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Toxicidade e perigos físicos

No documento O POTENCIAL TERAPÊUTICO DOS ENTEÓGENOS (páginas 44-47)

4. Riscos

4.1 Toxicidade e perigos físicos

4. Riscos

Até agora, foram discutidas as diferentes possíveis áreas onde psicólogos e psiquiatras poderiam utilizar enteógenos no processo terapêutico. É importante, porém, lembrarmos também dos efeitos negativos e dos perigos, apontando possíveis formas de diminuir estes riscos, para que possamos medir se os possíveis benefícios eventualmente superam os problemas associados, ou se o contrário é verdade e devemos rejeitar os enteógenos na clínica. Vejamos algumas das preocupações comuns sobre esta classe de substâncias, discriminando entre as afirmações e idéias errôneas, e os verdadeiros perigos e problemas, assim como oferecendo adiante recomendações sobre como prosseguir para diminuir os riscos.

4.1 Toxicidade e perigos físicos

Diversas pesquisas ao redor do mundo demonstraram a baixa toxicidade dos enteógenos (STRASSMAN, 1984; NICHOLS, 2004; MCKENNA, 1998; GROB, 1996; RIBA, 2003; VOLLENWEIDER et al, 2004). Uma das medidas importantes para determinar a segurança de uma substância é a LD-50, ou seja, quantidade necessária para uma substância matar 50% dos animais testados. Estes números são transpostos e recalculados para os humanos, e então correlacionados com a quantidade necessária para uma dose efetiva ou dose terapêutica, resultando no número do índice terapêutico (ou índice de segurança). Lembrando que quanto maior o número, mais segura uma substância é, de acordo com o Registro de Efeitos Tóxicos, o índice de segurança médio das triptaminas aqui discutidas é maior do que 600, enquanto, para fins comparativos, da aspirina é 199, da fluoxetina (prozac®) é 100, da nicotina é de 21 e do álcool é 10 (FRECSKA e LUNA, 2006, p.191; GABLE, 2004). Um índice de segurança de 600 significa que seria preciso ingerir 600 vezes a dose efetiva de uma só vez para se chegar aos efeitos tóxicos possivelmente letais.

Com exceção da ibogaína que trataremos separadamente adiante, não existem casos confirmados de mortes diretas por uso de enteógenos (LSD, DMT, Psilocibina, mescalina), apesar das milhões de doses já ingeridas. Para fins de comparação, o álcool é responsável por 2,3 milhões de mortes todos os anos (ou uma morte a cada 15 segundos) segundo a OMS. Mesmo descartando as mortes indiretas para a

42 comparação, ainda asssim podemos dizer que os enteógenos são relativamente seguros.

Houve um caso onde oito indivíduos cheiraram cristal de LSD puro pensando que era cocaína, ingerindo quantidades estimadas em até 100,000µg, ou 1000 vezes a dose padrão, e apesar das complicações e hospitalização temporária, todos se recuperaram (FRECSKA e LUNA, 2006). As alterações somáticas resultantes do uso de enteógenos, como por exemplo o ocasional aumento na freqüência cardíaca e pressão arterial em alguns indivíduos, ocorrem somente em níveis leves a moderados, não oferecendo risco a pacientes sadios (RIBA, 2003). Por precaução, pessoas a quem qualquer tipo de stress emocional pode ser perigoso, como portadores de arteriosclerose coronária avançada, devem evitar ingerir tais substâncias.

A ausência de perigos físicos diretos na ingestão de psicodélicos está ligada à farmacologia peculiar. Como dito na primeira parte deste trabalho, estas substâncias agem especialmente no neuroreceptor 5-HT2a, que não é responsável por funções vegetativas vitais. Não causam alterações perigosas em funções cardiovasculares, renais ou hepáticas, tornando seus efeitos restritos ao Sistema Nervoso Central (SNC), em especial aspectos da consciência, não oferecendo risco de vida direto (NICHOLS, 2004, p.134).

