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Limites à Indenização Punitiva DOUTORADO EM DIREITO CIVIL COMPARADO

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Roberta Corrêa Gouveia

Limites à Indenização Punitiva

DOUTORADO EM DIREITO CIVIL COMPARADO

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC/SP

Roberta Corrêa Gouveia

Limites à Indenização Punitiva

DOUTORADO EM DIREITO CIVIL COMPARADO

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutora em Direito Civil Comparado, sob a orientação do Professor Doutor Cláudio Finkelstein.

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Banca Examinadora:

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Agradecimentos:

Aos meus irmãos, Leo e Lorena, pela amizade e torcida.

Ao meu marido, Renato, pelo amor, companheirismo e felicidade do dia-a-dia.

Ao meu orientador, Professor Cláudio Finkelstein, por todos os ensinamentos desde o mestrado, auxílio e, principalmente, por sua amizade generosa.

Ao amigo Rui por toda a ajuda durante o curso.

Ao CNPQ pela oportunidade e contínua contribuição à pesquisa no Brasil.

À Fordham University, na pessoa da Professora Toni Fine, por ter me recebido como pesquisadora.

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RESUMO

A tese aborda a possibilidade de fixação de limites que devem ser previstos em lei para que a indenização punitiva seja viável no direito brasileiro. O interesse em propor parâmetros surgiu a partir da análise da jurisprudência nacional que vem aplicando os elementos caracterizadores do instituto, como a gravidade da conduta e a situação financeira privilegiada do ofensor, para justificar o valor da condenação em danos morais, respaldada na sua própria natureza jurídica, mas sem critérios claramente definidos. Por meio de estudo comparativo, verificou-se que o instituto dos punitive damages é aplicado nos países que seguem o common law como um valor pecuniário que o lesado recebe do réu além da indenização pelo dano efetivo sofrido, de maneira geral por ato ilícito cometido com dolo ou culpa grave do ofensor. A adoção de uma indenização sancionatória civil pelo ordenamento jurídico brasileiro não ofenderia as garantias constitucionais, bem como afastaria a alegação de enriquecimento sem causa da vítima, equivalendo à restauração da paz interior e da justiça subtraídas dela e da sociedade pela conduta danosa do agente. Ademais das sanções penais e administrativas, a sociedade brasileira deve dispor de novo instrumento punitivo, vez que a responsabilidade civil possui função meramente reparatória ou compensatória, se mostrando ineficiente como forma de repressão e prevenção de comportamentos ilícitos do causador do dano e da sociedade como um todo. Entre os limites propostos à indenização punitiva, sugere-se como critério subjetivo que a conduta do causador do dano seja efetivamente grave, configurando dolo ou culpa grave. Os limites objetivos constituem-se na condenação concomitante em danos efetivos, circunstâncias concretas do caso, situação financeira das partes e eventual lucro obtido a partir do evento danoso. O valor da indenização sancionatória deveria ser atribuído ao lesado e a um fundo público, sendo que o percentual dependeria de previsão legal, de acordo com o caso concreto.

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ABSTRACT

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RESUMEN

La tesis aborda la posibilidad de establecimiento de límites que deben ser previstos en ley a fin de que la indemnización punitiva sea factible en lo derecho brasileño. El empeño en proponer parámetros surgió desde el análisis de la jurisprudencia nacional que viene aplicando elementos caracterizadores del instituto, como la gravedad de la conducta y la riqueza del causador del daño para justificar el valor de la condenación en daños non materiales embasada en la propia naturaleza jurídica del daño, mas sin criterios claramente definidos. Través del estudio comparativo del derecho observamos que el instituto de los

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 09

1 RESPONSABILIDADE CIVIL ... 12

1.1 CONCEITO E CLASSIFICAÇÃO ... 12

1.2 REQUISITOS ... 15

1.2.1 Dano ... 17

1.2.2 Nexo causal ... 27

1.2.3 Culpa ... 29

2 ESTUDO COMPARATIVO DA INDENIZAÇÃO PUNITIVA ... 32

2.1 ASPECTOS HISTÓRICOS ... 32

2.2 CONCEITO, NATUREZA E OBJETIVO ... 34

2.3 A EXPERIÊNCIA NORTE-AMERICANA ... 36

2.4 OUTROS PAÍSES DO COMMON LAW ... 74

2.5 ALGUNS PAÍSES DO SISTEMA ROMANO-GERMÂNICO ... 79

3 LIMITES À INDENIZAÇÃO PUNITIVA ... 91

3.1 LIMITES À RESPONSABILIDADE CIVIL ... 91

3.2 LIMITES À INDENIZAÇÃO PUNITIVA ... 103

CONCLUSÃO ... 115

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INTRODUÇÃO

A reparação civil no Brasil é uma garantia fundamental, conforme o art. 5º, incisos V e X, da Constituição Federal de 19881. Como regra, o Código Civil prevê que a responsabilidade civil privada no Brasil é subjetiva, ou seja, depende da comprovação de culpa do ofensor para que seja imposta.

Por outro lado, a responsabilidade civil pública, que inclui o Estado e as empresas que o representarem, também prevista no texto constitucional em seu art. 37, § 6º2, é de caráter objetivo, isto é, independe de culpa, mas é assegurado o direito de regresso.

O Brasil segue o princípio da reparação integral, pelo qual se busca reparar a vítima dos prejuízos sofridos. Entretanto, somente aqueles efetivamente comprovados e, dependendo do caso, os lucros cessantes, ou o que a vítima deixou de ganhar em razão do incidente. Não se admite a aplicação de indenização punitiva ou preventiva em nosso ordenamento jurídico. Contudo, existem projetos de lei com o intuito de positivar o que a jurisprudência vem aplicando veladamente, em especial nos casos envolvendo danos morais, como será observado no Capítulo I da presente tese.

De forma geral, os países que seguem o sistema do common law aplicam os punitive damages em contraste com os países do sistema romano-germânico que, em sua maioria, não aplicam tal instituto, pelo menos expressamente.

Para entender os motivos que levam países como os Estados Unidos, Inglaterra, Canadá, entre outros, a admitirem tal instituto há tantos anos e de que forma são aplicados em seu cotidiano, bem como a viabilidade de admiti-lo nacionalmente, é que se debruçou sobre o assunto. Todavia, cumpre notar que a aplicação da indenização punitiva é apenas uma entre muitas outras diferenças que existem entre os sistemas do common law e civil law.

De início, as principais diferenças entre o sistema romano-germânico e o common law

são: a fonte do direito, o papel do juiz e a própria natureza do processo civil.

No common law, a fonte primária de direito é o precedente judicial, segundo a teoria

stare decisis3. Embora as leis também sejam consideradas fontes de direito, tais diplomas,

1“Art. 5º: [...] V é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano

material, moral ou à imagem; [...] X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.”

2“Art. 37. [...] § 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços

públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito

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diferentemente do sistema romano germânico, trazem somente os princípios e não regras minuciosas, enquanto no civil law a fonte primária é a legislação codificada4.

Um juiz do sistema romano-germânico necessariamente aplica a lei ao caso concreto, devendo citar pelo menos uma previsão legal que tenha servido como base para sua decisão e, dependendo da jurisdição, a decisão pode se tornar obrigatória para casos futuros, como é o caso da súmula vinculante prevista na Constituição Federal brasileira.

A natureza do processo civil também é distinta, pois, ao invés do julgamento por um júri como realizado, em regra, no common law, no civil law, em regra, os julgamentos são feitos pelos juízes após diversas audiências. Ademais, a prova documental tem maior peso que a testemunhal tem para o common law.

Ainda em relação às diferenças entre os dois sistemas, cumpre notar que a terminologia também é uma delas. No civil law, não existe equivalente ao termo tort utilizado no common law.

O civil law classifica o direito como público ou privado. O direito das obrigações integra o direito privado. Em sentido estrito, o termo “obrigação” produz certos direitos e deveres. Entretanto, o termo era originalmente usado para denotar a completa relação entre as partes. De acordo com o direito romano, as obrigações consistem em contratos, “quase- contratos”, delitos ou “quase-delitos”.

