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3. Áreas potenciais de utilização

3.6 Outros usos

3.6 Outros usos

Indícios preliminares apontam para o possível uso de enteógenos em outras áreas da psicoterapia cuja menção é relevante.

3.6.1 Depressão

Segundo a Organização Mundial da Saúde, 121 milhões de pessoas sofrem de depressão no mundo, considerada uma das doenças mais incapacitantes. É uma doença que se manifesta em diferentes níveis, incluindo bioquímicos, neurológicos, comportamentais, emocionais e intelectuais. O tratamento mais difundido é, além da psicoterapia, o uso de medicamentos antidepressivos, que são a grosso modo dividido em 3 classes: tricíclicos, inibidores seletivos da recaptação da serotonina (ISRS), e os inibidores da monoamina oxidase (IMAO). Os medicamentos anti-depressivos não são, como se é de esperar da industria farmacêutica, medicamentos de uso único, mas é requerido o uso continuado por longos períodos de tempo, e consequentemente podemos ver desvantagens neste aspecto.

Possivelmente a ayahuasca seja de interesse neste campo de atuação pois pode trabalhar em diversos níveis, auxiliando no tratamento da depressão. No nível químico e farmacológico, a ayahuasca contém harmina, harmalina e tetrahidroharmina, todas sendo substâncias IMAO, da mesma classe de alguns dos anti-depressivos, e com a vantagem de serem reversíveis (e consequentemente diminuindo problemas de interações alimentares e medicamentosas ligados aos medicamentos IMAO irreversíveis). Além disto, a tetrahidroharmina também é uma inibidora leve da recaptação da serotonina, aumentando a quantidade de serotonina na fenda sináptica (MCKENNA et al, 1998, p.4), também potencialmente auxiliando na depressão. Existem dados que demonstram que o desequilíbrio nos receptores 5-HT2 está ligado à depressão e comportamento auto-destrutivo (MEYER et al., 2003), o que aponta ainda mais para a importância da investigação nesta área da neuropsiquiatria e psicologia, e possivelmente dos enteógenos como instrumentos auxiliadores.

Um outro grande aspecto da ayahuasca e outras substâncias da mesma classe é que não se limitaria a um tratamento farmacológico, e nem seria necessário seu uso continuado por longos períodos para obter benefícios no tratamento da depressão. A

38 ayahuasca, como outros enteógenos, ao trazer à tona conteúdos inconscientes, possibilita o sujeito a trabalhar a depressão em seus aspectos profundos, e não somente em sua manifestação bioquímica e neurológica. Resta aos futuros pesquisadores investigarem esta área para descobrirmos se realmente enteógenos como a ayahuasca podem ser de utilidade contra doenças mentais tão difundidas e incapacitantes.

3.6.2 Terapia psicolítica e tratamento de neuroses

Antes das convenções das Nações Unidas e da proibição do uso e pesquisa com as substâncias enteógenas, numerosos estudos e formas de terapias estavam sendo utilizadas ao redor do mundo. As terapias com estas substâncias se dividiam de uma maneira geral em dois tipos, cujas influências vemos nas recentes pesquisas: a terapia psicodélica e a terapia psicolítica.

A terapia psicodélica consiste em poucas sessões e doses altas. Nesta visão, a hipótese é que o efeito das doses altas supera qualquer defesa do ego, estabelecendo contato com os reinos profundos da psique, e possibilitando assim experiências místicas transformadoras, que posteriormente são trabalhadas com o terapeuta. Durante a sessão em si o terapeuta está presente e fornece qualquer suporte necessário, mas o trabalho primário ocorre dentro do próprio paciente, e somente depois do efeito haver terminado que a experiência é discutida e que o terapeuta age ativamente. A terapia psicodélica serviu de modelo para algumas experiências citadas acima como o trabalho de Grob com pacientes terminais de câncer, e a pesquisa de Griffiths sobre experiências espirituais transformadoras.

