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4. E M BUSCA DE UM D ESENHO M ETODOLÓGICO PARA A PESQUISA EM SITUAÇÃO DE RUA

4.1 Público participante

Conforme o projeto dessa pesquisa, os participantes deveriam ser homens ou mulheres que declarassem no mínimo 18 anos de idade, em situação de rua há pelo menos um ano (não necessariamente no mesmo lugar). Não poderiam participar pessoas que declarassem ter menos de 18 anos de idade, com tempo na rua menor de um ano e apresentasse estados de consciência alterados que inviabilizasse o diálogo ou o manuseio do equipamento fotográfico. É importante destacar que já havia a probabilidade que houvesse pessoas sob o efeito de quaisquer substâncias psicoativas, as quais não seriam excluídas desde que não apresentassem as alterações de consciência dos critérios de exclusão, nem oferecesse riscos às demais pessoas envolvidas.

Estar em situação de rua por no mínimo um ano é um critério que diz respeito ao fechamento de um ciclo na rua, quando o sujeito pôde provavelmente: vivenciar as diferentes épocas do ano, vivenciar mais de uma região nas ruas, conhecer os muitos perfis de pessoas na rua, estabelecer rotinas e tentar sair da condição de rua. Conforme observado com os participantes e em outros estudos, esse tempo não precisa ser ininterrupto na rua, sendo comum haver períodos que o sujeito procura uma referência residencial, principalmente com parentes.

A participação da população em situação de rua em pesquisas de campo realizadas no espaço público, como calçadas ou praças, é um grande desafio já relatado por alguns estudos conforme apontou a revisão bibliográfica. Essas experiências apontam o acesso e as condições de realização da pesquisa como dois cuidados metodológicos necessários. O acesso ao público pode ser compreendido a partir de dois momentos: localização de pessoas ou grupos em contexto favorável à execução da pesquisa e apresentação de uma proposta coerente às suas condições de participação. Foi com essas preocupações que entramos em campo.

Encontrar pessoas em situação de rua na Praia de Iracema, inicialmente, não mostrou-se um processo difícil, pois logo nas primeiras visitas foi identificado um grupo de aproximadamente doze pessoas. Porém, alguns fatores ambientais (as constantes chuvas) e sociais (o despejo do grupo) mudaram o mapa da distribuição das pessoas na região, o que fez aumentar o tempo para conseguir encontrar o público. Vale enfatizar que se trata de um extrato populacional muito presente na cidade, mas de grande circulação urbana, portanto são esperadas muitas mudanças na rotina.

Uma vez encontrada uma pessoa que se enquadre no perfil, sua colaboração não é uma certeza, como em outras pesquisas com públicos diferentes. Entretanto, como as pessoas na rua estão expostas a um grande preconceito, pensamos que o convite para a pesquisa precisasse ser de alguma maneira movedora do seu empenho. Foi observado que o uso das fotografias e minha experiência anterior de atuação profissional com o público ajudaram no momento de propor a realização da pesquisa.

O processo de abordagem foi diferente com cada participante. Alguns já me eram familiares desde o período de atuação profissional com a equipe do Consultório de rua, outros foram mediados por esses, e houve também alguns para os quais a proposta foi feita sem conhecimento anterior, entre os quais as primeiras foram ou de desconfiança ou de satisfação em estar sendo percebido e sua fala valorizada.

Participaram diretamente do preenchimento do IGMA oito pessoas, sete homens e uma mulher, todos em situação de rua, estavam na região próxima da Praia de Iracema. Esse número deveu-se ao tempo que levou a ter acesso a esses sujeitos. Para somente dois deles eu era uma figura familiar antes de propor a pesquisa, através deles fui apresentado a outros três sujeitos, e também três deles conheci diretamente por meio da pesquisa. Nenhum deles me viu de alguma forma como agente de políticas públicas, mas sempre como pesquisador, mesmo os que recordavam do trabalho anterior. Todos atenderam aos critérios adotados, embora um participante tenha dito estar na rua atualmente há menos de um ano (oito meses), mas ele também afirmou que já há alguns anos, intercala períodos de uso intenso de crack nas ruas com épocas de confinamento em comunidades terapêuticas.

Os participantes não se opuseram a ter seus nomes mencionados nesse relatório, porém, para resguardá-los da identificação pessoal, foram atribuídos outros nomes para representar o primeiro nome ou o apelido que forneceram. O quadro abaixo apresenta o perfil dos participantes.

Quadro 2: Perfil dos participantes

Nome Sexo Idade Cidade natal Tempo na rua Escolaridade

Adão M 52 Redenção 3 anos Fund. Incompleto

Júnior M 38 Fortaleza 12 anos Fund. Incompleto

Pedro Henrique

M 36 Fortaleza 8 meses Fund. Incompleto

Teco M 29 Baturité 15 anos Fund. Incompleto

Canindé M 29 Canindé 16 anos Fund. Incompleto

Reginardo M 31 Fortaleza 5 anos Fund. Incompleto

Luíza F 29 Itapajé 2 anos Médio Completo

Rômulo M 37 Fortaleza 5 anos Fund. Incompleto

Vamos aprofundar o perfil dos participantes em apenas dois aspectos: escolaridade e sexo. Percebe-se como o nível de escolaridade foi baixo entre os respondentes. Alguns deles declararam não terem concluído o Ensino Fundamental I, hoje seria menos que o quinto ano. Percebi que, para quase todos, era uma resposta constrangedora e para Luíza foi motivo de orgulho diante dos outros, pois estava diante de outras três pessoas quando disse que “terminou os estudos”.

Outro dado importante desse quadro é ter apenas uma mulher entre os participantes. Estar na rua parece ser ainda mais difícil para as mulheres que para os homens. Durante as observações de campo não foram identificadas muitas mulheres em comparação à presença masculina.

Além dos personagens citados no Quadro 2, é necessário mencionar Tiago e Samara, que não responderam ao instrumento da pesquisa, mas contribuíram de várias formas para a organização desse estudo e serão citados também na discussão dos resultados. São um casal que estava na rua durante as primeiras visitas a campo, mas que saiu de lá pouco depois de terem sido expulsos do local onde ficavam, com um grupo composto por aproximadamente doze pessoas, e conforme se intensificaram as chuvas. Tiago tem aproximadamente 28 anos, com ele foi realizada uma experimentação da aplicação do questionário, contribuiu em alguns momentos com a pesquisa, mostrando-se disposto a ser um interlocutor do estudo com outras pessoas do grupo. Samara estava sempre com ele e mostrou também interesse em ajudar na realização da pesquisa. Entretanto, não puderam ser coletadas outras informações sobre eles. Outros sujeitos que os conhecia afirmaram que eles tinham voltado para casa.

4.2 Caracterização do campo: breves considerações sobre a Praia de Iracema e sua