Delitos ou “quase-delitos” são o paralelo do civil law aos torts do common law. O delito seria um ato ilegal ou ilícito cometido com a intenção de prejudicar, correspondendo ao

intentional tort do regime do common law. Quase-delito seria um ato ilegal e ilícito cometido sem a intenção de prejudicar, que corresponderia a um ato de negligência para o common law. Se a lesão for cometida por culpa (intencional ou negligente) do ofensor, ele deverá reparar o prejuízo.

Além disso, a terminologia punitive damages, muitas vezes traduzida para o português como “danos punitivos”, não reflete exatamente o seu significado. Isso porque o termo em inglês damages5 quer dizer indenização ou a reparação efetivamente concedida e não danos, como se costuma livremente traduzir para o português.

3“Policy of courts to stand by precedent and not to disturb settled point. Doctrine that when court has once laid

down a principle of law as applicable to a certain state of facts, it will adhere to that principle, and apply it to all

future cases, where facts are substantially the same; regardless of whether the parties and property are the same.”

(BLACK, H. C. et al. Black’s law dictionary: definitions of the terms and phrases of American and English jurisprudence, ancient and modern. 6th ed. West, 1991, p. 978).

4 SCHLUETER, L. L. Punitive damages. 6th ed. 2010, p. 949-950.

5 BLACK, H. C. et al. Black’s law dictionary: definitions of the terms and phrases of American and English

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Assim, na presente tese prefere-se utilizar o termo “indenização punitiva”, em vez de “danos punitivos”. Embora, para evitar tantas repetições, a última expressão também poderá ser utilizada, com a referida ressalva.

O objetivo aqui é contribuir para a reflexão do tema, a partir de um estudo da atual aplicação da indenização punitiva nos países em que ela é admitida. É preciso rever nossos conceitos, mas sem rompê-los totalmente, buscando aprender com erros daqueles que possuem experiência na matéria, a fim de impedir os efeitos nocivos do instituto, como a securitização excessiva, como ocorre nos EUA, por exemplo, bem como o aumento dos custos para o consumidor, que no caso do Brasil já é sobrecarregado pelos impostos aqui cobrados.

Entende-se que a dificuldade em comprovar a culpa e o dolo muitas vezes impede que as vítimas de um dano sejam verdadeiramente satisfeitas. Por essa razão, acredita-se que, para o cálculo do valor indenizatório, mais do que a intenção deve ser considerada a conduta do ofensor em relação ao dano, o seu patrimônio e o lucro obtido com a ofensa.

O argumento do enriquecimento ilícito para vedar a indenização punitiva não deve prosperar, pois, segundo o princípio da equidade, deve-se buscar a justiça e o equilíbrio entre as partes. Defende-se que a responsabilidade civil, além das funções reparatória ou compensatória como prevê a legislação pátria, deveria ter um escopo preventivo e punitivo6, uma vez que a sanção civil punitiva, ao lado da penal e administrativa, não ofende as garantias constitucionais. Pelo contrário, seria mais um instrumento eficaz de satisfazer o lesado e, ao mesmo tempo, impedir que o ofensor volte a cometer o mesmo dano.

Não se pretende simplesmente importar a indenização punitiva do sistema anglo-saxônico para o nosso ordenamento jurídico, porém desenvolver um modelo de responsabilidade civil punitiva e preventiva que funcione para a nossa realidade, a partir do estudo comparativo.

Nesse sentido, acredita-se que, para que a indenização punitiva seja viável no contexto brasileiro, deveria haver limites. Não se trata de tarifação do dano, mas de critérios objetivos e subjetivos para a sua avaliação e fixação de uma indenização justa e motivada.

Limites utilizados pela teoria geral da responsabilidade civil, bem como a possibilidade de dividir a indenização entre o lesado e um fundo criado com o fim específico de prevenir futuras condutas lesivas da mesma natureza, seriam alguns instrumentos que poderiam auxiliar no desenvolvimento do instituto em nosso país.

6 Nesse sentido, o Projeto de Lei do Senado nº 413/2007 acrescenta parágrafo ao art. 944 do Código Civil, para

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1 RESPONSABILIDADE CIVIL

1.1 CONCEITO E CLASSIFICAÇÃO

Responsabilidade é a obrigação de responder pelas ações próprias ou de terceiros7. Afeta a quase todos os domínios da vida social, não sendo qualidade exclusiva da vida jurídica, pois toda atividade humana traz em si a questão da responsabilidade.

No universo jurídico, a responsabilidade tem origem no latim spondeo, obrigação de natureza contratual pela qual se vinculava o devedor ao credor nos contratos verbais desde o direito romano8.

A responsabilidade possui grande relevância, especialmente para aspectos jurídicos, já que o desejo de justiça é da natureza humana e desde a antiguidade há registros da tentativa de se determinar uma vingança privada9.

De maneira geral, a responsabilidade jurídica pode ser classificada como responsabilidade criminal, tributária, administrativa, trabalhista e civil.

A responsabilidade civil é definida como um conjunto de regras que obrigam o autor de um dano causado a outrem a reparar o prejuízo oferecendo à vítima uma compensação10. Em outras palavras, responsabilidade civil é a obrigação de indenizar pelo fato danoso11.

Quanto à sua origem, desde o Direito Romano classifica-se a responsabilidade civil como contratual e extracontratual12.

Para parte da doutrina, a responsabilidade contratual seria o dever de indenizar o dano causado decorrente do inadimplemento de obrigação negocial, enquanto que a responsabilidade extracontratual corresponde à obrigação de indenizar o dano causado surgido da lesão a direito subjetivo, sem que entre o ofensor e a vítima preexista qualquer

7 HOUAISS, A.; VILLAR, M. de S. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001,

p. 2.440.

8 DIAS, J. de A. Da responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 2.

9 LIMONGI FRANÇA, R. Enciclopédia Saraiva de direito. São Paulo: Saraiva, 1977, v. 72, p. 39. 10 VINEY, G. Traité de droit civil: introduction à la responsabilité. 3. ed. Paris: LGDJ, 2007, p. 1.

11 A obrigação de indenizar decorre da lei e o fato danoso que gera essa obrigação se configura como ato ilícito.

(GOMES, O. Obrigações. Rio de Janeiro: Forense, 1994, p. 255).

12 AZEVEDO, Á. V. Teoria geral das obrigações e responsabilidade civil. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p.

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relação jurídica13. Referido posicionamento será chamado na presente tese de classificação ampla da responsabilidade civil.

Para essa classificação, embora nas duas espécies de responsabilidade a lei imponha ao autor do dano a obrigação de indenizar, diferem-se quanto ao fundamento, à razão de ser, ao ônus da prova, entre outros14.

Por outro lado, há entendimento que a responsabilidade civil seria o dever de indenizar não decorrente de inadimplemento contratual, dividindo-a como contratual ou extracontratual apenas por existir ou não uma relação contratual prévia entre as partes15. Ilustrativamente, o erro profissional se enquadraria na responsabilidade civil contratual e o acidente de trânsito na responsabilidade civil extracontratual. Tal entendimento será tratado como classificação restrita da responsabilidade civil.

Há, ainda, quem defenda que “a responsabilidade contratual em paralelo com a responsabilidade extracontratual está sujeita aos mesmos extremos desta: a contrariedade à norma, o dano, a relação de causalidade entre uma e outra. Ontologicamente, portanto, as duas modalidades confundem-se e se identificam nos seus efeitos”16.

Para referida corrente monista existe uma simbiose entre os dois tipos de responsabilidade, pois as regras legais aplicáveis à responsabilidade contratual também seriam aplicáveis à responsabilidade extracontratual17.

A teoria monista igualmente pode ser encontrada em parte da jurisprudência, como é o caso do Superior Tribunal de Justiça que considerou em alguns acórdãos isolados que o prazo prescricional para a indenização contratual seria de três anos, equiparando o descumprimento contratual a um ato ilícito, denominando-o ilícito contratual18.

