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Como mencionado, o instituto da indenização punitiva foi originalmente desenvolvido pelo sistema do common law, a começar pela Inglaterra, em 1763, seguida pelos Estados Unidos, onde a indenização punitiva mais se aprimorou.

Da mesma forma, em outros países que adotam o sistema do common law, como a Irlanda, a maior parte do Canadá (exceto Quebec), Austrália, Nova Zelândia, Índia (sistema misto com o hindu) e Hong Kong, a indenização punitiva é admitida.

281 Segundo Halbert, as cortes que já entenderam desse modo são de: Alaska, Califórnia, Connecticut, Illinois,

Austrália

O sistema jurídico da Austrália é bastante semelhante ao da Inglaterra. No que diz respeito à responsabilidade civil, referido país segue essencialmente o princípio da compensação e secundariamente as funções de prevenção e punição por meio da indenização282.

Aplica-se a indenização dissuasória (exemplary damages) em casos de danos intencionais ou decorrentes de conduta injuriosa ou desrespeito aos direitos de terceiros de forma contumaz.

Embora a lei australiana se espelhe no modelo inglês, o espectro de admissão da prestação dissuasória pela corte da Austrália é mais amplo que o do leading case da Inglaterra Rookes v. Barnard, de tal forma que é possível encontrar decisões condenando ao pagamento de indenização exemplificativa em casos envolvendo a invasão dolosa de propriedade, condução de veículo de forma irresponsável, agressão física, difamação, prisão indevida, entre outros muitos exemplos.

Em contraste, não é aceitável na hipótese de homicídio culposo (wrongful death) e ainda se o ofensor já houver sido condenado criminalmente pela sua conduta, considerando o princípio de que ninguém pode ser punido duas vezes pelo mesmo ato (non bis in idem ou double jeopardy).283

Adicionalmente, o critério da razoabilidade deve ser adotado para determinar o quantum indenizatório, exigindo, inclusive, a prova pelo ofendido da situação econômica do ofensor com o objetivo de se chegar a uma indenização justa284.

Como uma alternativa ao sistema de responsabilidade civil comum, a Austrália possui um método de compensação por danos independentemente de culpa pelo qual a cobertura compreende compensação por acidente de trânsito, pagamento aos trabalhadores por acidente de trabalho, compensação por lesões no esporte, seguridade social e médica.

Trata-se de uma espécie de seguro obrigatório que os australianos devem fazer, tanto para a seguridade social, como no caso de proprietários de veículos, empregadores etc., assim como ocorre no Brasil e em outros países.

Destaca-se que o valor a ser pago pelo método de compensação australiano é limitado, sendo cabível ajuizar ação de reparação civil no sentido de obter a reparação integral do dano,

282 TRINDADE, F.; CANE, P. The law of torts in Australia. 2nd ed. Oxford, 1985, p. 2-4. 283 Watts v. Leitch (1973), Corte da Tazmânia.

284 Nesse sentido, o laudo Pollack v. Volpato (1973) concluiu que em uma ação de invasão de propriedade se a

podendo inclusive pleitear-se a indenização dissuasória, já que também não é coberta por tal sistema.

Ademais, a lei australiana prevê a possibilidade de pagamento por morte ou danos causados a vítimas de crime pelo próprio governo. A corte considera, em tais casos, o valor que seria devido conforme a regra geral da responsabilidade civil, mas desconsidera a possibilidade de se obter prestação dissuasória. Novamente, o direito de buscar a reparação por responsabilidade civil por parte da vítima de crime ou seus sucessores não preclui em razão do sistema de compensação do governo.

Embora o método de compensação ou espécie de seguro obrigatório para determinados danos tenha seu mérito285, não tem o objetivo punitivo ou preventivo que possuem os exemplary damages. Portanto, a menos que a lei especificamente exclua a indenização dissuasória, a ação de reparação civil que requer referida indenização é cabível, principalmente nos casos em que ficar evidente a conduta dolosa, maliciosa ou ultrajante do ofensor.