Já a terapia psicolítica (literalmente “que dissolve a mente”) é baseada em um maior número de sessões, utilizando doses baixas ou médias, onde durante a sessão o conteúdo é trabalhado enquanto ele surge, através da conversa com o profissional. A terapia psicolítica pode ser vista como uma espécie de análise acelerada, pois a substância auxilia o surgimento de conteúdos inconscientes, facilitando o trabalho terapêutico. Os modelos e conceitos já estabelecidos para a psicoterapia usual são adequados para a terapia psicolítica, com pouquíssimas alterações, o que a torna mais facilmente incorporável no paradigma terapêutico atual (GROF, 1979, p.123).

39 Na psicanálise, por exemplo, vemos que, para o tratamento de diversas neuroses, é fundamental que se consiga atingir conteúdos inconscientes, memórias antigas, possíveis traumas e desejos reprimidos. Como o próprio Freud (1920, p.560) afirmou, “nossa terapia faz seu trabalho ao transformar algo inconsciente em algo consciente, e só tem sucesso em seu trabalho quando consegue efetivar esta transformação” . O uso de doses baixas ou médias de enteógenos pode facilitar o processo, sem prejudicar ou “artificialmente” expor o paciente de alguma forma que não possa ser trabalhada. Diferente da hipnose que foi abandonada por Freud, por exemplo, o terapeuta não direciona, e quem decide o conteúdo a ser discutido ou analisado é o próprio paciente. A associação livre ainda cabe, sendo mais efetiva devido ao alcance maior da mente sob efeito dos enteógenos. Após muitos anos de experiência com este tipo de terapia, Stanislav Grof (1979, p.123) criador da psicologia transpessoal, afirmou que a riqueza do material obtido na psicoterapia psicolítica traz insights inigualáveis sobre o funcionamento do enteógeno, assim como da dinâmica das patologias emocionais e do funcionamento da mente de uma maneira geral.

É interessante notar que medidos pelo inventário NEO-PI-R, o traço de personalidade neuroticismo e também a vulnerabilidade, definida como a dificuldade de um sujeito em lidar com stress, estão ambos estão correlacionados com níveis de ligação frontolímbicos do neuroreceptor 5-HT2a, como mostram exames de neuroimagem (FROKJAER et al, 2007). Como vimos anteriomente, os enteógenos agem exatamente neste neuroreceptor, o que nos aponta que além do nível psicológico discutido acima, talvez também no nível farmacológico possam nos ajudar a entender o funcionamento e possivelmente o tratamento de diferentes tipos de neurose e transtornos afetivos.

As neuroses e dificuldades psíquicas de uma maneira geral, portanto, podem possivelmente ser tratadas com o auxílio da psicoterapia comum em conjunto com substâncias enteógenas, no modelo da psicoterapia psicolítica.

3.6.3 Síndrome do stress pós traumático

Ocorrendo em diferentes níveis em pelo menos 10% das pessoas que passam por experiências traumáticas, esta síndrome potencialmente incapacitante está muitas vezes associada à comorbidades mentais e físicas, redução na qualidade de vida e

40 muitas vezes causando dificuldades monetárias (BRYANT, 2008). Uma recente pesquisa demonstrou que a revivência controlada da memória do(s) evento(s) traumático(s) auxilia na elaboração e possível cura desta patologia. Nas palavras do próprio pesquisador, “descobertas sugerem que a ativação direta de memórias traumáticas é útil na prevensão de sintomas da síndrome de stress pós traumático” (idem, p.665, tradução nossa). É razoável então pensar que substâncias enteógenas possam auxiliar no processo de cura, visto que estas substâncias auxiliam na ativação de memórias importantes para o sujeito, facilitando a abreação. É importante notar que o estudo mencionado pesquisava sobre técnicas cognitivo-comportamentais, e não com o uso das substâncias aqui tratadas, mas o fator importante em comum é a questão da revivência de memórias traumáticas. Esta é portanto mais uma das áreas dignas de serem ao menos pesquisadas, para possivelmente auxiliar pessoas acometidas por tal síndrome.

No documento O POTENCIAL TERAPÊUTICO DOS ENTEÓGENOS (páginas 40-44)

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