Em contraste, a teoria dualista até hoje vem sendo acolhida pelo sistema legal dos países em geral, inclusive o Brasil, que prevê no Código Civil capítulos separados para inadimplemento das obrigações (art. 389 a 420) e a responsabilidade civil (art. 927 a 954).

O Código Civil francês prevê em seus arts. 1.146 a 1.155 a responsabilidade civil contratual, chamada Des dommages et intérêts résultant de l'inexécution de l'obligation (dos danos e interesses resultantes da inexecução da obrigação), ao passo que nos arts. 1.382 a

13 GOMES, O. Obrigações. Rio de Janeiro: Forense, 1994, p. 278.

14“Quem, voluntariamente, não cumpre obrigação oriunda de contrato, infringe, de modo evidente, a norma que

impõe o adimplemento sob certas penas, inclusive a de indenizar o credor pelo dano causado, mas essa infração não é ato ilícito stricto sensu”. (GOMES, O. Obrigações. Rio de Janeiro: Forense, 1994, p. 257).

15 COELHO, F.U. Curso de Direito Civil: obrigações; responsabilidade civil, volume 2. 3.ed. São Paulo: Saraiva,

2009, p.253.

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1.386, traz a responsabilidade civil extracontratual, no capítulo chamado Des délits et des quasi-délits (dos delitos ou quase-delitos)19.

Da mesma forma, o Código Civil italiano também adota o modelo dualista, pois dispõe em seus arts. 1.218 a 1.229 o dever de indenizar decorrente de obrigação contratual e nos arts. 2.043 e 2.059 a obrigação de indenizar por ato ilícito20.

O Código Civil português igualmente apresenta a referida divisão. Os arts. 483 a 510 dispõem sobre a responsabilidade por fatos ilícitos. Porém, o não cumprimento das obrigações está prevista nos arts. 790 a 836.

Para confirmar tal posicionamento dualista no contexto brasileiro, destaca-se a questão da responsabilidade solidária. Como regra geral, existe solidariedade na responsabilidade civil, conforme se extrai do art. 942, caput e parágrafo único do Código Civil. Por outro lado, na relação contratual a solidariedade não se presume, pois decorre da lei ou da vontade das partes, como disposto no art. 265 da mesma lei.

A contagem dos juros de mora também tem tratamento diferenciado no Código Civil, pois em relação à responsabilidade contratual o início é a partir da citação do início processual, nos termos do art. 405, porém, quanto à responsabilidade civil, a contagem se inicia a partir da prática do ato danoso, como previsto no art. 398.

Ademais, o Código Civil distingue o prazo prescricional do pedido de indenização contratual (dez anos), conforme a regra geral do art. 205, em relação ao da reparação civil (três anos), nos termos do art. 206, § 3°, V.

Por sua vez, a quebra de contrato dá origem ao pedido de perdas e danos, juros e atualização monetária21, a fim de que seja reestabelecido o equilíbrio entre as partes.

Nos contratos deve prevalecer a autonomia da vontade tanto na contratação quanto no seu cumprimento, existindo uma relação de confiança e visando ao equilíbrio entre as partes, sendo esses seus princípios basilares.

A natureza da obrigação também é distinta porque, na responsabilidade civil, existe um dever legalmente imposto a toda a sociedade, enquanto nos contratos a obrigação existente vincula somente as partes específicas. Portanto, em caso de descumprimento o grau de repreensão é menor, porque não precisa servir de exemplo para todos.

Além disso, o cálculo da indenização por quebra contratual considera os próprios termos do contrato, não incluindo matérias intangíveis, enquanto na responsabilidade civil,

19 www.legifrance.gouv.fr (último acesso em: 25 maio 2011).

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além do dano efetivo, tem que ser observada a dor, a angústia ou o sofrimento da vítima para se chegar a um valor justo.

Com todo respeito ao entendimento contrário, até porque não há classificação certa ou errada, acredita-se que atualmente a divisão da responsabilidade civil em contratual ou extracontratual (classificação ampla ou restrita) tem pouca importância prática, vez que no sistema legal brasileiro o inadimplemento contratual e a responsabilidade civil possuem regras próprias e distintas.

1.2 REQUISITOS

Tradicionalmente, os pressupostos ou requisitos da responsabilidade civil são a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre eles22.

Entretanto, dos requisitos necessários para a caracterização da responsabilidade civil, sem dúvida, o dano exerce papel mais importante, sendo considerado um pressuposto essencial23. Por outro lado, a conduta culposa, que já ocupou um papel fundamental para a responsabilidade civil, mostra-se cada vez mais dispensável diante das mudanças de ponto de vista quanto à responsabilização.

Assim, pode-se afirmar que os requisitos essenciais são o dano e o nexo de causalidade. A culpa é requisito “acidental”, ou seja, somente necessário nos casos de responsabilidade subjetiva.

O Código Civil de 2002 apontou importante diferença em relação ao seu antecessor, isso porque o Código de 1916 previa em seu art. 159 que “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem fica obrigado a reparar o dano”.

Pela literalidade de tal previsão poder-se-ia interpretar que havia a possibilidade de reparação do dano pela simples violação de direito, nos termos do art. 159, ou seja, bastando a conduta.

22 ALVIM, A. Da inexecução das obrigações e suas consequências. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1965, p. 178. 23Como já ensinava Agostinho Alvim, “o primeiro requisito ou pressuposto do dever de indenizar é o dano”

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Por outro lado, o Código de 2002 alterou a estrutura do ato ilícito, que passou a ser a soma da lesão a um direito e o cometimento de um dano24, dispondo em seu art. 186 que “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.

O art. 187 do mesmo Código traz ainda a figura do abuso de direito como hipótese de ato ilícito equiparado, pois prevê que “também comete ato ilícito o titular de um direito que ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.

“Ato ilícito é a ação, ou a omissão culposa, pela qual, lesando alguém direito absoluto de outrem ou determinados interesses especialmente protegidos, fica obrigado a reparar o dano causado. (...) um comportamento antijurídico de efeitos previstos em lei, uma reação da ordem jurídica contra os que violam normas de tutela de direitos existentes independentemente de qualquer relação jurídica anteriormente existente entre o agente e a vítima.”25

De acordo com Caio Mario Pereira da Silva, “ato ilícito importa na violação do ordenamento jurídico”26, e no mesmo sentido entende Sergio Cavalieri Filho que ato ilícito é

“o ato voluntário e consciente do ser humano que transgride um dever jurídico”27.

Embora o conceito doutrinário de ato ilícito não tenha mudado28, para efeito de responsabilidade civil a nova codificação deixa claro que a obrigação de indenizar somente ocorrerá se houver ato ilícito ou fato jurídico mais dano, como se observa do art. 927 (caput e parágrafo único), que remete aos arts. 186 e 187 do Código Civil de 2002.

Logo, o dano é um dos elementos essenciais da responsabilidade civil, sem o qual não há obrigação de reparação, porque nem sempre que se viola ou excede um direito existe um dano efetivo.

Nesse aspecto, a responsabilidade civil distingue-se da responsabilidade penal, pois é possível a caracterização de um crime sem prejuízo efetivo, pelo simples ato ilícito, como é o caso dos crimes de mera conduta, porém a responsabilidade civil depende de um prejuízo material ou imaterial.

24 TARTUCE, F. Direito civil. v. 2. Direito das obrigações e responsabilidade civil. 5. ed. Rio de Janeiro:

Forense/São Paulo: Método, 2010, p. 320-323.

25 GOMES, O. Obrigações. Rio de Janeiro: Forense, 1994, p. 257.

26 PEREIRA, C. M. da S. Instituições de direito civil. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2001, v. 1, p. 416. 27 CAVALIERI FILHO, S. Programa de responsabilidade civil. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 22.

28 Fernando de Sandy Lopes Pessoa Jorge entende que ato ilícito é algo de contrário ao direito e antijuridicidade

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1.2.1 Dano

Dano é a lesão a um bem jurídico de natureza patrimonial ou não. Dano material é aquele praticado contra bens físicos, tangíveis, sendo por essa razão mais fácil a sua avaliação. Por outro lado, dano não patrimonial é aquele que atinge bens intangíveis, como no caso das lesões à personalidade ou à liberdade, sendo, por essa razão, chamado de dano moral ou imaterial, conforme sua natureza29.

