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Os três níveis de processamento emocional e as estratégias de Donald

2. O DESIGN EMOCIONAL COMO INTÉRPRETE DE IDENTIDADE E VALOR

2.3. Os três níveis de processamento emocional e as estratégias de Donald

Como referido anteriormente, a interação entre os seres humanos e o design de produtos, sob o ponto de vista das emoções, é um dos principais focos das pesquisas desenvolvidas por Donald Norman (2004), sugerindo que o design emocional preconiza a existência de três níveis de processamento no cérebro que necessitam de diferentes estímulos ao nível do design: o visceral, o comportamental e o reflexivo. No seu livro, Emotional Design: Why we love (or hate) everyday things (2004), o autor centraliza-se em discutir o design dos artefactos do quotidiano e em como melhorá- los para conectar as pessoas a eles, argumentando que esses três níveis podem servir como embasamento para o desenvolvimento de artefactos de design, direcionando projetos a partir de estratégias distintas: design para aparência (design visceral), design para facilidade de uso (design comportamental) ou design para significados e reflexão (design reflexivo).

Donald Norman (2004) exemplifica no seu livro três chaleiras de posse pessoal, em que cada uma determina as três estratégias de processamento emocional. A primeira chaleira da coleção é chamada de Nanna, e a segunda foi criada pela empresa alemã Ronnefeldt, sendo que a terceira da autoria do artista francês Jacques Carelman, designa-se por chaleira para masoquistas.

Figura 1 – Da esquerda para a direita: “a chaleira para masoquistas, a chaleira "Nanna”, e a chaleira da

empresa alemã Ronnefeldt”, Fonte: Livro, Emotional Design: Why we love (or hate) everyday things (Norman, 2004, 19)

Revelando não utilizar as três chaleiras no seu dia-a-dia, explica que o uso de cada uma é de acordo com a ocasião, com o contexto, com o seu humor, e essencialmente pela apreciação das suas formas esculturais. No caso da chaleira Nanna, esta destaca-se pela sua aparência, ou seja, determina uso do design visceral, especialmente quando preenchida com os tons do chá.

Figura 2 – “Chaleira Nanna.” Fonte:9

A sua forma única e rechonchuda torna-se surpreendentemente atraente para o autor, revelando o que a natureza faz, ou seja, representa um mecanismo que analisa o mundo real e que dá respostas biológicas. Como resultado, “estamos primorosamente sintonizados para receber poderosos sinais emocionais

do ambiente que são interpretados automaticamente no nível visceral” 10

(Norman, 2004; 66), tratando dos aspetos físicos e sensoriais que repercutem a partir de um primeiro impacto com um produto e que afeta o sistema motor e sensorial do ser humano.

Pertencente às relações iniciais, o design visceral torna-se em “estudos

simples nos quais se colocam pessoas em frente a um produto de design e aguarda-se pelas reações. Na melhor das circunstâncias a reação visceral à

9 https://www.google.com/search?biw=1920&bih=920&tbm=isch&sa=1&ei=WELZXJeDFuKfjLsPo-

aF2Ao&q=donald+norman+chaleira+Nanna&oq=donald+norman+chaleira+Nanna&gs_l=img.3..35i39.166125. 166833..166979...0.0..0.106.485.3j2...1....1..gws-wiz-img._GFkgT0dv6Q#imgrc=HCfe9i-64J4M9M:,acedido a 09- 10-2018

10Tradução livre da autora: “we are exquisitely tuned to receive powerful emotional signals from the environment

aparência funciona tão bem que as pessoas olham uma única vez e afirmam “eu quero.”. De seguida poderão perguntar “o que é que o produto faz?, e por último “quanto custa.”11 (Norman, 2004; 68). Assim, o prazer de caráter visceral está

voltado às relações automáticas de adoração, desejo, atração.

Podemos observar tal relação em equipamentos pediátricos, que transmitem sensações estéticas às crianças, como o exemplo da figura 3. A sua forma torna-se num ponto crucial tal como a sensação física do toque e da textura do material. O objetivo é o produto transmitir uma sensação agradável e atrair o utilizador esteticamente, sendo que o material usado é minuciosamente escolhido, tal como a técnica aplicada, de modo a transmitir uma imediata ligação emocional.

Figura 3 – “Exemplo de Design Visceral, Maca em forma de dinossauro. Fonte: 12

Destaca-se que é no nível visceral “que a aparência importa e as primeiras

impressões são formadas. O design visceral é sobre o impacto inicial de um produto, sobre sua aparência, toque e sensação”13 (Norman, 2004; 37),

11Tradução livre da autora: “studied quite simply by putting people in front of a design and waiting for

reactions. In the best of circumstances, the visceral reaction to appearance works so well that people take one look and say "I want it." Then they might ask, "What does it do?" And last, "And how much does it

cost?"(Norman, 2004; 68)

12 https://www.hospitaldaluz.pt/arrabida/pt/servicos-clinicos/especialidades-e-linhas- assistenciais/pediatria/, acedido a 09-10-2018

13Tradução livre da autora: “This is where appearance matters and first impressions are formed. Visceral design is

onde encontramos uma maneira para explicar a atração ou a repulsão automática que temos ao perceber algum produto.

