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V. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS

6. P 6 – Júlio: Pai do Fernando

Contextualização - O Júlio (P5) tem 37 anos, 2 filhos do atual casamento, possui uma licenciatura

e é o único Pai da amostra que se encontra em licença (de acompanhamento ao filho com deficiência) há cerca de um ano e meio. Frequentou o primeiro e segundo nível das Oficinas. A entrevista realizada teve uma duração de 122 minutos.

O Fernando tem 2 anos, é a criança mais nova da amostra, e tem como diagnóstico uma forma de Paralisia Cerebral – Leucomalácia Periventricular – onde ocorre uma necrose da parte branca do cérebro produzindo alterações neuro-psicomotoras (Pinto, Abrantes, Moniz & Costa, 2005). É o irmão mais novo, tendo uma irmã de 6 anos, e frequenta um jardim-de-infância. Através do preenchimento do Índice de Capacidades obteve-se o score de 77,4 o que se traduz num perfil de “Suspeita de Incapacidade”.

Síntese e Elementos Significativos do Caso – Sendo o Fernando o 2º filho do casal e tendo por isso uma referência, o Pai precocemente começou a suspeitar da diferença existente no filho “achei que era o dia da noite”. Face a esta suspeita, o Júlio começou “a fazer pesquisas na net”...e em imensas saídas vinha paralisia cerebral...aí comecei a ficar completamente doente..” e “entrei em pânico…solitário” dado não ter partilhado com a mulher. Partindo desta informação, o Júlio fez uma lista das coisas que o filho não conseguia fazer, aspeto este determinante que chamou à atenção do médico. A comunicação do diagnóstico “não foi propriamente um choque do ‘ai eu não acredito!’” (ao contrário do que se passou com a mãe) no entanto, considera ainda assim ter sido um choque “foi um

tudo…tsunami”. Apesar do Pai fazer psicoterapia há 5 anos, e ainda assim ter classificado o facto ocorrido como “o grande acidente”, foi um “enorme suporte” considerando este que foi uma vantagem perante a mãe que “se foi muito abaixo”.

Dado que o Pai se encontrava “emocionalmente mais estável” foi decidido por ambos que seria o Pai que assumiria o cuidado (ativo e diário) da criança solicitando para isso uma licença de acompanhamento ao filho.

Desde o momento do diagnóstico o Pai procurou e procura incessantemente, a cura da problemática da criança, até chegando a colocar a hipótese da participação do filho num estudo experimental nos EUA, depositando uma esperança ilimitada na evolução da medicina, ansiando que seja “miúdo autónomo…um adulto feliz”.

É com essa expectativa que o Pai proporciona um conjunto alargado de terapias “está constantemente em terapias, a toda a hora”, inclusivé alternativas, mencionando por isso que “o Fernando é um sorvedor de dinheiro…ele faz muita terapia…eu gasto rios de dinheiro”.

O Pai assumiu “o papel de chofer e agora cumpro” na medida que é ele que o leva e está com ele, nas terapias (e não só) e encara esta ocupação “como o meu trabalho”. Toda a vivência do Pai com o Fernando tem por fim último, um treino constante (até no momento da muda da fralda) de competências, competências essas que vão variando “começámos muito obcecados pela parte física…depois…pela intelectual…e [atualmente] a entrada na escola” (de salientar que a criança tem apenas 2 anos).

Esta envolvência intensa “porque vivo neste momento 24 horas por dia com o Fernando” fez com que “ao fim de um ano e tal…[o Pai] preciso de bocado de tempo para retomar uma vida normal...sinto imensa necessidade de pensar noutras coisas” no entanto considera ter um ótimo relacionamento com o filho “somos os dois muito ligados...somos uma equipa…ele é engraçado, ele tem um ar super malandro, traquina”. Menciona até que “dou por mim a pensar que sorte tivemos com o Fernando…tenho imensa sorte dentro do azar do Fernando”.

O projeto de vida, o Pai considera que “ficou mais nebuloso”, porque em termos profissionais este encontra-se ‘inativo’ e a mulher ficou, entretanto, desempregada (no entanto é o Pai que continua a assegurar as mesmas necessidades do filho). Quanto ao projeto familiar, o Júlio afirma que “foi super importante termos tido primeiro a Madalena...acho que foi uma sorte” (podendo supor que se fosse ao contrario só teriam tido um único filho).

O Júlio refere que após o nascimento da criança, a mulher “tornou-se uma pessoa mais amarga”, situação essa que trouxe repercussões no casamento “O casamento sofreu…não há clima para afetos” no entanto aos poucos “vamo-nos adaptando…temos uma grande amizade”. Decorrente do nascimento do Fernando, o Pai aponta que “a certa altura deixámo-nos de dar com amigos que tinham filhos…o nosso

grupo de amigos [atualmente] não tem filhos”, no entanto tiveram necessidade de se juntar a um grupo, que se reúnem uma vez por mês, composto por pais de crianças com Paralisia Cerebral. Os amigos não são referenciados como rede de apoio pelo Pai, ao contrário da família que segundo o Pai é a única rede de suporte deles, apesar de referenciar que “a família é pouco ativa”.

Quanto aos contextos técnicos, o Júlio conta um episódio em que o médico o relegou para segundo plano tendo-lhe pedido para que “me sentasse no fundo da sala enquanto falava para a minha mulher”, no entanto e dada a vivencia diária com a criança os papeis de Mãe e Pai diluíram-se e/ou são assimilados pelo Pai (e.g. “sou eu que estou na festa do dia da mãe”).

O Júlio refere que o facto de nos GAE existir uma grande variedade de problemáticas e onde os Pais se encontravam em estados emocionais distintos tornou mais enriquecedora toda a experiência vivida no grupo, levando a perceber que “cada deficiência tem um reflexo diferente na vida dos pais”. No que concerne aos COR o Pai refere que por vezes sentia que “era um bocado penoso” porque alguns temas abordados encontravam-se afastados (temporalmente) das suas necessidades. Diz ainda terem sido importantes as Oficinas, uma vez que lhe permitiu “falar com pessoas que entendem, de forma absoluta e experiente” o que este se encontra a viver, bem como espera, com os conhecimentos que adquiriu, “servir como ponto de apoio a pais” que poderão necessitar.

Quanto às respostas obtidas através dos instrumentos do projeto, é de notar que o Pai possuiu uma rede de apoio composta por familiares (companheira, pais/sogros e irmãos/cunhados) e por profissionais – que são espelhados na necessidade que sente de apoio, seja emocional ou de informação, recorrendo aos profissionais para clarificar as questões de cariz informativo. De acordo com o preenchimento da escala de auto-competência parental (no fim dos COR) o Pai refere sentir-se mais calmo, confiante e mais consciente do papel ativo que tem que desempenhar para ajudar o filho.