• Nenhum resultado encontrado

8. DISCUSSÃO

8.1. Otoneurocirurgia e Equipas Multidisciplinares

A avaliação de temas recentes da História da Medicina pode ser uma limitação, mas formula-se, ao mesmo tempo, como um enorme desafio.

A área da Otoneurocirurgia é uma jovem «valência», ou subespecialidade, da Neurocirurgia e da Otorrinolaringologia, que tem feito o seu percurso com especial destaque na Europa e nos Estados Unidos da América. Agregando equipas multidisciplinares, o seu sucesso depende não só de cada um dos seus elementos, como também, e sobretudo, de um todo que funciona como equipa para o resultado final.

A avaliação objetiva destas equipas e do seu trabalho é difícil, e, porventura, estabelecida através dos resultados cirúrgicos. Mas a Otoneurocirurgia é muito mais do que os resultados cirúrgicos. Agrega toda a organização das várias equipas, a gestão de pessoas, a formação pós-graduada, a atividade científica, o treino de jovens cirurgiões, os novos projetos, entre outros parâmetros, com especial ênfase para a aplicação e para o desenvolvimento de novas tecnologias aplicadas à cirurgia (Taoka, Masutani, Kawai et al., 2017; Taoka, Fukusumi, Miyasaka et al., 2017). Saliente-se, por isso, a ideia de que esta análise deve ser feita como um todo e não segundo determinadas escalas de apreciação individuais.

Na maior parte dos países desenvolvidos existem centros de referência para a patologia da base do crânio. A ponderação do seu trabalho e da qualidade inerente ao mesmo é, todavia, um tema subjetivo e controverso, embora seja geralmente classificada através dos resultados cirúrgicos e da complexidade das patologias tratadas.

Desta forma, a organização das equipas e a formação pós-graduada são fatores essenciais para o seu sucesso, pois têm um papel decisivo na formação dos médicos mais jovens. A evolução técnica dos mesmos prende-se ainda com todos estes fatores, pois estão todos interligados entre si, pelo que a sua apreciação pode ser realizada curricularmente.

Por outras palavras, todas as patologias devem ser ponderadas individualmente pela sua especificidade, sendo a apresentação e a divulgação dos resultados obtidos essenciais para validar todo o trabalho desenvolvido, pelo que devem englobar várias áreas de interesse e várias especialidades (Flores, Serrão Neto, Neto d’Almeida et al., 2000). Deve ainda ser gerada uma discussão à volta de

todos estes temas, de modo permanente, com um sentido apurado de autocrítica. É esse o caminho para a evolução técnica.

As terapêuticas médicas e cirúrgicas são cada vez mais personalizadas aos doentes. Esse também é o caminho na Otoneurocirurgia e na cirurgia da base do crânio. A complementaridade técnica das especialidades envolvidas é a chave do sucesso e da menor morbilidade, sendo igualmente um fator fundamental para a constante aprendizagem e para o «alargamento de horizontes».

Ao longo dos anos, a equipa de Otoneurocirurgia do Hospital de Egas Moniz organizou-se para progredir do ponto de vista técnico, mas também nas áreas científica e de formação pós-graduada. Além disso, estes territórios não podem ser dissociados, por forma a assegurar a continuidade de todo o trabalho desenvolvido com a qualidade que se pretende.

A formação de médicos mais jovens também deve merecer especial atenção, para garantir o seguimento de todo o trabalho desenvolvido, não só no Hospital de Egas Moniz, mas nos vários centros a nível nacional que tratam patologias complexas e que se apresentam como centros de referência nas várias áreas cirúrgicas. A expressão «fazer escola» nunca fez tanto sentido como neste caso em particular.

Devido à longa curva de aprendizagem, esta formação deve ser iniciada, preferencialmente, durante o internato de especialidade. Em patologias menos frequentes, é essencial até criar centros de referência a nível nacional, de modo que possam ser oferecidos tratamentos de excelência aos doentes.

Num país com a dimensão de Portugal, esta organização é desejável como o método que garante a formação de médicos mais jovens com a experiência necessária ao seu bom desempenho técnico.

Por outro lado, não é possível que todos os cirurgiões tratem toda a patologia da sua especialidade, exceto em casos pontuais, por questões geográficas ou por falta de recursos humanos. Todos os centros internacionais evoluíram neste sentido há vários anos, sendo urgente para Portugal o acompanhamento desta política.

Deverá ser ponderado, inclusivamente, se certas valências, como a Otoneurocirurgia, deverão, ou não, ser observadas enquanto competências específicas ou como subespecialidades junto dos Colégios de Especialidades da Ordem dos Médicos, para assegurar a qualidade dos centros de excelência ou de referenciação de determinadas patologias, por permitirem concentrar em si experiência e técnica.

Num país com a dimensão de Portugal, esta opção seria benéfica. Na patologia da base do crânio, os Paragangliomas constituem um exemplo clássico, pela sua raridade (com uma incidência anual de 2 a 8 em 1 000 000) e pela sua complexidade terapêutica, onde se inclui a cirúrgica, que envolve várias especialidades no seu tratamento (Neto d’Almeida, Escada, Branco et al., 2009; Makiese, Chibbaro, Marsella et al., 2012).

Este estudo surge numa altura em que o país atravessa dificuldades nos diferenciados recursos médicos e em que os centros de referência são escassos, sobretudo para patologias mais complexas, que envolvem equipas multidisciplinares e consomem vastos recursos tecnológicos.

A Unidade Funcional de Otoneurocirurgia e Neurorrinologia do Hospital de Egas Moniz é um exemplo de longevidade e de persistência, que ultrapassou adversidades e encontrou novos métodos de trabalho para assegurar a sua continuidade. Seria inglório que um projeto iniciado em 1989, no sentido de proporcionar aos doentes melhores tratamentos, fosse fragmentado ou encurtado devido a dificuldades no seu longo percurso.

Cedo se compreendeu que a colaboração entre a NC e a ORL seria decisiva para a progressão da capacidade técnica dos vários constituintes da equipa e para a melhoria dos resultados cirúrgicos dos doentes portadores desta patologia. O envolvimento de outras especialidades, como a Neurorradiologia, começou a ser decisivo para a análise imagiológica de cada caso.

As vias de abordagem disponíveis para os tumores do APC passaram a ser analisadas em cada doente, dependendo, no pré-operatório, de vários fatores, entre os quais se destacam a idade, a acuidade auditiva, as dimensões do tumor e os défices neurológicos.

Estas especificidades técnicas obrigavam a que as equipas cirúrgicas discutissem caso a caso e «personalizassem» cada terapêutica cirúrgica. Aliás, esta é a conduta habitual e desejável na maior parte das terapêuticas cirúrgicas nas várias áreas, especialmente em patologia complexa.

8.2. ABORDAGEM TERAPÊUTICA DOS TUMORES BENIGNOS DO