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CAPÍTULO 1 – Tateando o campo de pesquisa

1.3 Aproximação com o campo

1.3.5 Outros espaços

Antes de iniciar o campo, participei de uma audiência pública para implementação da Política Municipal para a População Imigrante. As discussões nesta e em outras audiências foram importantes e culminaram na Lei Municipal nº 16.478, que foi sancionada pelo prefeito Fernando Haddad no dia 7 de julho de 2016. Na audiência pública, diferentes imigrantes mencionaram o que consideram importante para ser efetivado na política, por meio de ações concretas. Assim, pude notar o quanto cada imigrante tinha uma demanda particular, relacionada à sua história de vida, a seu trajeto como migrante, ao tipo de preconceito que sofreu ao chegar ao Brasil. Havia uma diferença evidente dos imigrantes negros, vindos da África e do Haiti, para os imigrantes da América do Sul, peruanos, bolivianos e chilenos, por

exemplo. A questão do racismo atravessa de forma mais incisiva as imigrantes e os imigrantes negros.

Já no segundo ano do mestrado, estive presente como ouvinte em uma roda de conversa na Escola Municipal de Saúde, que foi gravada ao vivo. Com a presença de imigrantes de diferentes nacionalidades, discutiu-se na reunião os sistemas de saúde dos diferentes países, assim como as noções de saúde, adoecimento, morte. Este encontro estava relacionado ao processo de Educação Permanente, cujo o objetivo era o de sensibilizar os profissionais de saúde para questões culturais e sociais relativas aos imigrantes e refugiados de diferentes nacionalidades. Trarei mais detalhes sobre a proposta da Política e do processo de Educação Permanente no próximo capítulo.

No final de 2016, tive a oportunidade de conhecer uma boliviana que se tornou uma importante interlocutora para este trabalho. Fomos apresentadas em uma das reuniões da coordenação da saúde aos imigrantes. Ela é pesquisadora, tem formação em psicologia e realiza trabalho voluntário no Centro de Apoio e Pastoral do Migrante – CAMI, instituição que acolhe e orienta imigrantes de diferentes lugares. Descreverei algumas conversas que tivemos sobre variados temas relacionados a essa população, que trouxeram importantes contribuições para este trabalho. Em meio às conversas e trocas, um dia ela me convida para entregar uns panfletos sobre a Marcha dos Imigrantes, mobilização política que aconteceria dali a alguns dias na avenida Paulista. Decidimos ir juntas distribuir os panfletos na Feira da Madrugada, no dia 21 de novembro de 2016. Esta feira se espalha por algumas ruas no bairro do Brás. O que se vende é roupa, principalmente. Panfletando e trocando algumas palavras com as pessoas que vendiam lá, percebi que havia imigrantes de diferentes lugares: peruanos, haitianos, africanos. E também brasileiros, nordestinos. As roupas são vendidas em lojas box nas galerias e nas ruas.

A circulação por esses espaços me permitiu ter um contato inicial e geral com a diversidade de questões relativas ao processo migratório internacional. E me possibilitou ouvir o que essas pessoas que chegam e tentam se estabelecer na cidade têm a dizer, do que necessitam, o que trazem como demanda não só relativa à saúde, mas também a outras áreas, como: transporte, lazer, assistência social, cultura, educação, etc.

No próximo capítulo, trarei com mais detalhes a circulação por espaços políticos e acadêmicos onde pude ter contato com imigrantes, pesquisadores,

gestores, etc. Irei discutir também os contextos de trabalho dessa população, que estão localizados predominantemente nas oficinas de costura, mas não só. Abordarei a relação entre o processo migratório internacional e as políticas relativas à saúde e ao trabalho, o grande incentivo por trás da migração boliviana recente para o Brasil. Pessoas que vêm motivadas pela melhoria nas condições econômicas, condições de vida.

No último capítulo, trarei com mais detalhes a minha experiência nos diferentes espaços de cuidado dentro do CSEBF, que foram: a sala de acolhimento, sala de saúde da família, reuniões entre equipe 60 da ESF e equipe de saúde mental, além da sala de psicologia. Tendo como referência o cuidado enquanto categoria analítica, pretendo analisar a interação entre os diferentes atores nesses espaços, suas ações, seus discursos. E também a minha relação com esses agentes e o modo como vou sendo afetada por essas diferentes experiências.

É importante ressaltar que a intenção deste trabalho é de uma aproximação com a proposta teórica e metodológica da antropologia, das ciências sociais e da saúde coletiva, a partir de alguns autores que, acredito, contribuem sensivelmente para a construção de um olhar mais problematizador e crítico sobre os discursos e as práticas em saúde. A pouca produção sobre processos migratórios internacionais na área da saúde coletiva também foi um fator motivador na exploração desta temática.

O CSEBF possui particularidades, que irão interferir diretamente na assistência aos diferentes grupos populacionais presentes em seu território. Essa diferença, em grande medida, está relacionada ao fato de que possui maior estrutura física e de recursos humanos, quando comparado a algumas Unidades Básicas de Saúde, por exemplo. Isso foi algo comentado diversas vezes, por diferentes profissionais. Em termos de quantidade de profissionais e especialidades, o centro se destaca e isso confere a este talvez uma vantagem no que diz respeito à qualidade da assistência. Com isso, quero dizer que não há como generalizar a experiência que tive neste serviço, associando-a a outros. Trata-se aqui de um território de atuação específico que guarda em si histórias, memórias e suas marcas culturais, composto por diferentes populações, necessidades e problemas de saúde.

Importante destacar que a predominância da prática biomédica na área da saúde teve atravessamentos constantes na minha experiência profissional, assim como na minha experiência de campo neste serviço. Há uma marca importante desta prática, que se dá de forma mais marcante, a meu ver, no contexto da atenção básica

em saúde. Minha tentativa, assim, será de refletir sobre o que observei na interação com os diferentes profissionais em diferentes espaços, a partir desta marca. Também não quer dizer que as ações de cuidado nesse serviço sejam pura e simplesmente biomédicas, pois há uma dimensão inevitável, que é a dimensão humana, do encontro, das trocas e do estabelecimento dos vínculos, que não se baseia em técnica, mas em troca humana.

CAPÍTULO 2 - PROCESSOS MIGRATÓRIOS INTERNACIONAIS: A