No caso da ibogaína, porém, responsável por ao menos oito mortes registradas, a farmacologia é diferente. A ibogaína age em diferentes neuroreceptores como da dopamina, GABA, glutamato, sistemas opióides e também afetando a acetilcolina. A ibogaína afeta não só o SNC como também o Sistema Nervoso Autônomo, responsável por funções vitais do corpo. Há controvérsia sobre a causa nas mortes registradas, mas uma hipótese bem fundamentada afirma terem sido morte súbita cardíaca (MAAS, 2006). Se este é o caso, então é importante que, se a ibogaína for utilizada de forma terapêutica, então o processo de seleção seja rigoroso, com critérios de exclusão bem definidos, especialmente em relação a quaisquer anomalias cardíacas. De qualquer forma, a ibogaína deve ser olhada com mais atenção por ter estas particularidades em termos de riscos físicos reais, que, mesmo sendo pequenos se olharmos a quantidade de vezes que foi administrada versus mortes e complicações registradas, ainda assim é considerável.

Outra área que merece atenção é a de interações medicamentosas. Em especial no caso da ayahuasca, as ß-carbolinas, componentes ativos da bebida, são inibidores da MAO, enzima que, além de destruir o outro componente ativo DMT (e por isso a

43 necessidade dos inibidores para o efeito da ayahuasca), também quebram metabolicamente o neurotransmissor serotonina. A temporária quantidade elevada de serotonina não é por si só um problema, mas caso a IMAO seja utilizada em conjunto com um anti-depressivo ISRS como a fluoxetina (Prozac®), pode ocorrer uma síndrome serotoninérgica. Esta síndrome é caracterizada por níveis excessivos de serotonina, causando náusea, tremores, vômito, convulsões e em casos mais extremos, perda de consciência, coma e até morte. É importantíssimo, portanto, que todos que forem utilizar a ayahuasca sejam informados e estejam absolutamente livres de ISRS por pelo menos duas semanas.

Pesquisas também demonstraram não haver nenhum tipo de dano cerebral em geral, e nem déficit cognitivo e psicológico, mesmo para adolescentes e para usuários regulares, em um setting apropriado, como a pesquisa do psiquiatra John Halpern com membros da Igreja Nativa Norte Americana que haviam utilizado o peiote ao menos 100 vezes, ou as diferentes pesquisas com membros jovens e adultos que utilizam regularmente ayahuasca nas igrejas como o Santo Daime ou a UDV (HALPERN, 2005; DOERING-SILVEIRA, 2005; GROB, 1996). No Projeto Hoasca, investigação multidisciplinar com pesquisadores de diversos países cujos resultados serviram de embasamento científico para a liberação do uso ritual da ayahuasca no Brasil, os investigadores notaram também que os usuários regulares eram altamente funcionais em termos sociais (GROB, 1996). Mesmo com estes resultados favoráveis, ainda assim novas pesquisas controladas nesta área são sempre bem-vindas, seja para confirmarmos os dados existentes ou para trazermos novas informações de possíveis problemas agora desconhecidos, e então descobrirmos como evitá-los.

Por último, é importante notar que, embora os enteógenos não ofereçam riscos físicos diretos, podem ocorrer problemas indiretos relacionados ao efeito das substâncias. Devido às mudanças na consciência e percepção, existe a possibilidade de pessoas não conseguirem distinguir a melhor forma de agir na realidade consensual, podendo cair e se machucar, por exemplo, ou se cortar com objetos pontudos, ou se acidentarem se tentarem dirigir, ou outros problemas desta espécie. Isto reforça a idéia da necessidade de um ambiente propício (não estar perto de um precipício é um exemplo exagerado, mas ilustrativo de que tipo de local não é adequado) e de uma preparação prévia deste ambiente. Isto também mostra a necessidade da presença de um facilitador ou terapeuta experiente que possa lidar com as situações e impedir acidentes.

No documento O POTENCIAL TERAPÊUTICO DOS ENTEÓGENOS (páginas 44-47)

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