• Nenhum resultado encontrado

RECONHECIDOSPELO DIREITOBRASILEIRO

O território é o espaço (físico e cultural) a que as indi- cações geográfi cas associam determinados produtos e servi- ços. Para os povos indígenas, quilombolas e populações tra- dicionais, o território é um elemento essencial à sua reprodu- ção física e cultural9. Paul Little destaca que o território deve

ser compreendido como o espaço necessário à reprodução física e cultural de cada povo tradicional, considerando as formas diferenciadas de uso e apropriação do espaço territo- rial. O conceito não guarda relação com o tempo imemorial, e sim com os usos, costumes e tradições dos povos tradicio- nais, e traduz uma ocupação coletiva do espaço, onde predo- mina o uso e a gestão compartilhada dos recursos naturais. O antropólogo Little descreve como elementos fundamen- tais dos territórios dos povos tradicionais os vínculos sociais, simbólicos e rituais que eles mantêm com seus respectivos ambientes biofísicos, e propõe a construção do conceito de “povos tradicionais”, valendo-se de três elementos: regime de propriedade comum, sentido de pertencimento a um lu- gar específi co e profundidade histórica da ocupação guarda- da na memória coletiva.

Foi justamente em virtude da importância do território para os povos indígenas que a Constituição assegurou-lhes direitos territoriais especiais, decorrentes de sua identidade étnica diferenciada. Assim é que a Constituição reconheceu aos povos indígenas10 direitos originários sobre os territórios

9 Algumas etnias (como o povo Guarani e o povo cigano) não têm rela-

ções com um território específi co, e não se pode recorrer necessaria- mente a um território como critério fundamental para a defi nição de etnia, pois há grupos que mantiveram a sua identidade cultural sem estarem vinculados a um território específi co, conforme aponta Alfre- do Wagner, op.cit., p. 177.

10 Existem hoje no Brasil cerca de 220 povos indígenas, que falam mais de

180 línguas diferentes e totalizam aproximadamente 400.000 indivídu- os. A maior parte dessa população distribui-se por milhares de aldeias, situadas no interior de 618 terras indígenas, de norte a sul do território nacional. Fonte: Instituto Socioambiental (www.socioambiental.org).

S

ANTILLI

que tradicionalmente ocupam, destinando-lhes a posse per- manente e o usufruto exclusivo de suas riquezas naturais. O próprio conceito constitucional de território indígena é sufi - cientemente abrangente para abarcar todos os seus elemen- tos. Nos termos do art. 231, o conceito abrange as terras habi- tadas pelos povos indígenas em caráter permanente, as uti- lizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem- estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, se- gundo seus usos, costumes e tradições.

A Constituição assegura também aos quilombolas di- reitos territoriais especiais. Nos termos do art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, aos remanescen- tes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras, é reconhecida a propriedade defi nitiva, deven- do o Estado emitir-lhes os títulos respectivos. Os quilombo- las gozam de um regime jurídico privilegiado em relação às populações tradicionais, que não têm direitos territoriais ex- pressamente assegurados pela Constituição. Ainda se estru- tura um arcabouço legal que dê efetiva e concreta proteção aos direitos dos quilombolas, também reconhecidos como minorias étnicas, culturalmente diferenciadas11.

Entretanto, a enorme diversidade cultural brasileira não se limita aos povos indígenas e quilombolas. Vivem aqui pescadores artesanais, quebradeiras de coco babaçu, ribeiri- nhos, castanheiros, etc. São populações que desenvolveram

11 A Fundação Cultural Palmares identifi cou 1.200 comunidades quilom- bolas. No dia 20 de novembro de 2003 - Dia Nacional da Consciência Negra - o presidente Luiz Inácio Lula da Silva editou uma série de atos normativos procurando resolver algumas ambigüidades conceituais e na defi nição de atribuições institucionais. Entre eles, o Decreto nº 4.887, de 20 de novembro de 2003, que regula o procedimento de demarca- ção e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunida- des dos quilombos.

Tal decreto estabelece a seguinte defi nição de remanescentes das co- munidades dos quilombos: “grupos étnico-raciais, segundo critérios de auto-atribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específi cas, com presunção de ancestralidade negra relacio- nada com a resistência à opressão histórica sofrida”.

S

ANTILLI

relações próprias e diferenciadas com a natureza, tanto no plano simbólico quanto no campo das técnicas e modos de fazer e produzir – distintas daquelas existentes nas socieda- des urbano-industriais12. Nas palavras de Antônio Carlos Die-

gues, essas populações tradicionais desenvolveram “modos de vida particulares que envolvem uma grande dependên- cia dos ciclos naturais, um conhecimento profundo dos ciclos biológicos e dos recursos naturais, tecnologias patrimoniais, simbologias, mitos e até uma linguagem específi ca”, que tra- duzem um outro tipo de relação homem-natureza13.

Alfredo Wagner destaca que tais categorias sociais se afi rmam através de uma existência coletiva, e impõem uma noção de identidade à qual correspondem territorialidades específi cas, cujas fronteiras estão sendo socialmente constru- ídas e nem sempre coincidem com as áreas ofi cialmente defi - nidas como reservadas e/ou protegidas. O antropólogo chama atenção para o fato de que tais categorias têm logrado obter, do Poder Público, o reconhecimento de direitos, exemplifi can- do com as leis aprovadas por três municípios maranhenses do Vale do Mearim, de 1997 a 1999, que garantem o livro acesso aos babaçuais, inclusive de propriedade de terceiros, a todos que praticam o extrativismo em regime de economia familiar. São leis conhecidas localmente como leis “do babaçu livre”. Há cerca de 400 mil quebradeiras de coco babaçu e 163 mil serin- gueiros, segundo o pesquisador.

3. ALTERNATIVASECONÔMICASPARAOSPOVOSTRADICIONAIS –