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Outras teorias do corpo

No documento O corpo re-tocado (páginas 51-53)

2. Arqueologias do corpo

2.3. Outras teorias do corpo

Rever as teorias dos principais filósofos da antiguidade que consideravam o corpo essencial para a relação humana e a natureza, estaria incompleto sem fazer menção aos pré-socráticos Demócrito e Empédocles. Isto porque as teorias destes filósofos dão atenção à percepção e às relações complexas entre os órgãos sensoriais e o que é percebido. A partir da singular interpretação de Siegfried Zielinski (2006), estas antigas teorias nos revelam uma simpática proximidade com a frenética atividade contemporânea de interfaces entre “pessoas midiáticas e máquinas midiáticas”.

De acordo com Zielinski, Empédocles12 era uma lenda ainda em vida. O filósofo de Agrigento criou sua teoria dos poros considerando que é possível fazer uma conciliação entre opostos, e Zielinski (2006:63-66) nos fala sobre os três fundamentos que permeiam o conceito de natureza do filósofo. O primeiro ponto a ser considerado era a pluralidade em relação aos quatro elementos: terra, ar, água, fogo, também conhecidos como grupos radiculares. O segundo princípio refere-se à maneira como ocorre a composição ou mistura entre os elementos. “Esses quatro elementos agem em todas as coisas e organismos existentes e por isso tornaram-se o princípio básico da química”. O terceiro elemento que permeia a doutrina de mistura de elementos de Empédocles é a atração e a repulsão, ou amor e ódio, como o filósofo gostava de poetizar. Estas, segundo Zielinski, são as forças que geram o movimento constante dos elementos. A teoria dos poros de Empédocles pode ser descrita como sendo uma pele ou um:

filme pouco espesso, que não apenas as protege, mas também é permeável em todas as direções. Isso é realizado por meio dos poros invisíveis e delicados da pele, que possuem diversas formas. Um constante fluxo de efluências passa através deles, em particular. Se há aversão, os fluxos não se misturam. Quando há simpatia entre um e outro, há contato recíproco e podem “apanhar”

12 “Como médico habilidoso tinha a reputação de promover de milagres, e a população atribuíam-lhe uma

relação mágica com a natureza. Os habitantes de Selinus adoravam-no quase como um deus, pois com próprio dinheiro construiu canais para desviar a água de dois rios vizinhos para o córrego pantanoso e poluído da cidade. Além de evitar epidemias esta obra abasteceu a cidade com água potável. Também tinha grande influencia política em sua cidade, Agrigento, Sicília, mas recusou-se a assumir cargos públicos” (Zielinski, 2006, p. 63).

as efluências um do outro, que se combinam com sucesso para criar uma sensação. Para isso ocorrer, os poros necessários devem corresponder em tamanho e forma (Zielinski, 2006, p.65- 66).

Para Zielinski, é nessa estrutura altamente flexível, referente ao movimento constante dos elementos e à sua infinita mistura, que se encaixa o conceito de percepção de um pelo outro de Empédocles. O filósofo não fazia distinção entre compreensão e percepção sensorial, ou seja, ele não via separação entre a ação e o agente. No processo dinâmico de mistura a qual ele acreditava “ser” significa o constante intercâmbio entre um e outro. Em resumo, na teoria dos poros de Empédocles a percepção acontece quando há troca de efluentes. Se interpretada de um modo mais contemporâneo e tecnológico:

É uma teoria de dupla compatibilidade: o tamanho e o poder relativo dos poros e dos efluentes devem combinar para a ocorrência da troca. Fisicamente, é uma teoria de afinidades, que pode ser descrita em termos fisiológicos como conceito de dação e recepção de atenção recíproca. Economicamente, é uma teoria da extravagância. Em termos de heurística da mídia, que junta os aspectos mencionados, é muito adequada como teoria da interface perfeita (Zielinski, 2006, p.73-74).

A partir desta abordagem, a construção de qualquer interface se torna supérflua, pois as peles porosas são ubíquas e todas as coisas e pessoas receberam esse dom (Zielinski et. al., 2006, p.74). Demócrito13 é outro filósofo e estudioso da natureza que desenvolveu suas teorias na mesma época que Empédocles, na distante cidade de Abdera14. A teoria dos átomos de Demócrito concebe o mundo como composto de duas entidades opostas, mas complementares: a plenitude e o vazio. Para ele, a plenitude não é sólida, mas se compõe de diversas unidades menores que ele chamou de átomos.

Tão pequenos que o olho humano não consegue vê-los, os átomos são substâncias elementares, compostas do mesmo material, mas com uma quantidade infinita de tamanhos e formas diferentes. Como estão num estado de eterno movimento, precisam de espaço ou de “vácuo”. Como substâncias indivisíveis, os átomos são impenetráveis. Em seu perpétuo e aleatório

13 “Para o grego Demócrito (470-380 a.C.), filósofo da natureza, para a qual remete aliás a noção de

microcosmo, todas as imagens relacionadas com fenômenos, ideias ou pensamentos, são essências, concretas e materiais, cujas propriedades se podem transferir para o observador; segundo ele, a própria alma é formada por sutis átomos de fogo. A maior parte das correntes de pensamento místico oscila entre o dualismo essencial do espírito e da matéria e uma forma de monismo de cunho Demócrito” (Roob, 1997, p.21).

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movimento, colidem e se movem em diferentes direções. Tudo que existe está composto dessas formas multifárias em movimento, incluindo os órgãos sensoriais humanos (Zielinski, 2006, p.69). Para Zielinski (2006:70-74) Demócrito expande a teoria dos poros de Empédocles em duas frentes: primeiro introduzindo um meio ou vazio onde as diversas percepções devem surgir; em segundo, propondo um mediador concreto, na qual podemos perceber entre os órgãos e o que estes órgãos encontram nesta teoria, “os ídolos”. Os fluxos que emanam entre o que se percebe e o que é percebido são comprimidos pelo ar, que atua como uma interface, e mantém esta “troca” de forma equilibrada do começo ao fim. A percepção para Demócrito não é necessariamente verdadeira mas,

exatamente como as constelações de coisas que podem ser percebidas mudam constantemente através do movimento e das colisões incessantes, assim também fazem os órgãos da percepção. Não são uma realidade consistente e confiável, mas, em vez disso, estados em mudança permanente (Zielinski, 2006, p.72).

Na abordagem de Zielinski (2006:70) que estabeleceu esta conexão teórica que se adequa à realidade das interfaces contemporâneas, e que tomamos aqui como válida, Demócrito nos deu um meio, uma terceira quantidade na qual podemos contemplar os “ídolos”. Resta-nos imaginar a partir do que sabemos hoje, que no futuro mais interfaces artificiais serão criadas para transpor a brecha que Demócrito descobriu entre o ser e a aparência, como é o caso das telas touch screen ou telas sensíveis ao toque que têm produzido outros efeitos de sentido para o toque, a tatibilidade e o contato entre os corpos (Dias et. al., 2011, p.61).

No documento O corpo re-tocado (páginas 51-53)