José Aguiar Dias entende que a distinção entre dano patrimonial e dano moral não decorre da natureza do direito, mas do efeito da lesão, ou seja, da sua repercussão sobre o lesado30.

Destaca-se que o Código Civil de 2002 consagrou a possibilidade do dano moral puro, em seu art. 186. Tal disposição não representou novidade em nosso ordenamento jurídico, pois já havia previsão expressa na Constituição Federal de 1988, no art. 5º, V e X, mas de qualquer maneira foi importante a menção expressa, pois manteve coerência com o texto constitucional no sentido de valorizar a dignidade humana e os direitos personalíssimos, ao passo que o Código de 1916 era essencialmente patrimonialista.

O dano é um pressuposto objetivo do dever de indenizar, isto é, não se pode reparar o dano eventual ou hipotético31. Dessa forma, é necessário prová-lo, principalmente o dano material.

Em alguns casos, o dano pode ser presumido ou in re ipsa como, por exemplo, o dano moral pela morte de um ascendente32 ou descendente ou ainda pela inscrição de pessoa idônea em cadastro de inadimplente33.

29 CAVALIERI FILHO, S. Programa de responsabilidade civil. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 73. 30 DIAS, J. de A. Da responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 729.

31 Para ilustrar o assunto veja-se, por exemplo, a ementa do julgado do TJMG, a seguir: AC 18015 MS

2005.018015, Relator Des. Rubens Bergonzi Bossay, 3ª Turma Cível, julgado em 30/01/06 - “Embora tenha restado comprovada a culpa dos advogados na produção do evento danoso, visto que agiram negligentemente na prestação do serviço, não podem ser condenados ao pagamento de indenização por danos materiais, uma vez que, por não ter a ação sido julgada pelo Poder Judiciário, fica impossibilitada a aferição da extensão do dano. A indenização por danos materiais decorre do efetivo prejuízo, e não do dano hipotético, sendo indispensável a demonstração do quantitativo do dano para que ocorra o dever de ressarcimento” (grifo nosso).

32 Da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça veja-se julgado que enfrentou a questão do dano moral

presumido pela morte de ascendente: “É presumível a ocorrência de dano moral aos filhos pelo falecimento de seus pais” (REsp n.º 330.288/SP, Rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, DJU de 26/08/2002).

33 STJ AgRg no REsp 992422 DF 2006/0258768-2, Rel Min. Vasco Della Giustina (desembargador convidado

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A prova do dano inclui a existência e a sua extensão para efeito do cálculo do valor indenizatório, nos termos do art. 944 do Código Civil.

Nosso ordenamento jurídico segue o princípio da reparação integral dos danos, que tem a sua origem no restitutio in integrum do Direito Romano, pelo qual a vítima do evento danoso tem direito a uma indenização por todos os prejuízos sofridos.

Considera-se dano indenizável aquele positivado, ou seja, o dano efetivo e o lucro cessante34. Interessante notar que, em relação ao lucro cessante, não basta a mera possibilidade, mas também não é necessária a certeza absoluta35, diferentemente do que ocorre em relação ao dano emergente, que não pode ser futuro, eventual ou hipotético como acima mencionado.

Em relação aos critérios para se aferir os lucros cessantes, o legislador brasileiro não trouxe grande alteração ao que já existia no Código de 1916 e manteve que “as perdas e danos incluem o que razoavelmente se deixou de lucrar”, de acordo com o art. 402 do Código de 2002.

A título de comparação, como observado por Agostinho Alvim, o Código Civil alemão é mais detalhista que a nossa lei, pois define lucros cessantes como “aqueles que poderiam ser esperados no curso normal dos acontecimentos ou em razão de circunstâncias específicas do caso concreto, particularmente devidas a medidas e precauções tomadas”36.

Conforme demonstrado anteriormente, os dispositivos legais não trazem requisitos objetivos. Assim, o magistrado precisa tomar especial cuidado quando da avaliação dos lucros cessantes, pois pode dar margem a mais indagações que o prejuízo efetivo. Para evitar maiores transtornos, os lucros cessantes devem ser considerados a partir de uma probabilidade objetiva observando o caso concreto37.

Ao mesmo tempo em que nosso ordenamento obedece ao princípio da reparação integral visando a restituir o lesado ao status quo ante, geralmente por meio de pagamento em espécie, veda-se o enriquecimento sem causa, devendo, portanto, ser observado o princípio da equidade, ou seja, do justo equilíbrio entre a lesão e a reparação38.

34 Nos termos do art. 403 do Código Civil, o cálculo da indenização deve levar em conta os danos diretos e

imediatos.

35 DIAS, J. de A. Da responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 720.

36 Traduzido livremente com base no texto original do Bürgerliches Gesetzbuch (BGB):

§ 252 Entgangener Gewinn. Der zu ersetzende Schaden umfasst auch den entgangenen Gewinn. Als entgangen gilt der Gewinn, welcher nach dem gewöhnlichen Lauf der Dinge oder nach den besonderen Umständen, insbesondere nach den getroffenen Anstalten und Vorkehrungen, mit Wahrscheinlichkeit erwartet werden konnte (Disponível em: <http://www.gesetze-im-internet.de/bgb/BJNR001950896.html>, último acesso em: 5 jul. 2011).

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O Código Civil traz em seus arts. 948 a 954 os parâmetros a serem considerados para o cálculo da indenização em caso de homicídio, lesão à saúde, que resulte em inabilitação para o trabalho, entre outros casos.

Além disso, referida lei prevê a possibilidade de redução equitativa da indenização se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano ou, ainda, se a parte que sofreu o dano concorreu para o resultado.

A. Dano moral

Ainda sobre o desenvolvimento da noção de dano, pode-se dizer que a primeira etapa ocorreu com a proteção dos danos morais, além dos patrimoniais39. Isso se deve à valorização da dignidade humana e dos direitos personalíssimos pela sociedade, movimento que no Brasil ganhou força com a Constituição de 1988. Passou-se a entender que, embora não fosse possível atribuir um preço para a lesão moral, também não seria justo deixá-la sem amparo legal.

Entretanto, diferentemente do dano patrimonial, que segue o princípio da reparação integral do prejuízo por meio de pagamento dos danos emergentes e do lucro cessante, quanto ao dano moral não seria possível reparar a lesão, mas apenas compensar, seguindo, assim, o princípio da satisfação ou da compensação que visa atenuar o sofrimento da vítima, já que não existe “preço para a dor”40.

Outra dificuldade existiu sobre a possibilidade de haver dano moral para pessoa jurídica porque, em princípio, entendia-se que dano moral seria dor, humilhação ou vexame, isto é, lesão à dignidade humana.

Todavia, é possível considerar o dano moral em dois sentidos, um amplo e o estrito. Em sentido amplo, dano moral é a violação dos direitos da personalidade, que pode ser individual ou social e, em sentido estrito, é a violação do direito à dignidade.

Além disso, atualmente entende-se que a honra também é dividida em honra objetiva e subjetiva, pela qual a objetiva seria a reputação ou externa, para terceiros, que pode existir tanto para a pessoa natural como para a pessoa jurídica41. Por outro lado, a honra subjetiva

39 Segundo Agostinho Alvim, o conceito clássico de dano era simplesmente a diminuição do patrimônio

(ALVIM, A. Da inexecução das obrigações e suas consequências. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1965, p. 170).

40 Inicialmente a indenização do dano moral era considerada como pena ou espécie de pena privada e poderia

gerar um enriquecimento injustificado (Ver: ALVIM, 1965, p. 181; CAVALIERI FILHO, 2010, p. 85).

41 EMENTA: CIVIL. INDENIZAÇÃO. DANO MORAL. PESSOA JURÍDICA. CALÚNIA E INJÚRIA.

(21)

seria interna, aquilo que pensamos sobre nós mesmos, chamada de autoestima, sendo apenas possível para as pessoas naturais.

