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CAPÍTULO 01. PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO DE MANAUS PELA CIRCULAÇÃO DE VEÍCULOS: UM PROBLEMA DE SAÚDE AMBIENTAL?

1.5. Saúde Ambiental e o direito à cidade

Para Sobral e Ribeiro (1996), é na cidade onde mais se percebe o impacto antrópico e onde os recursos naturais mais sofrem alterações, tanto na terra, no ar, na água quanto nos organismos vivos. Paralelamente, é possível afirmar que o acelerado processo de urbanização, associado ao crescimento demográfico e mobilidade social, conduz a grandes transformações do meio físico e social com crescente empobrecimento de parte da população urbana constituindo outro agravante à sua saúde.

O empobrecimento e a exclusão sócio-espacial podem ser observados no processo de produção do espaço urbano e na consequente localização e disponibilidade de infraestrutura e serviços básicos, com parte significativa da população urbana destituída do acesso real a serviços públicos no atendimento de suas necessidades, dentre eles, os relacionados à saúde.

Ressalta-se, como afirma Minayo (1993), que a saúde é uma questão humana e existencial e sua situação deve ser compartilhada indistintamente por todos os segmentos sociais. No entanto, observa-se que as condições de vida qualificam diferentemente o modo como classes sociais se relacionam com ela, envolta numa complexa interação de aspectos físicos, psicológicos, sociais e ambientais.

Ao propor uma estratégia de ação ambiental, preventiva e participativa em nível local, reconhecendo o direito do humano a um ambiente saudável e adequado, a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) propõe a Atenção Primária Ambiental (APA). Esta estratégia deve reconhecer o direito do ser humano à informação sobre riscos do ambiente relacionados à saúde, bem-estar e sobrevivência e define as responsabilidades e deveres em relação à proteção, conservação e recuperação do ambiente e da saúde (OPAS, 1999).

Carneiro (2006) propõe uma redefinição de Atenção Primária Ambiental (APA) para Atenção Primária em Saúde Ambiental (APSA) ao preconizar a saúde ambiental como síntese das ações no nível local e avançar na direção de um sistema de saúde centrado na qualidade de vida das pessoas e de seu meio ambiente. A APSA é um instrumento para o desenvolvimento da Vigilância em Saúde Ambiental no âmbito local. Preconiza o desenvolvimento de informação, tendo em vista a participação da comunidade nos processos de construção de espaços saudáveis. Em suma, participação nos processos decisórios quanto às políticas públicas na busca por ambientes mais humanos e menos desiguais compondo uma estratégia ambiente-saúde para a produção social do ambiente e da saúde.

Monken e Barcellos (2005) aprofundam o debate sobre as ações da APA e da APSA como estratégias governamentais, ao incorporar a noção de território utilizado; isto é, a saúde chegando realmente à população. Para estes autores, o modelo médico-assistencial pauta-se sobre uma concepção tradicional de saúde, e distancia o setor saúde dos problemas consequentes à exclusão social. Para eles, é preciso considerar as ações coletivas e intersetoriais enquanto produção social da saúde das populações. Torna-se necessário observar, compreender e explicitar “as mediações que operam entre as condições reais em que ocorre a reprodução dos grupos sociais no espaço e a produção da saúde e da doença” (MONKEN e BARCELLOS, 2005, p. 899).

Apropriando-se dos pensamentos de Milton Santos sobre constituição do território e do sociólogo Anthony Giddens sobre sociedade, Monken e Barcellos argumentam ainda que, na busca de uma produção social da saúde, a categoria central de análise é a territorialização como “território utilizado”. Territorialização possível ao apreender o processo interativo pessoa-mundo, ao

apreender a ação humana e a inseparabilidade entre a materialidade e o seu uso (sua causa necessária). Esta inseparabilidade potencializa a produção, a habitação, a circulação, a cultura, a associação, o lazer, dentre outras dimensões espaciais, por meio de objetos (fixos) e ações (fluxos) no espaço, produzindo elementos espaciais cotidianos, realizando o diálogo da pessoa com o mundo e com os outros (MONKEN e BARCELLOS, 2005, p. 901-2), isto é, alteridade.

Neste sentido, a relação entre a saúde e a produção do espaço urbano envolve aspectos da geografia urbana ao incorporar movimentos sociais e suas representações sociais, a circulação de pessoas, mercadorias ou informações a partir das pessoas que a frequentam por um objetivo ou cumprir uma tarefa localizada territorialmente. Corroborando estas afirmações, para Guimarães (2001), a saúde traz em si, enquanto rede de serviços, a capacidade de produção, reprodução e enunciação de representações sociais da vida urbana, como o desejo, o imaginário, o percebido, etc. Este processo social pode, por sua vez, determinar os que utilizam um serviço e qual o direcionamento de atenção primária para a qualidade de vida dos mesmos.

Considerando o que expomos até o momento, podemos afirmar que a instauração e manutenção da atual sociedade industrial e intenso processo de transformação do espaço urbano na cidade do automóvel, alteram a qualidade do ar com acentuada emissão de poluentes atmosféricos provenientes da crescente queima de combustíveis fósseis pelas indústrias e por veículos automotores. Esta poluição atmosférica apresenta aspecto visual desagradável e, principalmente, impacta a saúde da população a partir da relação intrínseca entre a poluição do ar e a incidência de morbidades, principalmente relacionadas ao aparelho respiratório, constituindo-se num importante problema de saúde ambiental.

O presente estudo visa analisar esta situação considerando a realidade de Manaus. Para isto, procuramos observar os impactos da poluição veicular nos trabalhadores informais dos terminais de transporte coletivo urbano em contato direto com a emissão dos poluentes. Afinal, reproduz-se aqui a desigualdade de condições estabelecidas na própria estruturação urbana. A cidade vivida pela circulação do automóvel estabelece situações de risco e exposição aos poluentes muito diferenciados dos transeuntes e usuários dos transportes coletivos. Estes últimos, estão muito mais expostos aos poluentes gerados pela produção da cidade

dos automóveis, uma vez que não estão protegidos pelos circuitos fechados de ar condicionado dos automóveis, além de passarem parte considerável do tempo de espera de ônibus nos terminais do sistema de transporte, onde há grande concentração de gases tóxicos. Os trabalhadores informais dos terminais podem ser considerados exemplos extremos desta condição de desigualdade social de exposição ao risco ambiental.