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Conforme Clark & Fritz (1997), isótopos estáveis, como oxigênio-18 e deutério (2H), presentes naturalmente na molécula da água, são utilizados como uma ferramenta na análise de problemas relacionados ao ciclo hidrológico. A sua aplicabilidade como traçador natural da origem das águas, da recarga e da salinização em águas superficiais, se dá devido a sua sensibilidade aos processos físico-químicos como evaporação, condensação, diluição e mistura das águas.

Craig (1961) e Gat (1996) (apud CLARK & FRITZ, 1997) afirmam que a variabilidade isotópica na precipitação está relacionada principalmente às fontes de massa de ar e sua evolução, embora a temperatura dependa do equilíbrio fracionário durante a evaporação e as interações turbulentas na camada limite da atmosfera, aumentando as espécies isotópicas pesadas na água superficial e produzindo enriquecimento.

Dansgaard (1964 apud CLARK & FRITZ, 1997) foi o primeiro a associar causas físicas e meteorológicas à variação do conteúdo isotópico da precipitação e do vapor d’água. Seus estudos mostraram que as moléculas d’água com os isótopos pesados não evaporam tão prontamente, mas condensam mais prontamente do que a água normal, devido este fracionamento isotópico diminuir progressivamente a percentagem de isótopos pesados de ambos, condensação e vapor remanescente de uma parcela de ar sofrendo ascensão adiabática. Dansgaard encontrou como resultado que o valor de (enriquecimento do isótopo pesado em relação a uma água padrão; ver Cap. 5 item 5.1.1) diminui com o aumento da altitude e diminui com a temperatura.

Conforme Silveira & Silva Júnior (2002), no Brasil os primeiros estudos com isótopos ambientais em uso hidrológico datam do final da década de 60, início da década de 70, e tiveram como alvos principais o Nordeste brasileiro, a Amazônia e posteriormente a região Sudeste. No Nordeste, os estudos foram motivados pela seca e salinização das águas, sendo apoiados pela Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste – SUDENE.

Santiago (1984) estudando a evaporação e a infiltração das águas em açudes da bacia do Curu, região Norte do Estado do Ceará, aplicando um modelo isotópico, determinou a partir de estudos em tanque “Classe A”, exposto à evaporação durante a estação seca, a correlação de 18O com a fração f de água remanescente (f = V/V0, sendo V0 e V volumes

inicial e atual) observando um crescimento praticamente linear de 18O para valores de f entre 100% e 50%, e encontrando uma relação de Δ 18O/Δf ≈ 1,3‰/10%, ou seja, para uma redução evaporimétrica de 10% no volume, o 18O apresenta um crescimento por 1,3 ‰.

Stone et al. (2003 apud HENDENSON-SELLERS et al., 2004) afirmaram que em regiões áridas e semi-áridas, o enriquecimento evaporativo dos isótopos estáveis da água pode ser usado para medir a progressiva perda de água por evaporação rio abaixo. Já em bacias de clima frio, Gibson (2001) mostra que os isótopos estáveis da água servem como um meio de monitoramento da descarga da bacia com um todo, com substancial contribuição da evaporação e da transpiração.

Martinelli et al. (1996) analisaram um conjunto de dados de precipitações, coletadas em diferentes locais na bacia Amazônica, para confirmar a importância da evaporação da água no ciclo hidrológico da região. A análise da composição isotópica da água foi utilizada para identificar os possíveis processos de evaporação da água na bacia. Os resultados mostram que os grandes rios e lagos na bacia Amazônica são as principais fontes de vapor de água para atmosfera e que a floresta tem importante papel no ciclo hidrológico da região, retornando água para a atmosfera através da evapotranspiração.

Gedzelman & Lawrence (1990) avaliaram como as condições meteorológicas determinam o conteúdo isotópico da precipitação proveniente de ciclones extra-tropicais. A relação entre o conteúdo isotópico da precipitação e da condição meteorológica está ligada ao fracionamento vertical causado por tempestades estratiformes e convectivas. Na precipitação estratiforme verificaram baixos valores de 18O ocorrendo dentro do ar frio, e na precipitação convectiva, altos valores de 18O associado com ar seco.

Lawrence (1998) avaliou a razão isotópica na precipitação causada por ciclones tropicais e sua influência na composição isotópica das águas superficiais. A razão isotópica da água de superfície foi medida em cinco diferentes locais no sudeste do Texas. Os estudos mostraram uma marcante redução da razão isotópica após a passagem de ciclones tropicais, permanecendo baixa por algumas semanas. A composição isotópica do oxigênio nas águas superficiais devido à precipitação de verão normal diferiu marcadamente da composição nas águas derivadas de tempestades e furacões, sendo de -2,9‰ e de -9,4‰, respectivamente. O baixo valor médio da razão isotópica foi atribuído à alta eficiência de condensação dos ciclones.

Gibson (2001) utilizou o enriquecimento isotópico em águas superficiais como indicador da variação do balanço de água, no norte do Canadá. De acordo com o estudo, o enriquecimento isotópico em grandes lagos demonstra ser relativamente estável no tempo e que o enriquecimento isotópico passageiro em lagos rasos pode ser um indicador confiável de evaporação para estimativas pontuais de curto prazo, quando este for validado por técnicas padrões. A pesquisa mostrou ainda a importância dos reservatórios superficiais no

escoamento da região. Em adição ao seu papel regulador no escoamento, os lagos e várzeas aumentam o tempo de residência do escoamento, e promovem perdas por evaporação. Apesar de 60-75% do ano a região permanecer coberta de gelo, a perda por evaporação é cerca de um-décimo ou um-quarto da perda de água total da bacia coberta por vegetação de tundra e floresta.

Harvey (2005) utilizou a análise da composição isotópica de hidrogênio e oxigênio da precipitação, coletada na porção semi-árida do Nordeste do Colorado, para investigar a dinâmica da mistura das águas em rios, os vazamentos de canal de irrigação, e as interações entre água superficial e subterrânea, bem como, a recarga de aqüíferos. Os valores isotópicos da precipitação coletada são similares aos encontradas em outras regiões continentais do globo, incluindo um forte enriquecimento isotópico entre as precipitações de inverno e verão e a forte correlação entre 18O e temperatura.

Lawrence et al. (2006) estudando razão dos isótopos estáveis da chuva e no vapor de água dos furacões Ivan (2004) e Katrina (2005) mostraram que, como os furacõesatuam com câmaras de fracionamento isotópico, a razão isotópica da chuva e do vapor contém muita informação sobre a estrutura, a evolução e a quantidade de água. Os isótopos concentrados na chuva e na neve são removidos do ar elevado. Assim, a razão isotópica diminui com a altitude. A chuva que cai arrasta isótopos pesados do vapor de ar convergindo para os furacões próximos à superfície pela troca difusiva. Lawrence et al. (1998 apud Lawrence et al., 2006) mostrou que como conseqüência, o valor de 18O da chuva e do vapor nos furacões no nível da terra e em tempestades tropicais diminuem por até 15 ‰ de valores tipicamente tropicais (-1 a -5 ‰).