Como visto, o dano moral encontrou diversos obstáculos em seu caminho. Em uma primeira fase era considerado irreparável, depois foi tido como incalculável, num terceiro momento, somente era aplicável às pessoas físicas e hoje em dia, teme-se pela sua industrialização.

Felizmente, observa-se dos julgados realizados pelo nosso Poder Judiciário de maneira geral o critério da razoabilidade, pois existem muitas decisões em que o dano moral só é concedido para casos em que a lesão é evidente e não para meros aborrecimentos do dia a dia, em que muitos pleiteiam ofensa moral42, evitando assim a “indústria do dano moral”.

Acredita-se que a maior dificuldade existente ainda sobre o assunto não seja a sua caracterização nem mesmo sua prova, pois nesse sentido entende-se que o dano moral está inserido na própria ofensa, ou seja, provada a ofensa caracterizado está o dano e em alguns casos, como acima exposto, se aceita até o dano presumido.

Todavia, a questão do quantum se apresenta como um desafio para os magistrados. Por não haver previsão legal expressa de critérios ou valores a serem atribuídos a título de danos morais, até porque expressamente proibido o tabelamento ou sua tarifação, conforme Súmula 281 do Superior Tribunal de Justiça43, a liquidação do dano moral faz-se por meio de arbitramento e, para tanto, são utilizados critérios subjetivos, sendo alguns parâmetros encontrados na jurisprudência, conforme entendimento do próprio STJ.

Os principais critérios avaliados são o grau de culpa, as condições pessoais e econômicas das partes e as peculiaridades do caso concreto44. Além disso, as decisões devem seguir os princípios da razoabilidade e proporcionalidade para chegar ao valor da indenização.

Outro ponto que merece destaque, especialmente por ser objeto do presente estudo, é a questão da função punitiva dos danos morais.

do pensamento jurídico, no qual convergiram jurisprudência e doutrina, veio a afirmar, inclusive nesta Corte, onde o entendimento tem sido unânime, que a pessoa jurídica pode ser vítima também de danos morais, considerados estes como violadores da sua honra objetiva, isto é, sua reputação junto a terceiros. II – No caso, no entanto, inocorreu ofensa à honra objetiva da empresa. III – A aferição da ofensa à honra da sócia recorrente importaria em reexame de matéria fática, o que é vedado pela súmula da Corte, verbete nº 7 (grifo nosso – STJ –

REsp 223404 – 4ª Turma – Rel. Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA – Julgamento: 14/09/1999).

42 "O mero dissabor não pode ser alçado ao patamar do dano moral, mas somente aquela agressão que exacerba a

naturalidade dos fatos da vida, causando fundadas aflições ou angústias no espírito de quem ela se dirige" (AgRgREsp nº 403.919/RO, Quarta Turma, Relator o Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 23/6/03). No mesmo sentido: STJ REsp 628.854/ES, Rel. Ministro Castro Filho; REsp nº 747.396/DF, Quarta Turma, Relator Min. Fernando Gonçalves, DJ 09/03/10.

43“A indenização por dano moral não está sujeita à tarifação prevista na Lei de Imprensa.”

(22)

Alguns autores, como Sergio Cavalieri Filho45 e André Gustavo Corrêa de Andrade46, e parte da jurisprudência47, entendem que, além da função compensatória, a indenização por danos morais teria também o objetivo de punir o ofensor para que ele não volte mais a praticar o dano.

Entretanto, analisando as decisões do nosso Superior Tribunal de Justiça é possível encontrar decisões afirmando que os punitive damages não são aplicáveis no Brasil com o fundamento de que nosso ordenamento jurídico proíbe o enriquecimento sem causa, conforme o art. 884 do Código Civil48.

Em outras palavras, se o juiz proferir uma decisão cujo valor da indenização esteja acima do que seria suficiente para compensar o dano moral, tal valor a maior serviria como punição ao ofensor e enriquecimento ilícito à vítima, o que seria proibido pelo nosso ordenamento pátrio.

Por outro lado, é possível encontrar decisões da mesma Corte em que se admite o caráter punitivo dos danos morais, especialmente quando o lesado pede revisão do quantum

indenizatório49.

Logo, não há unanimidade acerca da natureza jurídica da indenização por danos morais no país, sendo possível encontrar três correntes doutrinárias e jurisprudenciais: (i) a primeira delas defende que a indenização por danos morais possui caráter meramente compensatório; (ii) a segunda tese, desenvolvida por Carlos Alberto Bittar50, trata da “teoria do desestímulo” e tem forte influência do conceito de punitive damages, entendendo que a

45 CAVALIERI FILHO, S. Programa de responsabilidade civil. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 85, 99 e 102. 46 Danos Morais e Função Punitiva. Dissertação de Mestrado apresentada perante a Universidade Estácio de Sá

em 2003 (Disponível em: <http://portal.estacio.br/media/2476068/nilson%20de%20castro%20di%C3%A3o% 202003.pdf).

47 STJ REsp 575.023/RS, Rel. Min. Eliana Calmon. DJ; REsp 696.850/RO, Rel. Min. Eliana Calmon; REsp

183.058/RJ, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 10/06/02; REsp 389.879/MG, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira.

48“A aplicação irrestrita das ‘punitive damages’ encontra óbice regulador no ordenamento jurídico pátrio que,

anteriormente à entrada do Código Civil de 2002, já vedava o enriquecimento sem causa como princípio informador do direito e, após a novel codificação civilista, passou a prescrevê-la expressamente, mais

especificamente, no art. 884 do Código Civil de 2002” (STJ RESP 401.358/PB, Rel. Min. Carlos Fernando

Mathias, DJe 16/03/09; AgRg no AI 850273/BA, Rel. Min. Honildo Amaral de Mello Castro, DJe 24/08/10).

49“O valor do dano moral tem sido enfrentado no STJ com o escopo de atender a sua dupla função: reparar o

dano, buscando minimizar a dor da vítima, e punir o ofensor, para que não volte a reincidir.” (STJ REsp

715.320/SC, 792.416/SP, 860.705/DF, 839.053/MG, 768.992/PB, todos proferidos pela Segunda Turma, RE. Min. Eliana Calmon).

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indenização tem intuito punitivo ou disciplinador51; (iii) por fim, a última tese, que prevalece na jurisprudência nacional52, considera que a indenização por dano moral possui como função principal a compensatória e acessoriamente a pedagógica53.

Nesse sentido, cumpre observar que tramita perante o Congresso Nacional desde 2007 um projeto de lei apresentado pelo Senador Renato Casagrande (Projeto de Lei do Senado nº 413/2007), em que se pretende acrescentar ao art. 944 do Código Civil um parágrafo prevendo expressamente as funções da indenização, quais sejam, compensatória, educativa e punitiva54.

Referido projeto, caso seja aprovado, vem esclarecer a contradição existente nas decisões proferidas pelo nosso Superior Tribunal de Justiça que, embora afirme em suas manifestações que os punitive damages não são um instituto legalmente aceito no Brasil, ao mesmo tempo, profere acórdãos alegando o caráter punitivo dos danos morais quando da determinação do quantum ressarcitório.

Tais contradições demonstram o quanto é difícil estabelecer parâmetros para se chegar a um valor a título de danos morais, até porque o magistrado pode chegar ao mesmo resultado sob o fundamento de compensar o sofrimento da vítima, quando, na verdade, considerou em sua decisão uma punição ao ofensor, sem que isso fique claro.

Portanto, seria mais honesto por parte da sociedade admitir que o caráter punitivo das indenizações por danos morais existe e deveria ser destacado do valor da indenização, como ocorre em países que admitem a indenização sancionatória. Até porque uma indenização por dano moral em que o valor indenizatório não represente efetivamente uma condenação ao ofensor, levando em consideração o caso concreto, serviria de estímulo à irresponsabilidade e à impunidade.