A chaleira da empresa alemã Ronnefeldt, serve o chá através da sua inclinação. Este procedimento singular proporciona prazer e eficácia de uso, como se o objeto fosse um reflexo do comportamento do utilizador. Ou seja, talvez se possa afirmar que revela um nível comportamental no ser humano.

Figura 4 – “Chaleira da empresa alemã Ronnefelddt.” Fonte:14

Assim o design comportamental “é sobre o uso, sobre a experiência com

um produto.” (Norman, 2004; 37) está ligado à sensação de controle, de dominar

a situação. Na experiência “o que importa aqui são quatro componentes do bom

design comportamental: função, compreensibilidade, usabilidade e sensação física.” (Norman, 2004; 70), capaz de a pessoa sentir uma satisfação ao fazer

bem determinada coisa. Na maior parte do design comportamental, a função vem em primeiro lugar e acima de tudo perguntamos o que faz um produto? que função desempenha? Se o produto não faz nada interessante, então quem quer saber o quão bem ele funciona?” (Norman, 2004).

Consequentemente, podemos assim identificar um design comportamental através da conceção de uma maca hospitalar, representativa na figura 5 em que esta proporciona ao utilizador cinco movimentos – sobe e desce o estrado, inclina o estrado na direção dos pés, inclina a direção da cabeça e movimenta o tronco e

os membros inferiores – ou seja cinco comportamentos diferentes, satisfazendo emoções diferentes.

Figura 5 – “Exemplo de Design Comportamental, Maca capacitada para transmitir cinco

movimentos. Fonte: 15

Assim, o design comportamental, representa o uso e desempenho objetivo das funções de um produto, como o utilizador compreende e opera o produto, e consequentemente como o mesmo se comporta.

Quanto à terceira chaleira intitulada pelo autor por chaleira para masoquistas, revela uma inutilidade para verter o chá, pois o cabo está do mesmo lado do bico. Conforme Donald Norman (2004), esta reflete o seu passado, a sua cruzada contra objetos inúteis, a sua auto-imagem e o seu orgulho, evocando um nível reflexivo.

15 http://atendesaude.com.br/homologacao/produto/cama-hospitalar-motorizada-5-movimentos-com- 210m-de-comprimento-de-estrado-2/, acedido a 09-10-2018

Figura 6 – “Chaleira para masoquistas.” Fonte:16

O design reflexivo representa o uso sob o ponto de vista subjetivo, os aspetos de ordem intangível, abrangendo singularidades culturais e individuais, memória afetiva e significados atribuídos aos produtos e ao seu uso. O prazer que origina no nível reflexivo exige estudo e interpretação. De todos os três níveis, esse

é o que apresenta maior vulnerabilidade e oscilação, em que depende das variações de cultura, grau de instrução e experiências vivenciadas pelas pessoas. “O design reflexivo cobre muito território. É tudo sobre mensagem, sobre cultura e

sobre o significado de um produto ou seu uso. Por um lado, é sobre o significado das coisas, as lembranças pessoais que algo evoca. Por outro lado, algo muito diferente, é sobre a auto-imagem e a mensagem que um produto envia para os outros.”17 (Norman, 2004; 84). Ou seja, o design reflexivo considera a

racionalização e a intelectualização de um produto.

16 https://www.drouot.com/lot/publicShow/3271492,acedido a 09-10-2018

17Tradução livre da autora: “Reflective design covers a lot of territory. It is all about message, about culture,

and about the meaning of a product or its use. For one, it is about the meaning of things, the personal remembrances something evokes. For another, very diferente thing, it is about self-image and the message a product sends to others.” (Norman, 2004; 84).

Um caso que revela os princípios do design reflexivo é a Linha Surround da SteelCase. Como a figura 7 indica o quarto do doente transforma-se num ambiente familiar.

Figura 7 – “Linha Surround, SteelCase, equipamento de apoio os membros da família no quarto do paciente,

demonstrando lembranças pessoais e poder económico do próprio hospital.” Fonte:18

Segundo Donald Norman (2004), os três níveis de processamento estão associados entre si, comprovando que estes três componentes interligam emoções. Em relação ao campo do Design numa ação hospitalar de Pediatria, o profissional que projeta para despertar emoções, focando-se num mobiliário hospitalar infantil, pode direcionar o seu projeto para um apelo comportamental, valorizando a função do produto e a diversidade de ações e reações no utilizador.

18https://www.commercialinteriordesign.com/voices/steelcase-on-blurring-the-lines-between-home-

3.

A CULTURA DO BRINCAR COMO INSTRUMENTO CULTURAL