Nova Zelândia

Assim como a Austrália, a Nova Zelândia foi bastante influenciada pela Inglaterra no que se refere ao sistema jurídico. Entretanto, o sistema de responsabilidade civil é diferenciado, isso porque existe uma lei prevendo as regras para indenizar as vítimas de acidentes, chamada de Accident Compensation Act, de 1972, que visa a proteger todas as pessoas que sofrem lesões pessoais por acidente, entre outras hipóteses286.

A lei visa a minimizar as ações de reparação civil por danos, estabelecendo um sistema de prevenção, compensação e reabilitação, tendo como principais objetivos: a promoção da segurança em todas as fases da vida; a reabilitação dos lesados; e a imediata e justa compensação pelos prejuízos sofridos287. Ademais, a questão da culpa é irrelevante para a lei.

Ao mesmo tempo, a ação judicial se apresenta como uma alternativa mais morosa e cara que o método administrativo, além de ter um resultado imprevisível. Contudo, a lei impedia a obtenção de indenização punitiva por danos pessoais.

285 O sistema adotado pela Austrália tem caráter de coletivização dos riscos, que é uma tendência adotada por

alguns países, inclusive o Brasil com seu seguro obrigatório para condução de veículos automotores, o seguro de acidentes pagos pelos empregadores aos empregados e o seguro social.

286 Disponível em: <http://www.acc.co.nz/about-acc/legal/legislation/the-accident-compensation-act-1972-

repealed/index.htm>. Último acesso em: 16 jan. 2012.

Posteriormente, a Lei de Seguro de Acidentes de 1998 (Accident Insurance Act 1998) permitiu a aplicação de prestação dissuasória, mudando o cenário da matéria naquele país288.

Existem poucos casos envolvendo indenização punitiva na Nova Zelândia. Assim, ainda que exista divergência se a autoridade britânica é obrigatória naquele país, sugere-se que, na ausência de jurisprudência desenvolvida sobre o assunto, os precedentes ingleses sejam utilizados como instrumento de convencimento (“argumento de autoridade”) pelas autoridades neozelandesas.

Canadá

Até recentemente, a lei do Canadá foi bastante influenciada pela Inglaterra, com exceção da província de Quebec289. As decisões do Parlamento britânico não são obrigatórias no Canadá desde 1982, conforme o Canada Act.

Admite-se a aplicação de exemplary damages, também conhecidos como indenização punitiva, vingativa, pena privada ou retributiva, em casos envolvendo responsabilidade civil290 sempre que a conduta do ofensor for dolosa, maliciosa, cruel, deliberada ou fraudulenta. Todavia, não se permite quando a sua atitude for praticada com boa-fé ou meramente culposa ou negligente, sem caráter irresponsável.

Excepcionalmente, a Suprema Corte do Canadá admitiu indenização dissuasória pela quebra contratual, sem necessidade de ato ilícito independente291, contrariando os precedentes

288 “Section 396. Exemplary damages – (1) Nothing in this Act, and no rule of law, prevents any person from

bringing proceedings in any court in New Zealand for exemplary damages for conduct by the defendant that has resulted in: (a) Personal injury covered by this Act; or (b) Personal injury covered by the former Acts. (2) The court may make an award of exemplary damages for conduct of the kind described in subsection (1) even though- (a) The defendant has been charged with, and acquitted or convicted of, an offence involving the conduct concerned in the claim for exemplary damages; or (b) The defendant has been charged with such an offence, and has been discharged without conviction under section 19 of the Criminal Justice Act 1985 or convicted and discharged under section 20 of that Act; or (c) The defendant has been charged with such an offence and, at the time at which the court is making its decision on the claim for exemplary damages, the charge has not been dealt with; or (d) The defendant has not, at the time at which the court is making its decision on the claim for exemplary damages, been charged with such an offence; or (e) The limitation period for bringing a charge for such an offence has expired. (3) In determining whether to award exemplary damages and, if they are to be awarded, the amount of them, the court may have regard to- (a) Whether a penalty has been imposed on the defendant for an offence involving the conduct concerned in the claim for exemplary damages; and (b) If so, the nature of the penalty.” (Disponível em: <http://www.acc.co.nz/about-acc/legal/legislation/index.htm>).