Recentemente, outro projeto de lei foi apresentado perante a Câmara dos Deputados, pelo deputado Federal Walter Tosta, Projeto de Lei nº 523/2011, pelo qual conceitua o dano

51 STF, AI 455. 846, Rel. Min. Celso Mello, Informativo 364; STJ, REsp 604.801/RS, Min. Eliana Calmon,

Segunda Turma, DJ 07/03/2005; TJ/SP, 5ª Câmara Cível, Apelação Cível nº 2012.003545-7. Na mesma direção é o entendimento doutrinário apontado pelo Conselho Federal de Justiça, na IV Jornada de Direito Civil,

Enunciado 379: “O art. 944, caput, do Código Civil não afasta a possibilidade de se reconhecer a função punitiva

ou pedagógica da responsabilidade civil”. Além de autores como Caio Mario (Responsabilidade civil, p. 315-316); André Gustavo Corrêa de Andrade (Dano moral e a indenização punitiva); Sérgio Cavalieri Filho (Programa de responsabilidade civil, p. 98-100); Maria Helena Diniz (O problema da liquidação do dano moral

e o dos critérios para a fixação do “quantum” indenizatório. Atualidades Jurídicas 2. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 237-272).

52 STJ, REsp 665.425/AM, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJ 06/05/2005, p. 348.

53 TARTUCE, F. Direito civil. v. 2. Direito das obrigações e responsabilidade civil. 5. ed. Rio de Janeiro:

Forense/São Paulo: Método, 2010, p. 410.

54PLS 413/2007: “Acrescenta parágrafo ao art. 944 da Lei nº 10.406, de 2002 Código Civil, para incluir a

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moral, enumera as hipóteses suscetíveis à indenização, esclarece os critérios para o arbitramento do seu valor e, por fim, estabelece um limite para a indenização, que seria de 10 a 500 salários mínimos, exceto para ações coletivas ou com efeitos erga omnes, em que não haveria limite55.

Entre as justificativas do projeto estão: a lacuna existente em nosso ordenamento jurídico sobre o assunto e a previsão de forma genérica trazida pelos arts. 186 a 187 do Código Civil.

Ressalte-se que referido Projeto de Lei admite que o valor buscado da indenização deva atender às finalidades compensatórias, punitiva e preventiva ou pedagógica, alegando que tais finalidades são há muito reivindicadas pelos juristas brasileiros.

Embora o Projeto tenha um aspecto positivo, como a menção expressa à honra subjetiva da pessoa jurídica, necessário se faz apontar algumas críticas, por exemplo, o fato de as hipóteses que caracterizariam o dano moral serem aparentemente exaustivas e o limite estabelecido para as indenizações.

Vale lembrar que as previsões trazidas de forma genérica pelo Código Civil são a essência do sistema aberto adotado pelo nosso diploma legal, conforme idealizado por Miguel Reale, o que torna nossa lei cível sempre atual e de acordo com os anseios da sociedade. Assim, disposições trazidas de maneira restritiva não permitiriam encaixar novos prejuízos que surgirem pela natural evolução do ser humano diante do meio social.

Além disso, estabelecer um teto para a indenização é também perigoso, pois como bem ressaltou o Deputado, dependendo do poder econômico da pessoa física ou jurídica ofensora, seria ainda mais lucrativa a prática ilegal do que arcar com o teto de 500 (quinhentos) salários mínimos, previsto pelo Projeto de Lei acima mencionado.

B. Novos danos

Na sociedade atual verifica-se a possibilidade de ressarcimento de novos prejuízos. Na verdade, os danos não são novos, mas simplesmente a sua classificação ou maneira de ver os novos meios lesivos56. Se antes o dano era dividido apenas em patrimonial ou moral, hoje se verifica a possibilidade de um novo enquadramento dos danos em estéticos, sociais, morais coletivos e pela perda de uma chance.

55 PL 523/2011.

56 SCHREIBER, A. Novos paradigmas da responsabilidade civil: da erosão dos filtros da reparação à diluição

(25)

Mesmo não tendo recebido tratamento diferenciado pelo nosso Código Civil, a doutrina e a jurisprudência vêm admitindo novas modalidades de danos ressarcíveis, até porque seria impossível exaurir todas as situações de risco diante da constante evolução da sociedade.

Em relação ao dano estético, a discussão sobre o assunto na doutrina é anterior à Constituição Federal de 1988, como se observa do trabalho de Tereza Ancona Lopez, que ensina que “quando falamos em dano estético, estamos querendo significar a lesão à beleza física, ou seja, a harmonia das formas externas de alguém. [...] Ao apreciar-se um prejuízo estético, deve se ter em mira a modificação sofrida pela pessoa em relação ao que ela era”57.

No passado, entendia-se que o dano estético era uma categoria do dano moral58, porém tal entendimento não prevaleceu na jurisprudência. Desde 2004 é possível encontrar julgados da Corte Superior de Justiça no sentido de aceitar serem cumulados os danos morais e os danos estéticos59. Tal entendimento restou consolidado a partir da edição da Súmula 38760 em 2009, deixando claro que em última instância o dano estético é algo distinto do dano moral, tanto que é possível a sua cumulação.

Danos sociais, por sua vez, são aqueles que trazem um prejuízo na qualidade de vida da coletividade, conforme afirma Antônio Junqueira de Azevedo61, por serem socialmente reprováveis. O dano causado atinge direitos difusos, ou seja, os prejudicados são pessoas indeterminadas, razão pela qual a indenização deve ser destinada a um fundo de amparo ou instituição filantrópica62, como ocorre, por exemplo, nos dissídios coletivos da esfera trabalhista em caso de greve considerada abusiva63, nas relações de consumo e até mesmo na esfera ambiental, em que os prejuízos geralmente atingem toda a sociedade.

Por outro lado, os danos morais coletivos seriam aqueles em que ocorre uma soma de lesões a vários direitos da personalidade, atingem direitos individuais homogêneos e os lesados são pessoas determinadas ou determináveis.

57 LOPEZ, T. A. O dano estético. São Paulo: RT, 1980, p. 17.

58 CAVALIERI FILHO, S. Programa de responsabilidade civil. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 106. 59 STJ, REsp 327210/MG, Rel. Min. Barros Monteiro, Quarta Turma, julgado em 04/11/04, DJE 1/2/2005. 60STJ Súmula 387: “É lícita a cumulação das indenizações de dano estético e dano moral”.

61 AZEVEDO, A. J. Por uma nova categoria de dano na responsabilidade civil: o dano social. In RTDC, vol.

19, jul/set. 2004, p. 370.

62 Conforme previsto no parágrafo único, do art. 99 da Lei 8.078/90 (CDC).

63 TRT da 2ª Região. Dissídio coletivo de greve, Acórdão nº 2007.001568, Rel. Sônia Maria Prince Franzine,

(26)

A princípio, a jurisprudência não entendia cabível a reparação por dano moral coletivo, pois dano moral seria apenas individual64. Todavia, mais recentemente houve entendimento admitindo o dano moral coletivo como nova modalidade de prejuízo, de acordo com a decisão do Superior Tribunal de Justiça no notório caso das “pílulas de farinha”65.

Assim como os danos sociais, os danos morais coletivos podem ser admitidos no âmbito das relações de trabalho, de consumo66 ou na seara ambiental.

Existe confusão jurisprudencial acerca da caracterização dos danos sociais ou morais coletivos em vista do interesse tutelado ser muito próximo. O conceito de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos pode ser retirado do art. 81 do Código de Defesa do Consumidor e a principal diferença existente entre tais figuras é que no primeiro caso os titulares são pessoas indeterminadas e nos demais os lesados são identificáveis, motivo pelo qual a indenização deve ser destinada a eles próprios e não a um fundo ou instituição filantrópica.

A teoria da perda de uma chance tem origem na França, na década de 1960, ocasião em que a Corte de Cassação daquele país analisou a responsabilidade civil do médico pela perda da chance de cura ou de sobrevivência do paciente.

Na Itália, a primeira decisão em que se verificou a responsabilidade civil pela perda da chance foi em 1983, em razão do impedimento por determinada empresa da participação de candidatos na prova de seleção para admissão de emprego, não obstante tenham se submetido a diversos exames médicos67.

