, com elevados custos em desapropriações para alargamento das vias.

Conforme pesquisas realizadas por Taco et al (2006), ao observar os pontos de articulação em Manaus pode-se perceber concentrações específicas em comércio e serviços, com os fluxos de usuários em locais onde as principais linhas se interceptam ou nos locais característicos de concentração de linhas, tais como terminais, rotatórias, entroncamentos e bifurcações. Esta identificação (figuras 07 e 08) ressalta a importância da oferta do sistema de transporte coletivo nestes locais, em relação à frequência e às opções de destino e direção. Os pontos de articulação são importantes pontos de confluência e dispersão na cidade, concentrando atividades e pessoas e, consequentemente, concentrando rotas.

Figura 08. Infraestrutura viária e fluxos de deslocamento em Manaus. s/escala. Fonte: TACO, 2006.

Como podemos observar na figura acima, a infraestrutura viária, os fluxos de deslocamento e o transporte intra-urbano convergem à Área Central no “Terminal da Matriz”, localizado entre o porto e a Praça da Matriz.

Retomando as considerações de Souza (2009) ao apontar a falência, inconsistência e sequência de improvisações deste “sistema expresso", o autor chama a atenção para erros absurdos de engenharia de tráfego que conduzem à construção de paradas e sua consequente demolição, por estarem em curvas perigosas ou próximas demais umas das outras. Outro erro de projeto construtivo evidencia-se na reestruturação da inclinação mínima da cobertura destes corredores, pois águas pluviais escorrem pelo forro para cima dos usuários.

No período de utilização dos corredores, o asfalto não resiste ao peso dos veículos com necessários e constantes reparos. A exclusividade do corredor central aos ônibus do sistema expresso não é assegurada, haja vista que este sistema convive e depende dos ônibus convencionais que continuam rodando e parando pela direita da via. Assim, com ônibus pela direita e pela esquerda, as condições do trânsito se tornam complexas, e sem legitimidade para reservar as via

da esquerda para os ônibus, os motoristas não respeitam tal determinação. (SOUZA, 2009).

Considerando o público alvo destas intervenções urbanístico-viárias, são parcos os investimentos em semáforo, faixa de segurança e passarela para os pedestres que necessitam cruzar a via em direção ao canteiro central - corredor expresso. A expansão do sistema de transporte informal, operando paralelamente ao sistema legalizado no início, mas parcialmente integrado àquele, acelera a falência do sistema expresso. (SOUZA, 2009).

Em mais uma tentativa de proporcionar melhorias no sistema de transporte coletivo urbano em Manaus, em 2008 é implantado um sistema de bilhetagem eletrônica. Utilizando cartões eletrônicos, amplia-se o sistema de integração física (antes realizada apenas nos terminais 16) pelo sistema de

integração temporal. Deste modo, o passageiro pode realizar a integração temporal em qualquer ponto da cidade. Dentro do prazo de duas horas, a partir do momento em que ele passa pela catraca do primeiro ônibus, o passageiro pode trocar de veículo sem ter que pagar nova passagem. Ressalta-se que, a exemplo de outras cidades brasileiras, o sistema de transporte coletivo de Manaus adota valor único da tarifa para todas as linhas de ônibus, independentemente de sua extensão.

Conforme as considerações de Souza (2009) a cobrança de tarifa única pode ser interpretada como ideologia de segregação sócio espacial. Este autor se utiliza de duas premissas: a) a adoção de tarifa única do transporte coletivo e, b) as invasões de terras urbanas, permitidas e reprimidas. Assim, “é forçoso reconhecer que ambos contribuíram para levar as populações mais carentes para regiões mais afastadas da cidade e assim preservar áreas de interesse do capital imobiliário e das elites dominantes para o estabelecimento de condomínios destinados às classes médias e altas da sociedade” (SOUZA, 2009, p. 60-1).

O espaço da circulação em Manaus é parte de um processo de conformação urbana ao longo de um período de crescimento sem planejamento urbano. Isso remete tanto a aspectos sobre os diferentes agentes construtores e definidores desta conformação, desde o período áureo de extração do látex, quanto ao projeto implantado efetivamente a partir da década de 1970 com a Zona Franca

16 Em Manaus, a integração tarifária sem limite de tempo é permitida nos cinco terminais, como

de Manaus. A estrutura viária de Manaus, com um reduzido número de vias expressas (em sua maioria estreitas e tortuosas) e vias de acesso local apresentando as mesmas características, dificultam seus usos como alternativas a trechos congestionados. Esta estrutura viária impacta negativamente a circulação, com consequentes congestionamentos de trânsito em certas horas do dia com crescente ocorrência de acidentes, conforme pesquisas de Souza (2009).

Outro agravante são os obstáculos aos pedestres. Em sua maioria, os proprietários dos imóveis avançam sobre a calçada incorporando esta como área privada. Sem contar as irregularidades concernentes à largura, obstáculos e declividade das calçadas – isto quando há calçadas. Nas áreas mais centrais, como em tantas outras cidades brasileiras, a disposição irregular de árvores, orelhões, postes da rede elétrica, bancas de comércio variado dificultam e até mesmo impedem o acesso e o uso das calçadas. Referente aos bairros, a situação é mais grave, pois são raros os casos de existência de calçada, o que obriga o pedestre a circular pelo leito carroçável, dividindo assim espaço com os automóveis, aumentando significativamente o risco de acidentes.

Figura 09. Ausência de calçada no prolongamento da via – Jardim Petrópolis, percurso INPA – UFAM. Fonte: Fotos do autor em Trabalho de Campo, 2009.

Como vimos afirmando constantemente, observa-se uma valorização do espaço, com predomínio do valor de troca frente ao valor de uso, que privilegia a circulação do automóvel em detrimento do espaço do transeunte. De obra conjunta de cidadãos, a cidade, não exclusivamente, mas predominantemente, passa a produto de consumidores gerando em seu seio o que Milton Santos proclama como “não-cidadãos”.

Este paradigma efetiva-se em altas taxas de motorização e políticas públicas voltadas ao transporte individual. Portanto, pode-se até mesmo afirmar que ocorre uma perversão da simbologia e confusão de valores representantes das atuais revoluções inscritas na “fase imediatamente anterior do sistema”. E se armam de uma ressurreição nostálgica do real sob formas de simulacros de segunda ordem, ou seja, dialética, valor de uso, transparência e finalidade da produção. “Todas as libertações não passam de transição para a manipulação generalizada. A própria revolução nada mais deseja dizer ao estágio dos processos aleatórios de controle. [...] o inconsciente também entrou no jogo: ele há muito perdeu seu princípio de realidade para vir a ser simulacro operacional” (BAUDRILLARD, 1996, p. 9).