289 ZEIGERT, K.; KÖTZ, H. Introduction to comparative law. 3rd ed., p. 223-224.

290 Os casos encontrados na jurisprudência canadense são relativos à difamação, agressão física, invasão de

propriedade, falta de dever de cuidado, quebra de direito autoral, abuso de processo legal. Nesse sentido, ver:

Ross v. Lamport (1956); Moore v. Slater (1979); Schwartz v. Heisler (1921); Culp v. Township of East York (1957); Williams v. Settle (1960); Flame Bar-B-Q Ltd. v. Hoar (1979).

anteriores292, porém considerando que os fatos do referido caso eram excepcionais e que os remédios eram inadequados para deter o réu.

A indenização punitiva é decidida pelo júri, mas sua aplicação pode ser afastada pelo magistrado, diferentemente dos EUA, onde o juiz só tem o poder decidir o valor. A corte decide o valor da indenização tendo como base o valor total da compensação acrescido da indenização punitiva, levando em conta a situação financeira do réu, se o autor concorreu para o resultado e, ainda, o comportamento do réu após a lesão293.

Ademais, o valor deve ser proporcional, considerando a intenção e motivo do réu, se a conduta se perpetuou no tempo, se o réu tentou encobertar a sua falha, a consciência pelo ofensor de que a conduta era reprovável, a intenção de lucro, e se o interesse violado era insubstituível e profundamente pessoal do lesado. Ou seja, a decisão deve ser proporcional ao prejuízo e à potencialidade do dano especificamente causado pelo réu294.

Em razão da estreita ligação comercial com os EUA, o país acaba sendo influenciado pelas decisões americanas, especialmente no que diz respeito à indenização punitiva, como é o caso do julgado Whiten v. Pilot Insurance Co., em que a Suprema Corte canadense faz menção aos precedentes da Suprema Corte americana para decidir sobre a manutenção da indenização punitiva no valor de um milhão de dólares canadenses pela quebra contratual, tendo em vista tratar-se de conduta extremamente repreensível da seguradora em relação ao seu cliente.

A Suprema Corte do Canadá inovou na decisão em tela afirmando que, em determinadas hipóteses, a indenização punitiva não precisa ser especificamente pleiteada pelo autor, podendo ser considerado no pedido de geral de reparação de danos. No mesmo precedente, indica que as funções dos danos punitivos são de dissuasão, punição e repreensão pública.

Índia

Como ensina Zweigert e Kötz, o sistema jurídico da Índia, em razão da colonização britânica, segue os preceitos do common law, ou seja, considera a observação dos precedentes obrigatória, a liberdade de atuação do magistrado em seus julgamentos, a importância dos procedimentos nos remédios legais, bem como a função do advogado nos processos. Apesar da diversidade de raça, religião, idioma e civilização entre o povo indiano, há relativa

292 Wallace v. United Grain Growers Ltd. (1997); Vorvis v. Insurance Corp. of British Columbia (1989). 293 WADDAMS, S. The law of damages. 2nd ed. Canada Law Books, 1983, p. 1008-15.

homogeneidade no sistema legal do país, sendo o common law uma das mais importantes contribuições da colonização para a integração da Índia295.

Nesse país, a indenização punitiva ou dissuasória é admitida como punição ou compensação adicional pelo prejuízo suportado pela vítima aos seus sentimentos ou dignidade296, isto é, o que consideramos no Brasil como danos morais.

De forma geral, ocorre por culpa do réu, em situações em que fica evidente o dolo ou a irresponsabilidade da sua conduta, mas somente se o ofensor precisar ser punido, como na ocorrência de fraude, violência, crueldade ou quando restar demonstrado o absoluto desrespeito pelo direito alheio.

Somente é aplicável por ato ilícito amparado pela responsabilidade civil, motivo pelo qual não é cabível em ações por mera quebra de contrato.

A indenização adicional é determinada pelo júri, mas pode ser afastada ou revisada pelo juiz, sendo para tanto necessária a condenação em danos efetivos para se obter a prestação dissuasória.

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