No Brasil, a teoria vem ganhando cada vez mais adeptos na doutrina, como se observa dos trabalhos de Sérgio Savi e Rafael Peteffi68, além de ser possível encontrar algumas

64 Ementa: PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. DANO MORAL

COLETIVO. NECESSÁRIA VINCULAÇÃO DO DANO MORAL À NOÇÃO DE DOR, DE SOFRIMENTO PSÍQUICO, DE CARÁTER INDIVIDUAL. INCOMPATIBILIDADE COM A NOÇÃO DE TRANSINDIVIDUALIDADE (INDETERMINABILIDADE DO SUJEITO PASSIVO E INDIVISIBILIDADE DA OFENSA E DA REPARAÇÃO). RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO (STJ REsp 598.281/MG, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJ 01/06/2006).

65 Ementa: Civil e processo civil. Recurso especial. Ação civil pública proposta pelo PROCON e pelo Estado de

São Paulo. Anticoncepcional Microvlar. Acontecimentos que se notabilizaram como o 'caso das pílulas de farinha'. Cartelas de comprimidos sem princípio ativo, utilizadas para teste de maquinário, que acabaram atingindo consumidoras e não impediram a gravidez indesejada. Pedido de condenação genérica, permitindo futura liquidação individual por parte das consumidoras lesadas. Discussão vinculada à necessidade de respeito à segurança do consumidor, ao direito de informação e à compensação pelos danos morais sofridos (STJ REsp 866.636/SP, REl. Min. Nanci Andrighi, Terceira Turma, DJ 06/12/2007).

66 Nesse sentido, o art. 6º, inciso VI do CDC expressamente prevê como direitos básicos do consumidor a efetiva

prevenção e reparação de danos coletivos e difusos.

(27)

referências entre os clássicos Agostinho Alvim69, José Dias Aguiar70, Caio Mário da Silva Pereira71 e Sérgio Cavalieri Filho72.

A perda da chance é a quebra da expectativa, a frustração de uma oportunidade que provavelmente ocorreria em situações normais. De certa forma, aproxima-se ao lucro cessante, pois, para a sua caracterização, a chance deve ser real e séria, não bastando a mera possibilidade.

O Superior Tribunal de Justiça já se pronunciou em relação à perda da oportunidade quando, em sede de Recurso Especial, reduziu a indenização em ¼ do valor anteriormente concedido considerando a real chance de acerto na decisão envolvendo o “Show do Milhão”73.

Destaca-se, ainda, precedente pedindo a aplicação da tese pela perda de prazo por advogado. Nessa ocasião, a Corte Superior negou provimento ao Agravo Regimental não por não aceitar a teoria da perda da chance, mas por entender que não houve desídia dos advogados74.

Crítica a tal teoria diz respeito à determinação da seriedade da oportunidade perdida, pois não é tarefa fácil diferenciá-la de chances hipotéticas ou eventuais. Assim, necessário se faz analisar o caso concreto e separar oportunidade e oportunismo, como bem ressalta Sérgio Cavalieri Filho75.

69 O autor citando o exemplo de um advogado que por negligência deixa de apelar comenta sobre a avaliação da

perda da chance: “A possibilidade e talvez a probabilidade de ganhar a causa em segunda instância constituía

uma chance, uma oportunidade, um elemento ativo a repercutir favoravelmente, no seu patrimônio, podendo o

grau dessa probabilidade ser apreciado por peritos técnicos” (ALVIM, A. Da inexecução das obrigações e suas consequências. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1965, p. 191).

70 AGUIAR, J. D. Da responsabilidade civil. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995, 2v., p. 719-721.

71Do mesmo modo comenta o autor: “É claro, então que se a ação se fundar em mero dano hipotético não cabe

reparação. Mas esta será devida se se considerar, dentro na idéia de perda de uma oportunidade (perte d’une

chance) e puder situar-se a certeza do dano” (PEREIRA, C. M. da S. Responsabilidade civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p. 42).

72CAVALIERI FILHO, S. Programa de responsabilidade civil. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 77.

73 Ementa: RECURSO ESPECIAL. INDENIZAÇÃO. IMPROPRIEDADE DE PERGUNTA FORMULADA

EM PROGRAMA DE TELEVISÃO. PERDA DA OPORTUNIDADE (STJ, REsp 788.459/BA, Rel. Min. Fernando Gonçalves, Quarta Turma, DJ 13/03/2006).

74 Ementa: PROCESSO CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO

ESPECIAL. JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE. ADVOGADO QUE PERDE PRAZO RECURSAL. PEDIDO

DE INDENIZAÇÃO FORMULADO POR SEU CLIENTE COM BASE NA PERDA DE UMA CHANCE.

ACÓRDÃO VERGASTADO RECONHECENDO QUE A AÇÃO RESCISÓRIA PROPOSTA POR CLIENTES EM SITUAÇÃO IDÊNTICA RESULTOU EXITOSA. FUNDAMENTO NÃO ATACADO. DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO (STJ, AgRg no Agravo de Instrumento nº 932.446/ RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJ 18/12/2007).

(28)

1.2.2 Nexo Causal

A relação entre a conduta antijurídica e o dano é conhecida como nexo causal. É o fato gerador da responsabilidade76, ou seja, o dano só pode gerar o dever de indenizar quando for possível estabelecer a ligação com seu autor77, sendo a “primeira questão a ser enfrentada na solução de qualquer caso envolvendo responsabilidade civil”78.

Trata-se de elemento essencial, como se extrai do art. 186 do Código Civil. Entretanto, é de difícil comprovação79; por essa razão, “basta um grau elevado de probabilidade”80. Em

outras palavras, o lesado terá que demonstrar o fato sem o qual o dano não ocorreria.

A prova torna-se ainda mais difícil quando ocorrem diversas situações que concorrem para o evento danoso, isto é, pelo surgimento da “causalidade múltipla”81 ou concausas82.

Para resolver a questão várias teorias são debatidas pelos doutrinadores nacionais e estrangeiros. Entre elas, as principais são: a teoria da equivalência dos antecedentes ou

conditio sine qua non, a da causalidade adequada e do dano direto e imediato, que nada mais são que fórmulas para se encontrar a relação entre a causa e o efeito.

A primeira delas, também chamada de “histórico dos antecedentes”, considera que todos os fatos relativos ao evento danoso produzem o dever de indenizar. As causas se equivalem de maneira que, suprimida uma delas, o dano não se verificaria. Tal teoria é a menos aceita atualmente por ser extremamente ampla e não aceitar certos limites, como, por exemplo, o estado de necessidade ou o exercício regular de direito, previstos no art. 188 do Código Civil83.

Pela teoria da causalidade adequada, faz-se necessária a análise do caso concreto para atribuir qual a causa adequada à produção do resultado, através de um juízo de probabilidade. Apesar de a teoria ter o mérito de conferir um tratamento mais razoável em relação à concausalidade, por não considerá-las equivalentes, peca pela falta de certeza, pois busca o

76 DINIZ, M. H. Manual de direito civil. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 295.

77 ALVIM, A. Da inexecução das obrigações e suas consequências. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1965, p. 324. 78 CAVALIERI FILHO, S. Programa de responsabilidade civil. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 46. 79 PEREIRA, C. M. da S. Responsabilidade civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p. 76.

80 ALVIM, A. Da inexecução das obrigações e suas consequências. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1965, p. 325. 81 PEREIRA, C. M. da S. Responsabilidade civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p. 76.

82Sobre o assunto Agostinho Alvim diz que: “O dano é um só, mas deriva de um concurso de causas” (ALVIM,

A. Da inexecução das obrigações e suas consequências. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1965, p. 327).

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motivo provável para a configuração do dano. Por essa teoria, o juiz pode excluir situações remotas e considerar apenas os fatos relevantes para o efetivo prejuízo84.

Tem-se também a tese do dano direto e imediato, que defende que o lesante só responde pelo prejuízo que efetivamente causar, excluindo dessa forma o dano provocado por terceiros, pelo lesado ou por fatos naturais85.

A importância do estudo da referida teoria deve-se ao fato de ser adotada pelo Código Civil, de acordo com o art. 40386, que reproduz quase integralmente o art. 1.060 do Código de 1916, bem como por outros países como Itália87 e França88.

Por outro lado, o Código Civil de 2002 não rejeitou a aplicação da teoria da causalidade adequada, sendo esse o entendimento doutrinário reconhecido pelo Conselho da Justiça Federal89.

Como se pode notar, as teorias da causalidade adequada e do dano direto e imediato não se excluem, mas se complementam, uma vez que a primeira se preocupa com a solução para a causalidade múltipla, enquanto a outra cuida das hipóteses de exclusão de responsabilidade. Na jurisprudência nacional, é possível encontrar decisões aplicando uma ou outra teoria90 ou, ainda, tratando-as como sinônimas91.

O papel do nexo de causalidade para a responsabilidade civil é indispensável, contudo ganha ainda mais importância nos casos de responsabilidade objetiva, cuja defesa só pode ser baseada na falta de causalidade entre a conduta e o evento danoso92. Enquanto na

84 PEREIRA, C. M. da S. Responsabilidade civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p. 79; ALVIM, A. Da inexecução das obrigações e suas consequências. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1965, p. 304.

85 TEPEDINO, G. Notas sobre o nexo de causalidade. Temas de Direito Civil, Tomo I. Rio de Janeiro: Renovar,

2006, p. 63-82; ALVIM, A. Da inexecução das obrigações e suas consequências. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1965, p. 330.

86“Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e dano só incluem os prejuízos efetivos e os

lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual.”

87 Art. 1.223. A indenização do dano por inadimplemento ou por atraso deve compreender também a perda

sofrida pelo credor pela falta de ganho, desde que seja ela sua consequência imediata e direta (tradução livre).

Texto original: “Art. 1.223 Risarcimento del danno Il risarcimento del danno per l'inadempimento o per il ritardo deve comprendere così la perdita subita dal creditore come il mancato guadagno, in quanto ne siano

conseguenza immediata e diretta”.

88 Art. 1.151. Ainda que pela inexecução do contrato de forma intencional pelo devedor, as perdas e danos não

devem compreender mais do que for consequência imediata e direta da execução (tradução livre). Texto original:

“Dans le cas même où l'inexécution de la convention résulte du dol du débiteur, les dommages et intérêts ne doivent comprendre à l'égard de la perte éprouvée par le créancier et du gain dont il a été privé, que ce qui est

une suite immédiate et directe de l'inexécution de la convention”.

89 Enunciado 47 do CJF/STJ, da I Jornada de Direito Civil.

90 STF RE 130.764, Primeira Turma, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 07/08/92; STF RE-Agr 481.110/PE, Segunda

Turma, Rel. Min. Celso de Mello, DJU 09/03/2007.

91 STJ REsp 325.622/RJ, Quarta Turma, Rel. Min. Carlos Fernando Mathias, DJE 10/11/2008.

92Em suas palavras, Agostinho Alvim menciona que: “A importância do estudo do nexo causal em avultado,

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responsabilidade subjetiva o elemento entre a conduta e o prejuízo é a culpa lato sensu, na objetiva o nexo é determinado pela lei ou pela atividade de risco, nos termos do art. 927, parágrafo único, do Código Civil.

Algumas situações rompem o nexo de causalidade, como defendido pela teoria do dano direto e imediato. São elas: o caso fortuito, a força maior, a culpa exclusiva da vítima ou de terceiro. Todas essas situações são consideradas excludentes do dever de indenizar, ainda que a responsabilidade seja objetiva.

Em conclusão, observa-se hoje maior preocupação com o dano efetivo do lesado do que com as causas. Logicamente, deve haver uma relação entre a conduta do ofensor e o prejuízo da vítima, mas em razão da humanização do direito civil, a tendência é flexibilizar a discussão técnica do nexo de causalidade visando à reparação da vítima, ampliando-se a noção de responsabilidade solidária ou, ainda, a possibilidade de responsabilização pela exposição ao perigo de dano93.

1.2.3 Culpa

Por fim, o último elemento da responsabilidade civil é a culpa. A essencialidade da culpa irá depender do tipo da responsabilidade civil. Como acima exposto, se for subjetiva faz-se necessária a comprovação da culpa, porém, se do tipo objetiva, então basta a prova do nexo e do dano.

A noção de culpa na estrutura da responsabilidade civil é trazida historicamente pelo Código Civil francês de 180494, embora sua origem seja do Direito Romano, por meio da Lex Aquilia.

O conceito de culpa foi muito debatido na doutrina por ser um ente abstrato que comporta aspectos psicológicos, filosóficos, religiosos e jurídicos. No sentido legal, tem-se que a culpa é a violação de um dever jurídico preexistente95. René Savatier conceitua a culpa

93 SCHREIBER, A. Novos paradigmas da responsabilidade civil: da erosão dos filtros da reparação à diluição

dos danos. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2011, p. 61-63; HIRONAKA, G. M. F. N. Responsabilidade pressuposta. Belo Horizonte: Del Rey, 2005.

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como a não execução de um dever que o agente poderia conhecer ou observar. Assim, a origem da culpa estaria em um dever geral de não causar dano a outrem96.

Alvino Lima diz que a culpa é um erro de conduta, moralmente imputável ao agente e que não seria cometido por uma pessoa avisada em iguais circunstâncias.

Caio Mario da Silva Pereira sintetiza que é a violação de uma norma de conduta que pode ser legal ou contratual, cuja observância é um fator de harmonia social e que quando alguém deixa de obedecer desequilibra a convivência coletiva. Porém, para que se caracterize a responsabilidade civil, é necessário que desse confronto resulte um dano a outrem97.

A culpa em sentido amplo inclui o dolo (a vontade livre e consciente de cometer o ato ilícito) e a culpa estrita, que se refere apenas à negligência, impudência ou imperícia ou a “voluntária omissão de um dever de diligência”98.

Adicionalmente, a culpa envolve elemento objetivo, isto é, a violação de dever e um elemento subjetivo, qual seja, a imputabilidade, ou seja, a previsibilidade da impossibilidade de praticar o ato.

Nesse sentido, a tendência de objetivação da culpa, ou seja, a possibilidade de sua configuração pela mera violação de um dever seria o primeiro salto evolutivo para a responsabilidade subjetiva, em razão da dificuldade da prova de elementos subjetivos, isso porque demonstrar se a violação ocorreu de forma consciente ou não tornaria a comprovação da culpa ainda mais difícil99.

Alvino Lima comenta que a mudança da culpa provocada para a culpa presumida também representou um grande passo, pois trouxe a inversão do ônus da prova100. Assim, nos casos de responsabilidade indireta, aquela por ato de outrem, fato ou guarda de animal, a culpa presumida passou a ser a regra, também conhecida pelas modalidades de culpa in vigilando, culpa in eligendo e a culpa in custodiendo.

Contudo, apesar da importância da culpa presumida para a responsabilidade civil, nada se compara à responsabilização objetiva, ainda que nos casos de responsabilidade indireta seja necessário provar a culpa dos agentes diretos. Por exemplo, se um empregado provoca um

96 SAVATIER, R. Traité de la responsabilité civile en droit français. Paris: Libraire Generale de Droit et de

Jurisprudence, 1951, p. 8-9.

97 PEREIRA, C. M. da S. Responsabilidade civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p.70.

98 TARTUCE, F. Direito civil. v. 2. Direito das obrigações e responsabilidade civil. 5. ed. Rio de Janeiro:

Forense/São Paulo: Método, 2010, p. 356-357. Como acrescenta o autor, a culpa grave ou gravíssima (lata) equivale ao dolo.

99 Sobre a dificuldade da prova e a tendência da responsabilidade objetiva, ver: LORENZETTI, R. L. Teoria da decisão judicial: fundamentos de direito. 2. ed. São Paulo: RT, 2009, p. 239.

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